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090416 ltChina - Esquerda Diário - O Left Voice (versão em inglês do Esquerda Diário) conversou com Stone Song e Ji Hengge, trotskistas chineses que traduziram e publicaram a primeira edição chinesa da “História do Trotskismo Norte-Americano”, de James P. Cannon.


1. Vocês publicaram “A História do Trotskismo Norte-Americano” de James P. Cannon. É a primeira vez que esse livro é publicado em chinês. Qual foi a motivação de vocês para traduzi-lo e publicá-lo na China? Quais lições a população chinesa pode tirar dele e que tipo de leitor vocês estão querendo atingir?

Stone Song: Dentre os trotskistas americanos e as figuras importante do movimento trotskista a nível mundial, James P. Cannon é um notável organizador e político. A maior contribuição de sua vida foi estabelecer um partido socialista revolucionário nos Estados Unidos, o coração do capitalismo mundial. O que A História do Trotskismo Norte-Americano discute é a história do início do trotskismo na América. Ele contém muitas lições úteis, incluindo princípios organizativos, questões programáticas, etc. Hoje na China uma nova geração de socialistas revolucionários está enfrentando a questão de construir algo próprio, algo de que carecemos e precisamos aprender de uma nova maneira, além de aprender pela história.

O livro é direcionado para jovens chineses progressistas para que eles possam entender as particularidades das organizações socialistas e como construí-las. Por exemplo, uma organização comum deve admitir a construção de frações internas, para permitir a democracia interna que permite a discussão entre opiniões divergentes; esse é o primeiro princípio para se estabelecer uma organização saudável.

Também se pode compreender nesse livro que para uma organização socialista as questões programáticas são centrais. Depois de elaborar um programa correto, é preciso decidir como colocá-lo em prática de acordo com as condições concretas.

2. Isso é parte de um projeto mais amplo? Que outras publicações vocês pretendem traduzir e/ou publicar e quando?

Stone Song: A tradução de A História do Trotskismo Norte-Americano é só o começo. Nós pretendemos traduzir outros textos canônicos da tradição do marxismo revolucionário, como por exemplo A Revolulção Espanhola, Em defesa do Marxismo, O Programa de Transição, todos do Trotsky, Escritos e Discursos Selecionados de James P. Cannon e outros. Essa seleção de livros é chamada “traduções completas do marxismo revolucionário”. Nós decidimos publicar de um a dois por ano, para introduzir esses trabalhos gradualmente.

Além de traduzir esses textos canônicos, estamos planejando abordar questões atuais (por exemplo, a situação atual da Grécia) publicando obras completas de discussões.

3. Quão difícil é encontrar obras do Trotsky na China continental? O revolucionário russo é conhecido lá?

Stone Song: Antes da revolução de 1949, para apresentar a primeira geração de trotskistas, os camaradas de Chen Duxiu (陳獨秀) traduziram alguns trabalhos do Trotsky. Nos anos 1960, durante os debates entre a China e a União Soviética, as autoridades do Partido Comunista Chinês organizou pessoas para traduzir A Revolução Traída e A Terceira Internacional Depois de Lênin, do Trotsky, e outras obras conhecidas como os “Livros Cinzas” que circularam internamente. Apenas quadros do governo e pesquisadores especializados tinham permissão para lê-los.

Com a instalação da internet nos anos 1990, veio o avanço na divulgação do trotskysmo. Os dois textos que eu mencionei antes podiam ser encontrados traduzidos e isso gerou um pouco de reflexão entre os jovens que passaram a acreditar no marxismo revolucionário. Hoje na China já não é mais proibido publicar as obras do Trotsky; obras publicadas abertamente incluem A História da Revolução Russa, A Luta Contra o Fascismo, Questão da Revolução Chinesa e outros. A obra com mais publicações é a “Minha Vida”. Esses livros são vendidos abertamente em livrarias e as pessoas podem facilmente comprá-los e lê-los.

Mas os trabalhos escritos por teóricos trotskistas, se fazem crítica aos períodos de Mao ou Deng, são censurados. Mesmo que publicados, os capítulos relevantes têm que ser retirados. Os exemplos mais claros disso são as traduções chinesas de Dinheiro e Poder: Uma Teoria Marxista da Burocracia, de Ernest Mandel, e Porque Marx Estava Certo, de Terry Eagleton.

Como consequência, depois de 1949, a política e a cultura chinesas se viraram em direção a – e tiveram uma relação histórica unilateral especial com – a União Soviética e as pessoas em geral são familiarizadas com os líderes da Revolução Russa. Elas sabem os nomes de Stalin, Lenin e Trotsky, mas absorveram as distorções históricas do stalinismo sobre a revolução e suas lideranças. A geração mais velha vê Trotsky como um revisionista oportunista e inimigo número um da revolução socialista. Após a desintegração da União Soviética, com a troca de informações e a publicação das obras do Trotsky, seu papel de liderança na Revolução Russa foi gradualmente compreendido sob uma nova visão pelas pessoas. Ao mesmo tempo, teóricos não filiados ao governo de Pequim, como Shi Yongqin (施用勤) e alguns trotskistas mais velhos em 1999 traduziram e publicaram abertamente a biografia de três volumes do Trotsky escrita por Isaac Deutscher. Para a nova geração de jovens, isso teve um efeito bastante amplo para sua compreensão da teoria de Trotsky e do marxismo revolucionário.

Mas os teóricos governistas menosprezaram a relevância do pensamento de Trotsky, por acreditarem que tanto ele quanto Stalin defenderam a superindustrialização e que, desta forma, mesmo que Trotsky tivesse vencido as batalhas internas do partido, não haveria muitas diferenças dele para Stalin. Ao invés disso, eles preferiam Bukharin, que defendia reformas no mercado.

4. Com a desaceleração da economia da China, as manifestações operárias têm crescido. Vocês sentem que o anseio por novas ideias, políticas mais combativas e/ou críticas do “comunismo Chinês” pela esquerda tem aumentado entre os trabalhadores?

Ji Hengge: Do declínio ao rápido crescimento da economia chinesa, ainda que haja um aumento do número dos protestos de trabalhadores, olhando para o movimento operário, ele ainda não é muito qualitativo. Até agora, as greves de trabalhadores têm focado nas pautas econômicas e não nas políticas. A consciência de classe ainda está se consolidando – não está ainda muito madura. Os trabalhadores que têm contato com o marxismo revolucionário são poucos, quase desprezível. Operários até criticam o Partido Comunista Chinês individualmente pela esquerda, mas em sua maioria é sob a perspectiva Maoista. Eles assimilam a informação ideológica do governo antes de 1978.

5. E os jovens na China hoje? Vocês veem um potencial de radicalização ou uma guinada a esquerda entre eles?

Ji Hengge: Até agora, a maioria dos chineses jovens não têm uma consciência política forte; os estudantes jovens ainda prestam mais atenção nos seus estudos, nas suas vidas individuais e no trabalho futuro. Mas até agora houve duas correntes de pensamento predominantes: o nacionalismo e o liberalismo. Para os jovens essas têm sido influências relativamente fortes, mas a influência do nacionalismo é maior, como se pode ver o secretário geral do Partido Comunista Chinês Xi Jinping particularmente fortalecer seu culto à personalidade e controle social e aumentando a força do nacionalismo.

Por outro lado, sobre o liberalismo, há mais demandas por mudanças sistêmicas. Seu projeto econômico é de privatização e marketing, que são desfavoráveis para os trabalhadores e camponeses. Mas politicamente a maioria das demandas liberais são depositadas nas autoridades e há oposição a mudanças radicas, ou seja, a mudanças revolucionárias do sistema (sequer uma revolução democrática capitalista).

Mas após a queda de Bo Xilai (薄熙來) em 2012, alguns jovens que antes apoiavam o maoismo de direita de Bo (essencialmente nacionalistas) se desiludiram; depois de refletirem, alguns desses jovens abandonaram suas posições nacionalistas e deram uma guinada mais a esquerda. Isso causou um crescimento no número de jovens radicais após alguns anos – mas fundamentalmente isso representa um crescimento em todas as matizes da ala esquerda do maoismo e as pessoas que acreditam no marxismo revolucionário ainda são marginais. No passado, as discussões de tópicos como socialismo eram postas junto com patriotismo e nacionalismo. Mas agora há cada vez mais jovens radicais que começam a perceber que a China foi uma sociedade capitalista por muito tempo e que os socialistas devem se opor a lógica nacionalista.

6. O governo tem reprimido os operários ativistas. Na visão de vocês, que capacidade isso tem de desencorajar os trabalhadores? Esse desenvolvimento aponta para a emergência de uma nova esquerda revolucionária na China?

Ji Hengge: Apesar das represálias por parte do governo sobre os organizadores das ONGs relativas a questão do trabalho estarem aumentando, isso não consegue derrubar as lutas dos trabalhadores chineses. Com a queda na economia, os trabalhadores perderam emprego, há mais casos de salários não pagos e além disso o seguro social dos chineses é bem baixo. A pressão dos capitalistas é bem profunda, incitando mais e mais trabalhadores a se mobilizarem e lutar para garantir suas necessidades econômicas mais fundamentais. O número total de protestos de trabalhadores previsto é de 1,5 a 2 vezes o de 2015, em que houve mais de 2944 protestos. Alguns trabalhadores no meio da luta batalharam para criar seus próprios sindicatos ou exigiram que os já existentes se apoiassem em princípios democráticos, porque até agora os operários chineses não conseguiram romper com o controle do sindicato oficial, o Federação Nacional dos Sindicatos Chineses, e não conseguiram estabelecer sindicatos independentes.

Agora, a extrema esquerda chinesa ainda é composta por pequenos grupos de pessoas que confiam em métodos individuais de organização (e mesmo dentre elas, a maioria é da ala esquerda maoista). As tarefas mais importantes são restritas a propaganda (e mesmo assim, você precisa ver muito cuidadoso: só se pode expressar opiniões políticas de forma rotunda). Falando mais precisamente, a maioria das pessoas da esquerda radical não pode se unir às lutas operárias e pouquíssimos dos trabalhadores que participam de greves e outros protestos têm tido contato com pessoas da esquerda radical.

Mas as crescentes lutas dos trabalhadores estão num processo de consolidação de um alicerce para aumentar a aliança entre essas lutas e a esquerda radical. O outro lado disso é que os operários chineses estão numa situação sem organização atualmente, mas pelo menos isso significa que eles não sofrem as restrições das burocracias sindicais. Ainda que os trabalhadores excluam o marxismo intencionalmente (porque na China marxismo é tido como a ideologia do governo ou do partido governista), eles já não acreditam nos liberais e não acreditam no governo, e creem que eles só podem confiar em suas próprias forças para realizar mudanças. Talvez no futuro isso possa se tornar a oportunidade de concretizar o salto dos trabalhadores chineses em desenvolvimento. Para que seja possível aproveitar essa oportunidade, é preciso haver marxistas revolucionários em larga escala no movimento operário que possam forjar sua consciência política, com habilidade para o trabalho de propaganda.

A tarefa mais importante para a nova geração de marxistas revolucionários na China é explicar claramente para as pessoas a diferença fundamental entre o caminho do socialismo e o socialismo burocrático do stalinismo/maoismo, para permitir que as pessoas entendam claramente a necessidade do socialismo e sua viabilidade, além do verdadeiro significado da democracia socialista.

7. A polêmica conhecida como “Um Partido, Duas Publicações” irrompeu em 2014. O debate começou quando o jornal teórico do partido, Qiushi (求是), expôs que a luta de classes ainda existe na China, uma colocação que foi terminantemente rejeitada pelo Study Times (學習時報), a editoração da Escola Central do Comitê Central do Partido Comunista da China. O que estava por trás dessa polêmica e quais foram as implicações dela?

Ji Hengge: Em relação a essa pergunta, eu preciso antes explicar. A teoria oficial do Partido Comunista Chinês é de que a polêmica central da China atualmente é “a contradição de que as pessoas têm aumentado gradualmente suas demandas culturais materiais enquanto a produção social fica para trás. Como resultado dos fatores internos e das influências externas, a luta de classes ainda está limitada no âmbito da existência a longo prazo e pode se radicalizar dependendo das condições, mas está não é a contradição central.” O Manuscrito da Bandeira Vermelha de Qiushi diz que “a luta de classes ainda existe na China”, mas então o Study Times publicou um artigo que diz, ao contrário, “De acordo com a luta de classes, determinar o programa” (isto é, levando em conta que a polêmica importante não é a luta de classes). Os dois não apresentam diferenças fundamentais – muito menos uma situação de “Um Partido, Duas Publicações”.

Mas falando mais comparativamente, o “Manuscrito da Bandeira Vermelha” enfatiza mais fortemente os valores tradicionais do Partido Comunista, esperando revitalizar o sistema ideológico do Partido, e o outro texto enfatiza o desejo de não se colocar a luta de classes como contradição central – para prevenir a ruptura da estabilidade da China atual e estabelecer a consolidação do mercado capitalista.

Fora isso, ainda é preciso enfatizar que a luta de classes impulsionada pelo Partido Comunista Chinês e a luta de classes impulsionada pelos comunistas não é a mesma. O partido coloca a luta de classes como a luta entre “o Partido Comunista/as pessoas e os inimigos” e “continuar andando na estrada para o socialismo com características chinesas e andar para o capitalismo multipartidário ocidental” como uma contradição (na verdade, durante a Revolução Cultural, o Partido Comunista afirmou que a luta de classes não era a luta de classes real e discutiu expulsar capitalistas e latifundiários internos e externos do partido, mas isso foi só um slogan para avançar em expurgos políticos). Mais claramente, a real contradição está entre apoiar o regime do Partido Comunista Chinês ou se opor a ele, o que não é a real contradição entre capitalistas e trabalhadores.

Fonte: http://leftvoice.org/Inheritance-and-Situation-Interview-with-New-Generation-of-Revolutionary-Marxists-in-China?var_mode=calcul

Traduzido por Mariana Galletti


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