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150915 criseChina - Carta Capital - [Luiz Gonzaga Belluzzo] Vivemos o último, mas não derradeiro, movimento da sinfonia inspirada nos arranjos melódicos dos anos 1980.


Da China para o mundo e do mundo para a China, as turbulências nas bolsas de valores excitaram os temores de outra crise financeira global. Já na quarta-feira 26, a mídia internacional, até mesmo a provinciana, proclamava a retomada da “normalidade” altista nos mercados de ações, enquanto os senhores da opinião econômica jogavam as “culpas” do sinistro na Geni de plantão: a China e seu “modelo” de crescimento.

Esses senhores falam de globalização, mas continuam aprisionados nos grilhões mentais das economias nacionais como entidades abstratas, desconectadas de suas relações com o resto do mundo. Para esse, digamos, estilo de pensamento, qualificado por Charles Wright Mills de “empirismo abstrato”, as relações entre as economias estão sintetizadas nos registros dos balanços de pagamentos. Esses registros são úteis e importantes, mas apenas enquanto verificação dos resultadosdos processos sociais e econômicos globais que transformam continuamente asestruturas geoeconômicas a partir dos movimentos do capital financeiro, da realocação espacial do investimento direto produtivo e, finalmente, das mudanças daí decorrentes na composição dos fluxos de comércio.

A crise do crescimento chinês é o último, porém não derradeiro, movimento da sinfonia inspirada nos arranjos melódicos do início dos anos 1980. Sugiro, abaixo, sinteticamente, a articulação entre os fatores que impulsionaram a expansão da economia globalizada:

1. O crescimento continuado dos fluxos brutos de capitais para o mercado americano. 2. A migração da produção manufatureira para os países de baixo custo de mão de obra. 3. Os métodos inovadores de “alavancagem” financeira. 4. A valorização dos ativos imobiliários e o endividamento excessivo das famílias nos Estados Unidos e na “periferia” europeia. 6. A insignificante evolução dos rendimentos dos 99%, cada vez mais “precarizados” e menos assalariados. 7. A consequente ampliação das desigualdades. 8. A degradação dos sistemas progressivos de tributação e o encolhimento dos sistemas de proteção social. 9.Apesar disso, observa-se a persistência de déficits fiscais alentados e a expansão das dívidas dos governos.

Primeiro, vamos organizar o forró. A interpenetração financeira suscitou a diversificação dos ativos à escala global e, assim, impôs a “internacionalização” das carteiras dos administradores da riqueza. Os EUA gozaram e gozam dos benefícios da gestão da moeda reserva e, portanto, da atratividade de seu mercado financeiro garantido pela liquidez dos títulos da dívida pública, ativos de última instância da finança global.

No mundo em que prevalece a mobilidade de capitais, o “privilégio exorbitante” concedido ao titular da moeda reserva permite a convivência entre superávits na conta financeira e as inconveniências da valorização do dólar, combinação que engendra o encolhimento da manufatura e déficits crônicos em conta corrente. A elevada liquidez e a alta “elasticidade” dos mercados financeiros globalizados patrocinam a exuberante expansão do crédito nos Estados Unidos, a inflação de ativos, o endividamento das famílias viciadas no hiperconsumo e os desequilíbrios dos balanços de pagamentos.

As empresas deslocaram sua produção manufatureira para as regiões em que prevalecem baixos salários, câmbio desvalorizado e alta produtividade do trabalho. Americanos, europeus e japoneses correram para a Chinásia. Os alemães, mesmo frugais, saltaram para os vizinhos do Leste. Dessas praças exportaram manufaturas “competitivas” para os países e as regiões de origem ou de sua influência.

As empresas originárias dos países “consumistas” cuidaram de intensificar a estratégia de separar em territórios nacionais distintos os componentes da demanda efetiva: 1. Na China e adjacências, concentraram a formação de nova capacidade. 2. Na América e na periferia europeia, a expansão do consumo. 3. Nos paraísos fiscais, a captura dos resultados.

A migração das empresas para as regiões onde prevalecem relações mais favoráveis entre produtividade, câmbio e salários desatou a “arbitragem” com os custos salariais, estimulando a flexibilização das relações de trabalho.

O crescimento do número de trabalhadores em tempo parcial e a título precário foi escoltado pela destruição dos postos de trabalho mais qualificados na indústria de transformação. A evolução do regime do “precariato” constituiu relações de subordinação dos trabalhadores, que se desenvolvem sob as práticas da flexibilidade do horário temperadas com as delícias do trabalho “em casa”. Essa “flexibilidade” torna o trabalhador permanentemente disponível para responder às exigências do empregador ou contratante.

A flexibilização das relações trabalhistas subordinou o crescimento da renda das famílias ao aumento das horas trabalhadas.  Nos EUA e na Inglaterra, as famílias submetidas à lenta evolução dos rendimentos sustentaram a expansão do consumo na vertiginosa expansão do crédito.

A queda do investimento na formação da demanda agregada dos países centrais foi mais do que compensada pela aceleração desse componente do gasto na China e vizinhança. Nos últimos sete anos, depois da crise global, a taxa de investimento no Império do Meio flertou com 50% do PIB. O balanço global registra, portanto, a criação generalizada de capacidade produtiva excedente, particularmente nos setores de alta e média tecnologia afetados pelo formidável avanço da graduação tecnológica e dos ganhos de escala na indústria chinesa. A entrada da China e de outros emergentes como protagonistas importantes no comércio internacional de manufaturas promoveu um forte movimento deflacionário.

Depois de forçar a barra para manter à tona o crescimento pós-crise, a China afoga-se no endividamento excessivo, na capacidade sobrante e tirita à beira da deflação. Os tecnocratas de Xi Ping desvalorizam o yuan e promovem a desvalorização em cadeia das moedas dos demais emergentes.

Atemorizadas diante das sobras de capacidade à escala global, as empresas das economias centrais cortam ainda mais os gastos de capital e, recorrendo ao endividamento, dedicam-se ferozmente à compra das próprias ações para, assim, saciar a cupidez dos acionistas. Os dividendos agradecem.

Emparedados entre a queda das receitas, a ampliação automática das despesas e oquantitative easing para socorrer os bancos moribundos, os governos dos “desenvolvidos” lutam contra os déficits fiscais e engordam as carteiras dos bancos quebrados com a dívida pública.  Os europeus acorrentam-se às políticas de austeridade fiscal.


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