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120914 HollandeFrança - Resistir - [Jacques Sapir] Doravante já não estamos numa crise política, mas numa crise de legitimidade do Presidente da República e provavelmente numa crise de regime. Nunca, mesmo nos anos que se seguiram ao Maio de 1968, havíamos experimentado uma tal situação. Sob os nossos olhos, a presidência de François Hollande decompõe-se.


Para além da dimensão pessoal deste fracasso, o que está em causa é a questão das instituições e do Estado.

Resumo da decomposição

Ela se decompõe economicamente. A política conduzida pelos governos Ayrault e Valls é um fracasso escaldante. Isto já fora dito desde o Outono de 2012. Não houve inversão da curva do desemprego, pois a política seguida, e que está na continuidade daquela do governo de François Fillon sob a presidência de Nicolas Sarkozxy, partiu duradouramente as dinâmicas de crescimento. A repressão orçamental juntamente com uma inflação muito baixa afunda o país em dificuldades de que não sairá. Todo o mundo sente que é preciso uma mudança radical, e não um simples ajustamento, ao contrário do que propõe uma parte da direita parlamentar, um acréscimo de repressão orçamental. A desindustrialização continua a progredir e o governo rejubila-se com a baixa do Euro, mas sem recordar que para esta ser útil à França seria preciso que se atingisse uma taxa de câmbio de 1,05 a 1,10 Dólar por um Euro. Ainda estamos muito longe.

Ela se decompõe politicamente. A queda da confiança dos franceses no seu Presidente atinge níveis nunca alcançados. A França doravante está sem voz, quer seja no seio da União Europeia ou de modo mais geral nas relações internacionais; as últimas palinódias sobre o contrato dos BPC [navios porta-helicópteros] da classe "Mistral" o testemunham. E é esta França sem voz que poderia falar alto e forte tanto a nossos parceiros, e em particular à Alemanha, como a nossos aliados? Parece que estamos a sonhar. A verdade, cruel mas límpida, é que estamos encostados ao tanque da Alemanha e submetidos à dominação de Washington. Contudo, esta decomposição política doravante atinge o cerne do aparelho de Estado. Quem pode acreditar que o Primeiro-Ministro, homem ambicioso e de poucos princípios, permanecerá fiel ao Presidente quando a queda de popularidade deste o arrasta para o abismo? Manuel Valls daqui em diante procura febrilmente como poderá romper com François Hollande a fim de preservar seu capital político e não afundar com ele. No seio da maioria, é a debandada. Os socialistas que se se dizem "críticos" ("frondeurs") ou "aflito" ("affligés") estão hoje diante das suas contradições. Todo apoio a este governo é um apoio a uma política que é, a cada dia, mais anti-social e mais destruidora economicamente. Eles percebem bem que não são medidazinhas tanto fiscais como orçamentais que podem inverter a tendência dramática da economia francesa. Mas eles resmungam diante da única [alternativa] que hoje resta. Só uma saída do Euro e uma depreciação das moedas da França e também dos países da Europa do Sul permitiria inverter a situação, reencontrar o crescimento e portanto os grandes equilíbrios, tanto do orçamento, como das contas sociais ou da balança comercial. [NR] São numerosos os que sabem disso, mas permanecem fascinados por este totem chamado "União Europeia". O que resta da oposição de esquerda está, por sua parte, tetanizada pela perspectiva da ruptura com o Partido "Socialista" e prisioneira das alianças eleitorais que o nosso sistema político impõe. Esta situação leva um número cada vez maior de franceses a virarem-se para a Frente Nacional. Isto era perfeitamente previsível. Mas, ao invés de reflectir sobre a ruptura que se impõe na política económica do país, prefere-se procurar servirem-se da subida eleitoral da Frente Nacional para encontrar novos argumentos e novas justificações para um imobilismo tanto económico como político. Trata-se de uma estratégia perdedora, evidentemente.

Mas a presidência Hollande decompõe-se também simbolicamente. Um caso anedótico assume sob os nossos olhos a dimensão de um assunto de Estado. Nada é mais simbólico que a emoção e o bru-a-á provocados pelo livro de Valérie Trierweiler , do qual todos suspeitam que se não for exacto poderia ser verdadeiro. A imagem de um Presidente reduzido à postura de um adolescente incapaz de assumir a consequência dos seus actos é devastadora. Mas este livro também diz muito sobre a invasão da esfera pública pelas emoções privadas. Com o fim efectivado da separação entre as duas esferas, compreendemos todos que a democracia está em perigo. É por isso, sem dúvida, que a anedota de um livro se torna um acontecimento da sociedade. Esta decomposição simbólica sela então o carácter irremediável da decomposição económica e política.

Esta tripla decomposição assinala não só uma perda dramática de credibilidade do presidente da República como também uma perda de legitimidade. Não é só a legitimidade do homem que é atingida e duradouramente; é a legitimidade do sistema político. O fracasso de François Holland não é uma página branca sobre a qual um impaciente teria rabiscado e rasurado. Vindo após a presidência de Nicolas Sarkozy, que já havia enfraquecimento dramaticamente as instituições, ela assinala a crise do Estado e sem dúvida sua própria decomposição.

A catástrofe previsível

Esta situação era, infelizmente, previsível. Estava inscrita na viragem tomada pela política desde o Outono de 2012. Ela tornara-se inevitável com a escolha pelo Presidente de Manuel Valls como Primeiro-Ministro na Primavera de 2014, da qual foi dito e escrito que constituía uma falha grave. O presidente poderá sempre invocar as campanhas conduzidas pelos seus inimigos políticos, mas elas são apenas normais numa democracia. Dos seus adversários ele nada devia espera, assim como era fútil esperar uma modificação do contexto económico internacional para salvar uma política de efeitos desastrosos. Luís XIV escrevia já "sempre, basear-se no pior, a esperança é um guia mau" [1] . Ao invés de procurar desculpas, procurar alguns bodes expiatórios, o Presidente faria melhor se se interrogasse a si próprio, se se perguntasse porque foi incapaz de ampliar realmente o leque das opiniões que recebia, o que é que oculta na escolha dos seus amigos mais próximos para rodeá-lo. Tivesse ele desejado deliberadamente desligar-se do mundo e da realidade não teria feito melhor. Esta construção autista traduz uma recusa da realidade. Não que ele precise abandonar suas convicções face ao real. Nunca pedimos algo como isso. Mas, o homem (ou a mulher) de carácter vê-se em que ele (ou ela) parte do real e dota-se dos meios para transformá-lo. Isto nunca foi feito por François Hollande e por isso vai perder tudo, o poder naturalmente, mas também a reputação e seu partido político, que se arrisca muito a não se recuperar do impasse ao qual ele o conduziu. Ele vai perder finalmente a Europa, que se arrisca fortemente a não sobreviver à crise que aí vem e que se pressente que será cataclísmica. Ele não compreendeu que ao sacrificar o Euro conservava uma possibilidade de salvar a União Europeia.

Não se trata de um problema de inteligência, pois disto ele parece razoavelmente dotado. Mas ele combina uma visão estreita das coisas, e na verdade muito ideológica, com uma falta de coragem à qual se acrescenta uma falta de empatia. Ninguém é obrigado a ser um modelo de virtude, desta coragem moral louvada pelos Antigos. Não se pode assinar coragem como se se assinasse a Revue des Deux Mondes. Mas então, convém ter empatia para com seus concidadãos. Ora, François Hollande revela-se frio, duro para com os fracos, acomodatício para com os poderosos. Não se é obrigado a estar permanentemente na empatia, mas então é preciso compensar esta frieza pela coragem moral. O que não é aceitável num homem político desta ambição é a frieza para com outro que é acompanhada pela compaixão de si próprio. Não se é eleito para inchar seu próprio ego mas para servir.

Recusar o desastre

Deste desastre que se anuncia, quais serão as formas? O poder presidencial vai continuar a desfazer-se a uma velocidade acelerada. Os próximos meses verão François Hollande abandonado pelos seus aliados, tanto na Europa como em França. A partir de agora ele é tido como insignificante pela Alemanha, desprezado em Londres e considerado como um criado por Washington. Mas é em França mesmo que se preparam os golpes mais duros. Ele verá nos próximos seis meses o Partido "socialista" ser absorvido pelos seus adversários, Martine Aubry à cabeça e sobretudo verá Manuel Valls traí-lo. Nada de pessoal na explosão que se prepara. Mas a lógica das nossas instituições quer que o Primeiro-Ministro, se pretende preservar suas possibilidades futuras, se oponha a um Presidente na agonia e construa sua imagem contra o homem que o nomeou. Manuel Valls vai assim procurar gradativamente a ruptura.

Se François Hollande pode, teoricamente, permanecer em funções até 2017, será provavelmente constrangido a dissolver [o parlamento] nesta Primavera, se não antes. Ele poderia escolher precipitar a prova. Uma dissolução nas próximas semanas seria incontestavelmente dolorosa para o Partido "socialista", mas apanharia de surpresa a UMP , que não se recompôs da guerra fratricida entre Fillon e Copé, e confrontaria a Frente Nacional num prazo para o qual ela sem dúvida não está pronta. Uma dissolução rápida seria sem dúvida uma solução menos dolorosa que uma dissolução constrangida pelos desmanches dos apoios parlamentares na próxima Primavera. Uma dissolução rápida seria também menos catastrófica para a eleição presidencial de 2017.

Entretanto, é possível uma outra solução que, ao invés de procurar limitar o desastre, tem como objectivo inverter a tendência. Esta é a ruptura simbólica com a Alemanha para tentar reencontrar margens de manobra económicas. Esta ruptura teria a vantagem de permitir ao Presidente apresentar-se como aquele que tudo tentou e que, diante da obstinação alemã, constata e provoca uma crise. Virar a mesa pode ser um método para recuperar crédito quando se está numa posição de fraqueza. O General de Gaulle utilizou-o em momentos terríveis. Isso implica, então, separar-se rapidamente de Manuel Valls, cortando assim suas veleidades de independência, e escolher um homem que encarne, desde há anos, "a outra política". Esta política passa pela saída do Euro, feita de maneira decidida e irremediável. Pois uma saída do euro daria novamente de imediato um dinamismo económico à França que mudaria inteiramente a situação. O Euro é uma vaca sagrada, mas é no couro das vacas sagradas que se talham os sapatos para quem quer avançar.

Quando tudo parece perdido, é o momento de passar ao ataque. Tal deveria ser o raciocínio efectuado por François Hollande. A lógica da situação deveria conduzi-lo a esta conclusão. Senão, ele será como o animal de abate que se conduz ao matadouro. Mas talvez seja esta a sua verdade profunda. Que ele nos peça, então, para nos apiedarmos da sua sorte.
09/Setembro/2014
[NR] Os sublinhados a vermelho são da responsabilidade de resistir.info.

[1] Instrução à atenção do Grande Delfim.


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