1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (0 Votos)

050116 cienciaEsquerda Diário - [Santiago Marimbondo] É evidente que aqui não se pretende debater as teorias físicas do cientista britânico, coisa para que o autor não tem os fundamentos necessários, mas sim seus pressupostos metodológicos e teóricos.


Em seu livro de divulgação cienctífica ’O Universo numa casca de noz’ o físico britânico Stephen Hawking defende que a ciência trata apenas de modelos, formulas, sistemas (a maioria das vezes matemáticos) e de sua capacidade aproximada de predições, e que esses sistemas não explicam objetivamente a realidade que lhes é exterior, tendo como parâmetro de sua cientificidade a sua elegância e funcionalidade operativa como modelos, sua simplicidade e capacidade de abarcar as perspectivas anteriormente expressas; o físico baseia sua atividade científica na epistemologia (teoria do conhecimento) construída pela filósofo austríaco Karl Popper, uma das muitas formas que assumiu o positivismo filosófico no século XX.

"Qualquer teoria científica séria, sobre o tempo ou qualquer outro conceito, deveria em minha opinião estar apoiada na forma mais operativa de filosofia da ciência: a perspectiva positivista proposta pelo Karl Popper e outros. Segundo esta forma de pensar, uma teoria científica é um modelo matemático que descreve e codifica as observações que realizamos. Uma boa teoria descreverá um amplo domínio de fenômenos a partir de uns poucos postulados singelos, e efetuará predições definidas que poderão ser submetidas a prova. Se as predições concordarem com as observações, a teoria sobrevive à prova, embora nunca se possa demonstrar que seja correta. Contrariamente, se as observações diferirem das predições, devemos descartar ou modificar a teoria. (No mínimo, isto é o que se supõe que ocorre. Na prática, a gente questiona frequentemente a precisão das observações, a confiabilidade e o aspecto moral dos que as realizaram). Se adotarmos a perspectiva positivista, como eu faço, não podemos dizer o que é realmente o tempo. Tudo o que podemos fazer é descrever o que vimos que constitui um excelente modelo matemático do tempo e dizer a que predições conduz." O universo Numa Casca de Noz.

Nesse sentido, os modelos e teorias físicos são para o conhecido físico apenas abstrações, sistemas lógicos e matemáticos, e não buscam estabelecer um contato, explicar a realidade efetiva que existe exteriormente a esses modelos e teorias, mas apenas buscam ser matemática e logicamente mais completos que os modelos precedentes.

É evidente que aqui de forma alguma se buscará polemizar com as teorias científicas do físico estadunidense, coisa para que o autor dessas linhas não tem os fundamentos necessários, mas sim questionar seus pressupostos metodológicos e epistemológicos.

Mas o questionamento desses pressupostos teóricos já não levaria imediatamente a um questionamento de suas afirmações científicas? Não é tão simples assim, como já mostrava Lenin em sua obra ’Materialismo e Empiriocriticismo’. Cientistas que partem de pressupostos filosóficos errados podem construir perspectivas corretas, posto que em sua atividade científica estabelecem uma relação mais imediata com a matéria, com a realidade que lhes é exterior, que se torna parâmetro de suas teorias, mesmo que seus pressupostos filosóficos num primeiro momento contradigam essa relação.

Breve esclarecimento sociológico

O fator central que leva cientistas sérios como Hawking a uma posição semi-mística e diretamente idealista como essa, de que a ciência se refere apenas a modelos e construções lógico/matemáticos e a uma pragmática capacidade de predição e não a realidade efetiva, exterior, material, é a divisão social do trabalho, que também se reflete no campo das ideias e portanto também na produção científica.

Afastados da efetiva produção material, da utilização e realização tecnológica de suas teorias, das consequências sociais e históricas delas, encerrados como numa torre em seus laboratórios e institutos de pesquisa, os cientistas modernos tendem a ver suas teorias como algo distante da realidade material, como algo não concreto, pura teoria passível de ser apreendida e apropriada apenas pelos "iniciados", por aqueles com o treino científico e teórico, algo portanto para pequenos círculos.

É essa divisão marcada entre ciência e produção material, entre ciência e atividade histórica, portanto, a base social para que surja esse tipo de concepção idealista no cérebro de todo um setor de cientistas e teóricos. Apesar de se basear grandemente no desenvolvimento científico, submetendo praticamente todos os campos do conhecimento a suas necessidades, proletarizando os cientistas, filósofos e todos os setores em geral produtores de ideias, o capitalismo o faz alienando e enclausurando o desenvolvimento desses campos do saber.

Um saber e ciência divididos e compartimentalizados são aqueles que mais expressam as necessidades da acumulação ampliada do capital. Um conhecimento integrado e totalizante, em que os diversos campos do saber e ciência possam dialogar entre si de forma frutífera e todos com a produção material, não de forma submissa e puramente pragmática, mas de forma ativa e criativa, só é possível numa sociedade nova.

Contra uma concepção materialista vulgar

O risco que se corre ao criticarmos posições como a exposta por Hawking de que a ciência constrói modelos que apenas permitem uma previsibilidade relativa, mas não explicam, e portanto não refletem, efetivamente a realidade é cairmos numa posição materialista vulgar, em que as formas conscientes, subjetivas, através das quais nos apropriamos da realidade seriam cópias fiéis, fotocópias mesmo, da realidade exterior.

Essa forma de materialismo parte da premissa correta de que as formas subjetivas através das quais apreendemos a realidade objetiva são impressões mentais, conscientes, da realidade exterior, que essa apreensão da realidade se dá mediada por nossos sentidos, pela influencia material e objetiva da realidade exterior sobre nossos órgãos sensoriais, mas a torna unilateral e dessa forma errada ao transformar nossas ideias subjetivas sobre a realidade em expressões puramente fisiológicas, reflexos imediatos da influência física da realidade exterior sobre nossos órgãos sensoriais.

Explico: dentro dessa concepção as formas como vemos a realidade exterior são expressões imediatas, diretas, da influência das ondas de luz sobre nosso nervo óptico, ou as formas como apreendemos os sons são expressões imediatas do movimento das ondas de ar captadas por nossos ouvidos.

Aprofundando e generalizando essa visão a ciência como forma mais profunda e generalizada da relação entre consciência e realidade seria apenas e diretamente uma relação física e fisiológica entre a realidade exterior e nossos órgãos sensoriais e nosso cérebro, como sistematizador das experiências proporcionadas pelos sentidos.

Se é evidente, no entanto, que toda apreensão da realidade tem como base a relação física e fisiológica entre a realidade exterior e nossos órgãos sensoriais é evidente também que ela não se reduz a isso.

As formas através das quais apreendemos a realidade exterior são mediadas não apenas por relações fisiológicas ou biológicas, mas também por conceitos, signos, símbolos, construídos socialmente. Mesmo nas formas mais imediatas e diretas de apreensão da realidade exterior esses elementos sócio/culturais influenciam diretamente (isso sem falar aqui que nossa própria fisiologia é uma construção histórica e social). As formas como são apreendidas as mesmas ondas de luz pelo nervo óptico humano podem variar de cultura para cultura (vide os diversos relatos etnográficos sobre a maior capacidade dos povos esquimós para distinguirem diferentes tonalidades de branco, por exemplo), os mesmos sons podem ser entendidos de forma diferente por povos distintos (o que pra uns é um caos de barulhos desconexos pode ser boa música pra outros).

Paradigma e ciência

Assim, quando criticamos aqui Stephen Hawking e defendemos que a ciência é sim capaz de apreender a realidade objetiva, que ela não trata apenas de modelos abstratos mais ou menos elegantes, mas da materialidade concreta que existe para além dos modelos científicos, que esses são efetivamente reflexos/projeções da realidade exterior, não estamos de forma alguma defendendo que essas verdades científicas se tornam pretensas verdades absolutas, a-históricas, válidas para todos os tempos e lugares, independente das relações objetivas e concretas estabelecidas entre os seres humanos.

A ciência, como toda estrutura ideológica, é histórica, expressão ideal das relações concretas, materiais, historicamente determinadas, estabelecidas entre os seres humanos concretos. Nesse sentido, toda afirmação científica é uma verdade relativa, histórica, insuperavelmente ligada às relações concretas das quais é expressão.

Os paradigmas através dos quais a ciência organiza e apreende a realidade exterior (átomos, Big Bang, Bóson de Higgs, etc...) não são verdades absolutas, a-históricas, nesse sentido, mas formas historicamente determinadas através das quais organizamos nossas experiências e relações com a realidade circundante.

A ciência, portanto, se move, se desenvolve, através de paradigmas, estruturas ideológicas que se aprofundam e se aproximam cada vez mais da realidade exterior, como numa espiral que cada vez mais se aproxima de seu centro, para usar a metáfora utilizada por Lenin em seus cadernos filosóficos.

Cada um desses paradigmas científicos é, desse modo, uma aproximação relativa, parcial, limitada, histórica, da realidade objetiva, mas essa sua historicidade em nada tira sua objetividade.

Os paradigmas científicos que acabam tendo maior capacidade de organizar nossas relações com o ambiente e dessa forma refletirem de forma mais aproximada a matéria (como exemplos, a teoria da evolução das espécies de Darwin ou a teoria de Copérnico sobre o movimento do Sol, em contraposição a teoria ptolomaica) se tornam dessa maneira degraus nunca negligenciáveis para o desenvolvimento científico posterior.

Ou seja, apesar de não serem verdades absolutas e entendendo que certamente serão paradigmas superados um dia, essa superação se dará de forma dialética, não como negação pura e simples, mas como movimento que ao mesmo tempo nega, conserva e supera. Todo desenvolvimento sobre a teoria da evolução, por mais que supere a teoria de Darwin e proponha novos paradigmas terá na teoria do britânico degrau insuperável de seu desenvolvimento. A astronomia moderna, que já superou dialeticamente a teoria de Copérnico, não a nega, mas mostra suas limitações e a necessidade de uma compreensão mais profunda sobre o movimento dos astros, tendo como base a teoria desenvolvida pelo polonês.

A práxis como mediação entre a ciência e a realidade material

Mas qual é então o parâmetro para a cientificidade de uma determinada afirmação? A práxis social, a possibilidade de a partir dessa estrutura ideológica, desse paradigma científico, apreendermos e transformarmos a realidade, humanizarmos a natureza.

É esse o conceito central que permite superarmos a dualidade entre um relativismo que torna qualquer possibilidade de ciência vã, pois nenhuma afirmação teria caráter objetivo capaz de se ligar a realidade exterior, e uma concepção que vê na ciência a busca por uma pretensa verdade absoluta e a-histórica.

A apreensão pelos cientistas hoje desse conceito fundamental da filosofia marxista é elemento chave para a superação da crise científica em que nos encontramos, de sua segmentação e compartimentalização e para seu posterior desenvolvimento.


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.