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509px Norman finkelstein suffolkDiário Liberdade - Pelo seu interesse, recuperamos, com tradução de Alejandro Garcia para o Diário Liberdade, o texto que Noam Chomsky publicou em 2002 sob o título 'O destino de um intelectual honesto'.


Foto de Miguel de Icaza (CC by/sa 3.0) - Norman Finkelstein

O Destino de um Intelectual Honesto

Autor: Noam Chomsky

Tradução de Alejandro Garcia para o Diário Liberdade

Excerto de Understanding Power, The New Press, 2002, pp. 244-248

Vou contar-te um outro caso — e há muitos como este. Aqui está uma história que é realmente trágica. Quantos de vós conheceis Joan Peters, o livro de Joan Peters? Há uns anos atrás [1984] houve um best-seller com dez reedições, escrito por uma mulher de nome Joan Peters — ou pelo menos assinado por Joan Peters — com o título “From Time Immemorial.” Era um livro enorme com ar académico com imensas notas de rodapé, que tinha o intuito de mostrar que os palestinianos eram todos imigrantes recentes [i.e. nas zonas de assentamento judeu da antiga Palestina, durante o mandato britânico de 1920 a 1948]

E foi muito popular — teve literalmente centenas de críticas extasiantes e nenhuma crítica negativa: o Washington Post, o New York Times, estavam todos encantados com o livro. Aqui estava um livro que provava que não havia verdadeiramente palestinianos! Claro que a mensagem implícita era, se Israel os expulsasse a todos não haveria questão moral porque estes eram apenas imigrantes recentes, acabados de chegar, porque os judeus tinham criado o país. E, no livro, havia todo o tipo de análises demográficas e um grande professor [Philip M. hauser] de demografia da Universidade de Chicago autenticou-o.

Foi o grande sucesso intelectual de esse ano: Saul Bellow, Barbara Tuchman, estavam todos falar do livro como se fosse a melhor coisa desde a invenção do bolo de chocolate. Bom, um licenciado de Princeton, um rapaz chamado Norman Finkelstein, começou a ler o livro atentamente. Interessava-se pela história do sionismo e enquanto lia o livro começou a ficar surpreendido por alguma das coisas que este dizia. Ele é um aluno muito cuidadoso e começou a verificar as referências — e afinal era tudo um embuste era totalmente falso: provavelmente foi concebido por alguma serviço de inteligência ou algo parecido.

Bom, Finkelstein escreveu um pequeno documento com apenas as suas descobertas preliminares, tinha mais ou menos vinte e cinco páginas e enviou-o para umas trinta pessoas que estavam interessadas no assunto, académicos da área e por aí adiante, dizendo: “Aqui está o que eu encontrei em este livro, pensais que vale a pena prosseguir?”

Bom, ele obteve uma resposta, de mim. Eu disse-lhe, sim, é um tópico interessante, mas avisei-o, se prossegues vais-te meter em problemas — porque vais expor a comunidade intelectual norte-americana como um bando fraudulento e estes não vão gostar e vão-te destruir. Então eu disse: Se o queres fazer, vai em frente, mas consciencializa-te no que te vais meter. É uma questão importante, faz uma enorme diferença se eliminas a base moral para expulsar uma população — é a base preparatória para horrores reais — portanto muitas vidas poderão estar em risco. Mas também a tua vida está em risco, disse-lhe, a tua carreira vai ser arruinada.

Bom, ele não acreditou no que eu lhe disse. Após isto tornamo-nos bons amigos, não o conhecia antes. Ele avançou e escreveu um artigo e começou a enviá-lo a jornais. Nada: nem sequer se deram ao trabalho de responder. Finalmente consegui fazer publicar um excerto no In These Times, um pequeno jornal de esquerda de Illinois, onde alguns de vós o pode ter visto. Senão nada, nenhuma resposta. Entretanto os seus professores — falamos da Universidade de Princeton, que se supõe ser um lugar sério — pararam de falar com ele: não se reuniam com ele, não liam os seus trabalhos, basicamente teve que desistir do curso.

Por esta altura ele já estava ficar um pouco desesperado e perguntou-me o que fazer. Dei-lhe o que pensava ser um bom conselho, mas acabou por ser um mau conselho: sugeri-lhe que se mudasse para um departamento diferente, onde eu conhecia algumas pessoas e imaginava que pelo menos seria tratado decentemente. Acabei por estar errado. Ele mudou e quando chegou ao ponto de escrever a sua tese não conseguiu, literalmente, que a faculdade a lesse, não conseguiu que viessem à defesa da sua tese. Finalmente, por vergonha, deram-lhe o seu doutoramento [Ph.D.] — por acaso, ele é muito inteligente — mas não lhe escrevem uma carta a dizer que ele foi aluno na Universidade de Princeton. Às vezes tens alunos para quem é difícil escrever boas cartas de recomendação porque realmente não pensas que estes fossem muito bons — mas podes escrever algo, há maneiras de fazer estas coisas. Este rapaz era bom, mas não conseguia literalmente uma carta.

Vive agora em um pequeno apartamento algures na cidade de Nova Iorque, e trabalha em part-time fazendo trabalho social com adolescentes que desistem da escola. Um académico muito promissor — se tivesse feito o que lhe disseram, ele teria seguido e agora seria um professor em qualquer lado em uma grande universidade. Em vez de isso está a trabalhar em part-time com adolescentes problemáticos por uns poucos milhares de dólares por ano. É muito melhor que um esquadrão da morte — muito, muito melhor que um esquadrão da morte. Mas estas são as técnicas de controlo que temos.

Mas deixa-me continuar com a história de Joan Peters. Finkelstein é muito persistente: tirou o Verão de férias e sentou-se na Biblioteca Pública de Nova Iorque, onde seguiu cada uma das referências no livro — e encontrou um recorde de fraude que nem se pode acreditar. Bom, a comunidade intelectual de Nova Iorque é bastante pequena e rapidamente toda a gente soube disto, toda a gente soube que o livro era uma fraude e que iria ser exposto mais cedo ou mais tarde. A única revista que foi suficientemente esperta para reagir de forma inteligente foi a New York Review of Books — eles sabiam que a coisa era escandalosa mas o editor não queria ofender os seus amigos, então simplesmente não fizeram a crítica. Esta foi a única revista que não fez qualquer crítica.

Entretanto, Finkelstein estava a ser chamado pelos grandes professoras da área que lhe diziam, “ouve, pára com a tua cruzada; desiste e nós tomamos conta de ti, asseguraremos que tenhas um trabalho,” todo este tipo de coisas. Mas ele continuou — mais e mais. Sempre que havia uma crítica favorável, ele escreveria uma carta ao editor que nunca seria publicada; fazia tudo o que pudesse fazer. Abordamos os editores e perguntamos-lhes se iriam responder a alguma coisa e disseram-nos que não — e estavam certos. Por que haveriam de responder? Eles têm o sistema todo amordaçado, nunca haveria uma única crítica negativa sobre isto nos Estados Unidos. Mas cometeram um erro técnico: permitiram que o livro aparecesse em Inglaterra, onde não se consegue controlar a comunidade intelectual tão facilmente.

Bom, assim que eu ouvi que o livro seria editado em Inglaterra, enviei imediatamente cópias do trabalho de Finkelstein para um número de académicos e jornalistas britânicos que se interessam no Médio Oriente — e eles estavam preparados. Assim que o livro apareceu foi simplesmente demolido, completamente destroçado. Em todos os principais jornais, o Times Literary Supplement, o London Review, o Observer, todos tinham uma crítica a dizer que isto nem chegava ao nível de disparate, de idiotice. Devo dizer que a maior parte das críticas usaram o trabalho de Finkelstein sem o devido reconhecimento — mas as palavras mais simpáticas que disseram sobre o livro foi “risível” ou “absurdo.”

Bom, as pessoas aqui lêem as críticas britânicas — se estás na comunidade intelectual norte-americana lês o Times Literary Supplement e o London Review, e então começou a tornar-se um pouco embaraçoso. Começamos a ver recuos: pessoas começaram a dizer, “bom, repare, eu não disse que o livro era bom, simplesmente disse que era um tema interessante,” coisas assim. Em essa altura, a New York Review contorce-se e volta de novo à acção e fez aquilo que sempre faz nestas circunstâncias. Repara, há uma pricesso pelo qual se passa — se um livro é destroçado em Inglaterra, tens que reagir. E se é um livro sobre Israel, há uma maneira padrão de o fazer: arranjas um académico israelita para fazer uma crítica. Chama-se a isto cobrir as tuas costas — porque diga o que disser o académico israelita estás safo: ninguém pode acusar o jornal de anti-Semitismo, nada das coisas usuais funciona.

Então após o livro ter sido destroçado em Inglaterra, a New York Review designou para a missão de escrever uma crítica uma boa pessoa, de facto o principal especialista sobre o nacionalismo palestiniano [Yehoshua Porath], alguém que sabe muito sobre o assunto. E este escreveu uma crítica que não publicaram — esteve quase um ano sem esta ter sido publicada; ninguém sabia exactamente o que se estava a passar, mas pode-se adivinhar que deve ter havido muita pressão para que não fosse publicada. Finalmente foi mesmo escrito no New York Times que a crítica não seria publicada, mas por fim uma versão da crítica acabou por aparecer. Era uma crítica negativa, dizia que o livro era um disparate e por aí adiante, mas era abreviado, o tipo não disse o que sabia.

Na verdade os críticos israelitas em geral foram extremamente negativos: a reacção da imprensa israelita foi de que esperavam que o livro não fosse lido por muita gente, porque no fim acabaria por ser negativo para os judeus — mais cedo ou mais tarde seria exposto e depois seria visto como uma fraude ou um embuste e, consequentemente, iria reflectir negativamente em Israel. Eu diria que subestimaram a comunidade intelectual norte-americana.

De qualquer maneira, por esta altura a comunidade intelectual norte-americana apercebeu-se que o livro de Peters era uma vergonha e este acabou por, mais ou menos, desaparecer — ninguém fala mais do livro. Ainda o encontras em tabacarias no aeroporto e lugares assim, mas os melhores e os mais brilhantes sabem que já não é suposto que falem mais sobre o assunto: porque foi exposto e estes expostos.

Bom, o ponto é, o que aconteceu a Finkeltein é o tipo de coisas que pode acontecer quando és um crítico honesto — e podíamos seguir com caso após caso como esse.

[nota de editor: Finkelstein desde então publicou vários livros em editoras independentes.]

Todavia, nas universidades ou em outra qualquer instituição, consegues encontrar amiúde alguns dissidentes perto da clandestinidade — e estes conseguem sobreviver de uma maneira ou de outra, particularmente se conseguirem o apoio da comunidade. Mas se se tornam demasiado perturbadores ou difíceis de lidar — ou, tu sabes, demasiado efectivos — é bem provável que sejam expulsos.

O modo padrão, no entanto, é que estes não cheguem sequer a entrar nestas instituições, particularmente se já eram assim quando foram jovens — simplesmente são separados em algum ponto ao longo da linha. Portanto na maioria dos casos, as pessoas que conseguem passar pelas instituições e que são capazes de se manter em estas já interiorizaram o tipo certo de crenças: não é um problema para estas pessoas serem obedientes, estas já são obedientes, e é por essa razão que estão ali. E é basicamente assim como o sistema de controlo ideológico se perpetua nas escolas — penso que é a história básica de como funciona.


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