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170515 jaulaEsquerda Diário - [Gilson Dantas] A recente publicação do último livro de Michael Löwy (“A jaula de aço”, São Paulo: Boitempo Editorial, 2014), repõe uma importante questão pendente para o marxismo brasileiro, e mais em geral para o pensamento crítico no país: o acerto de contas com o pensamento de Max Weber.


M. Weber pode ser analisado de distintos ângulos e cada weberiano procura captar e prestigiar um ou outro aspecto da complexidade do seu pensamento. Em inúmeras cátedras universitárias é considerado como uma espécie de “pai da sociologia” e desde neoliberais como FHC a referenciais influentes da esquerda como Florestan Fernandes, Maurício Tragtenberg e Michael Lowy, reina nos departamentos ampla reverência àquele autor; cada novo estudante da área de sociologia e afins, ao menos aqui no Brasil, não escapa de estudar Weber como referência nos estudos sociológicos. Lowy, por sua vez, chega ao ponto de falar de “marxismo weberiano”, elogiando e auspiciando o desenvolvimento dessa vertente intelectual.

Por outro lado, ainda que sem a merecida visibilidade, vários autores já trataram de mostrar contradições e antinomias no pensamento de M Weber, na sua condição de “intelectual orgânico da burguesia”, mais ou menos como um Lenin é orgânico para a revolução proletária.

Antes de mais nada, devemos mencionar que existe um brilhante trabalho de E. Albamonte e C. Castillo que faz o contraponto entre Trotski e M Weber, particularmente sobre a natureza da democracia no nosso tempo e explicita os limites do pensamento ´liberal-imperialista´ de linhagem weberiana e, ao mesmo tempo, a força da concepção marxista revolucionária. Também temos que citar trabalho notável de Edison Urbano, que em recente tese de mestrado também desvelou Weber na política, em contraponto com Trotski, nos marcos da I Guerra. Por outro lado, Lukács já efetuou crítica frontal a Weber em A destruição da razão. É bem interessante também a vigorosa desconstrução de I Mészàros em relação ao pensamento de M Weber.

Não são críticas que a universidade dê destaque, ao menos assim tem sido nas várias décadas conservadoras. Tanto que muito pouco se menciona a aversão quase escatológica de M Weber a Rosa Luxemburgo e a Karl Liebknecht, grandes líderes marxistas da revolução alemã de 1919 (para Weber, Liebknecht, “pertence ao manicômio e Rosa Luxemburgo ao zoológico”, nas palavras de A Callinicos citando Mommsem). Coerente com seu anti-socialismo, e nacionalista exacerbado, Weber foi contra a revolução alemã do seu tempo e também contra a Revolução Russa. . 
Em todo caso, não é objetivo desta nota trabalhar o pensamento politicamente reacionário de M Weber; embora este seu perfil deva ser retirado da sombra em que costuma ficar nas universidades brasileiras.

Por sua ambivalência sofisticada e erudita, Weber é qualificado por Mészàros, como um intelectual adaptável a “todas as estações”, sem abandonar, naturalmente, seu eixo conservador. Mészàros, depois de examinar, com competência a concepção de “tipo ideal” de Weber, conclui que este era um “mestre sem rival nas definições circulares”; indeterminadas, diríamos.

Lado a lado com sua ambivalência, temos seu pessimismo; na sua perspectiva a história é um processo de “desencantamento” no qual a humanidade decai inexoravelmente.

Sendo crítico do seu tempo, ele, contraditoriamente, defende a natureza “racional/racionalizadora” da sociedade moderna (capitalista). A miséria que percebe, na cultura e nas instituições, é entendida como um desvio em relação àquela racionalidade estrutural. Tudo ao contrário do diagnóstico, por exemplo, de um Lukács.

Weber pensa o capitalismo de forma idealizada: o trabalho humano está ausente na sua visão de mundo elitista; o trabalho apropriado pelo capitalista não é um tema para ele, as crises determinadas objetivamente pelo funcionamento “normal” do capital idem, e seu sistema societário seria estruturalmente eterno. Ele absolve, como demonstra Mészàros, a exploração do trabalho pelo capital; e “institui” um capitalismo que opera em chave racional. Com essa abordagem empobrecedora da realidade em relação ao que seja o capitalismo, ele obviamente não pode ficar mais do que “desencantado”.

Na esfera propriamente política, qualquer estudioso de Weber terá contato com suas tendências bonapartistas, nacionalistas (imperialistas), sabe que ele foi um quadro de confiança do império alemão e negociador de governo nas tratativas de Versalhes após a Guerra. Ora, todos esses elementos e mais seu modelo de pensamento sociológico apontam para o obvio: não tinha qualquer projeto histórico de mudança de rumos da sociedade.

Ora, se o intelectual constrói modelos da realidade onde não entra a determinação estrutural e fica de fora o antagonismo de classe, e no qual nenhuma atenção séria é dada ao fato de que a classe/minoria dominante politicamente vive do trabalho da outra (apropriado gratuitamente: vide O capital), e onde uma crise econômica não é previsível no seu modelo e que, por fim, vê como anomalia as greves e tentativas dos explorados de romperem seus grilhões (um “carnaval sangrento” para ele), como poderá ser otimista ou esperançoso vivendo a época convulsiva que viveu? Como não poderá – com a rica percepção de Weber – ser pessimista em tempos onde seu sistema revela francamente sinais de crise, de barbárie (I Guerra) mas também de revoluções sociais e emergência de lutas operárias (que ele detestava)?

A verdade é que sua visão de mundo padece de uma incurável tensão interna. Alex Callinicos, que debate com a “concepção idealista da história” de Weber, formula interessante ideia-síntese, que integra todos esses elementos, isto é, não apenas o pessimismo histórico e social de M Weber, como também a fragilidade do seu pensamento, por mais complexo e denso que seja e por mais riqueza e nuances que carregue: o pensamento de Weber “dá a impressão de ser tão atravessado por conflitos irreconciliáveis que, qualquer pressão que seja exercida sobre ele, pode levá-lo a explodir em mil fragmentos. A ambiguidade da herança intelectual de Weber é consequência das contradições que definem seus mais básicos conceitos”.

É lógico, portanto, que dessa jaula seu pensamento não tenha como escapar.
Pelo mesmo motivo, não parece sensato querer oferecer uma mediação entre a perspectiva emancipatória do marxismo, e a “jaula”, como nos propõe Michael Löwy.

Referências: Un contrapunto entre Trotsky y Weber, E Albamonte e C Castillo, O poder da ideologia, I Mészàros. Social theory, Alex Callinicos, Guerra e revolução em Weber e Trotsky, Edison Urbano.


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