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brics1Rusia Today - [Pepe Escobar] A reunião dos BRICS no nordeste do Brasil já fez história por uma razão chave: a criação do Novo Banco de Desenvolvimento.


Podem chamá-lo de antídoto Sul Global àquela máquina de ajuste estrutural, o FMI. Muitas e muitas vezes, as nações membros do grupo BRICS e outras insistiram para que se fizesse uma reforma institucional no FMI, que reconhecesse o peso econômico do Sul Global. Pacotes de reformas dormem no Congresso dos EUA desde 2010. E em abril passado, mais uma vez, foram bloqueados.

O Novo Banco de Desenvolvimento será muitíssimo mais democrático que o FMI controlado por EUA e União Europeia (UE). Considerem o dinheiro: 10 bilhões de dólares, contribuição de cada país membro. Significa que, mais cedo ou mais tarde, outras nações em desenvolvimento poderão juntar-se ao projeto. Já chamei de capitalismo de cassino versus um modelo de capitalismo produtivo.[1]

A agenda da reunião foi gigantesca: os BRICS discutiram comércio, estratégias de desenvolvimento sustentável, política macroeconômica, energia, finança, terrorismo, mudança climática, segurança regional, contrabando de drogas, crimes transnacionais, industrialização da África. Os BRICS já estão fazendo avançar uma torrente de projetos multilaterais estratégicos em termos de demarcar uma rede alternativa de infraestrutura; por exemplo, o cabo BRICS [BRICS cable],[2] atualmente em implantação de Vladivostok a Shantou, Chennai, Cape Town e Fortaleza (onde se realizou a reunião). O cabo BRICS tem tudo a ver com segurança para a Tecnologia de Informações, transferência de tecnologia, giro de commodities – e facilitação de operações financeiras. Detalhe crucialmente importante: o cabo não passa pelos EUA.

No segundo dia de reunião, os cinco presidentes dos países BRICS passaram quatro horas e meia em torno de uma mesa com líderes dos estados da UNASUL [esp. Unasur], a União das Nações Sul-americanas. the Union of South American Nations. Ali estavam – Kirchner, da Argentina; Bachelet, do Chile; Santos, da Colômbia; Evo Morales, da Bolívia; Correa, do Equador; Pepe Mujica, do Uruguai; Maduro, da Venezuela; Umala, do Peru, dentre outros. Foi o Sul Global em ação; parcela substancial da verdadeira "comunidade internacional", a que existe, discutindo produção, investimento, integração, não sanções e bombas.

Falara sobre miríade de possibilidades de investimentos BRICS em projetos de infraestrutura – e integração – por toda a América Latina. Por exemplo, como o presidente chinês Xi Jinping sugeriu, a estrada de ferro perenemente sonhada do Oceano Pacífico no Peru, ao Atlântico, no Brasil. Foi criado um grupo trilateral Brasil-Peru-China encarregado de planejar, desenhar, construir e operar a estrada de ferro transcontinental.

A Rússia partilhou a experiência que tem em investigações sobre lavagem de dinheiro e crimes transnacionais transfronteiras. No campo da segurança, Rússia e China partilharam a sinergia que há entre os dois BRICS e a Organização de Cooperação de Xangai [orig. Shanghai Cooperation Organization (SCO)] que conecta Rússia e China numa política de segurança comum com a Ásia Central.

Falaram sobre várias estratégias para escapar à vigilância do complexo orwelliano/Panopticon. E muito falaram sobre lentamente implementar um mundo multilateral, multipolar.

De Brasília a Bruxelas

Em resumo, Putin e Xi jogaram xadrez no 'quintal' de Obama, enquanto o moço-lá do "Yes We Can" brincava com – e o que poderia ser?! – mais sanções.

Eis o que disseram os BRICS, a uma só voz, sobre sanções: "Enfatizamos nosso compromisso com a solução sustentável e pacífica de conflitos, conforme os princípios e objetivos da Carta da ONU. Condenamos intervenções militares unilaterais e sanções econômicas em violação ao direito internacional e normas universalmente reconhecidas das relações internacionais. Tendo isso presente, enfatizamos a singular importância da natureza indivisível da segurança e que nenhum Estado deve fortalecer sua segurança em detrimento da segurança dos demais."[3]

Enquanto os BRICS e a Unasur falavam sobre cooperação e integração em Brasília, em Bruxelas a França, a Alemanha e a Itália eram os principais países da União Europeia que se recusaram a acompanhar Washington e impor à Rússia "sanções econômicas e de comércio setorial". Mas a rachada União Europeia não tinha alternativa e acabou por ter de dançar conforme a Voz do Dono (as sanções que EUA estão criando agora ajudam muito a promover a "Parceria Comercial Trans-Atlântico", o 'livre' comércio de multibilhões de dólares contra o qual muitos ainda se opõem dentro da União Europeia).

Portanto, o Banco Europeu de Investimentos e o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento [orig. European Bank for Reconstruction and Development (EBRD)] vetarão novos projetos na Rússia, e a Comissão Europeia também suspenderá muitas dotações e empréstimos prometidos à Rússia.

A Casa Branca, claro, é senhora de um escaninho só dela, de mesquinharia e vingancismo. Significa mais sanções contra as empresas Rosneft, Gazprombank, Novatek, e contra o banco estatal de desenvolvimento econômico VEB, plus uma lista de mais oito empresas da Defesa, de propriedade do estado russo, contra funcionários do governo russo, contra uma empresa de petroleiros na Crimeia e contra federalistas em Donetsk e Luhansk no leste da Ucrânia. Os proverbiais "funcionários dos EUA" que não se identificam lá estavam, à mão, para declarar que essas sanções "restringirão" o acesso da Rússia ao "mercado dos EUA".

Agora então comparem isso e a voz harmônica dos BRICS sobre a Ucrânia, que clama "por um diálogo abrangente; pelo declínio das tensões no conflito; e pela moderação de todos os atores envolvidos, com vistas a encontrar solução política pacífica, em plena conformidade com a Carta das Nações Unidas."[4]

Alexei Pushkov, presidente da Comissão de Assuntos Internacionais do Parlamento Russo, definiu muito bem, antes do encontro, o contexto em que aparecem os BRICS: "Quando dizem no ocidente que há algum tipo de 'comunidade internacional' que nos condena, estão falando dos 28 estados-membros da OTAN e da União Europeia. Mas isso não é o mundo: isso é só a comunidade euro-atlântica. Tem seu peso, mas não é a comunidade mundial. É só uma fração dela."

Implica dizer pois que não são apenas BRICS contra o consenso de Washington; são também BRICS contra o 'modelo' ocidental das sanções. E as mensagens superpostas que nos vêm de Fortaleza são claras como cristal: o monopólio do Ocidente, que o autorizava a definir a agenda global já não existe. Acabou.

Considerem também a voz unívoca dos BRICS sobre Israel/Palestina: os BRICS conclamam "Israel e Palestina a retomar as negociações conducentes a uma solução de dois Estados, com um Estado palestino contíguo e economicamente viável, existindo lado a lado e em paz com Israel, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e reconhecidas internacionalmente com base nas linhas de 4 de junho de 1967, com Jerusalém Oriental como sua capital."

Os BRICS claramente se opõem "à continuada construção e à expansão dos assentamentos nos Territórios Palestinos Ocupados pelo Governo israelense, que violam o direito internacional, solapam gravemente os esforços de paz e ameaçam a viabilidade da solução de dois Estados. Saudamos os recentes esforços pela unidade intra-palestina, inclusive a formação de um governo de unidade nacional e os passos em direção à realização de eleições gerais, elemento-chave para consolidar um Estado palestino democrático e sustentável."[5]

Israel, claro, nem ouve. Preferem prosseguir com a limpeza étnica em câmera lenta e massacre, de Gaza.[6]

Afinal, o ex-leão de chácara e hoje truculento ministro de Relações Exteriores de Israel Avigdor Lieberman disse ao Kneset [parlamento] que "a operação deve concluir com o exército de Israel no pleno controle de toda a Faixa de Gaza."

Os BRICS, por insistência de Rússia e China, até introduziram um projeto de Resolução da ONU, atualizado, sobre a necessidade de impedir a militarização do espaço sideral – como no projeto "Guerras das Estrelas" que é parte essencial da doutrina do Pentágono, de Dominação de Pleno Espectro. Adivinhe então quem sempre votou contra, na ONU: Telavive e Washington.

Por tudo isso, a escolha que o Sul Global está apresentando é, de fato, bem simples. Escolha o seu modelo: de um lado, há um modelo marcado por integração, cooperação, respeito mútuo; de outro lado, há outro modelo que ordena que você se curve à Voz do Dono; se você desobedecer, o modelo tentará matar você a golpes de sanções; detonará sua indústria de energia, seu acesso aos mercados financeiros, o bem-estar de seus cidadãos; se nada funcionar, o modelo bombardeia você, detona tudo, seu país é empurrado de volta à Idade Média.

Notas:

[1] 15/7/2014, Pepe Escobar, Asia Times Online: "BRICS contra o Consenso de Washington", traduzido em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/07/pepe-escobar-brics-contra-o-consenso-de.html

[2] Para saber o que é, ver http://mundorama.net/2013/09/28/brics-cable-levando-a-cabo-uma-resposta-brasileira-a-espionagem-internacional-por-gills-lopes/

[3] "VI Cúpula BRICS – Declaração de Fortaleza", 15/7/2014, Fortaleza, Brasil, Itamaraty, Governo do Brasil, [port. e ing.], em http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/vi-cupula-brics-declaracao-de-fortaleza

[4] Idem, Ibidem.

[5] Idem, ibidem.

[6] http://www.thehindu.com/opinion/op-ed/pounding-gaza-with-impunity/article6218093.ece?homepage=true

Tradução do coletivo Vila Vudu.


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