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534716Palestina - Diário Liberdade - [Maurício Campos] Diante do horror que desfila todo dia à nossa frente nesse mais recente ataque de Israel a Gaza, existe um documentário de um diretor israelense que devemos assistir obrigatoriamente para tentarmos entender algo da lógica por trás da carnificina. 


"The Gatekeepers", aqui no Brasil "Os Guardiões". Foi indicado ao Oscar de melhor longa documentário no ano passado (surpreendentemente, diante do lobby pró-Israel tão potente em Hollywood), não levou, e parece-me que não entrou em circuito aqui no Brasil, mas pode ser visto sem grande dificuldade nos canais de TV por assinatura. Aproveitemos, pois tudo indica que existe uma conspiração de silêncio contra o documentário, cujas revelações e implicações são no mínimo perturbadoras para Israel.

O filme estrutura-se totalmente em torno dos depoimentos de ex-chefes do Shin Bet, o serviço de inteligência israelense que faz no país (e nos territórios palestinos ocupados) o mesmo serviço que o Mossad no exterior. Após a Guerra dos 6 Dias em 1967, quando o que restava da Palestina foi ocupada, dedicou-se a vigiar, monitorar, prevenir e combater algo que ainda nem existia ainda, ou seja, o chamado "terrorismo" árabe-palestino.

Na verdade, o que vai ficando cada vez mais evidente ao longo do filme é que foi o "anti-terrorismo" que criou o "terrorismo", e não o contrário. A eficiência do Shin Bet e do resto do aparato militar/policial israelense produziu inclusive algo estranho ao islamismo, os atentados suicidas. Suicidas, no Islã tanto quanto para cristãos e judeus, tem suas almas condenadas ao inferno; e mártires para os muçulmanos sempre foram aqueles perseguidos e mortos por defender sua fé, nunca suicidas. A eficiência da opressão de Israel, o experimento mais avançado de controle militar de uma população subjugada no mundo inteiro, com quem todas as forças ocupantes e Estados aterrorizadores do planeta procuram aprender (as polícias brasileiras, por exemplo), foi não obstante incapaz de evitar uma espiral de reações que explica a profunda frustração e desalento das palavras dos veteranos do Shin Bet.

De fato, embora os velhos militares se mostrem orgulhosos de suas proezas e seus esforços, o melhor do filme é a admirável franqueza crítica deles. Nada de propaganda, nada de tergiversação, só a linguagem fria e técnica de especialistas. Como eles dizem, no seu trabalho só existem táticas, nada de estratégias (estas deveriam caber aos políticos) e nem um pingo de moralidade. Na apreciação técnica dos resultados a longo prazo, contudo, a frustração e a confusão abrem largas brechas para valiosas reflexões morais e políticas.

Porque tanta franqueza? Uma explicação pode ser um certo traço de militares israelenses que um dos entrevistados descreve assim: "quando nos aposentamos, nos tornamos um pouco de esquerda". Seria uma característica bem oposta a de certos homens do establishment no Brasil, que costumam brincar que "todos já fomos de esquerda na juventude". Na realidade, a franqueza dos antigos chefes do Shin Bet parece vir totalmente da angústia compartilhada por todos eles diante do fracasso cíclico da crescente sofisticação de seus métodos. Por mais eficientes que pareçam ser, a realidade opressiva da ocupação e da resistência gera fatores novos contra os quais nada podem fazer: os atentados suicidas, as Intifadas, e até os perturbadores episódios de "fogo amigo", como foi o assassinato de Yitzhak Rabin por um jovem israelense. Em cada irrupção do inesperado, o jogo é zerado e eles confessam aturdidos que têm que começar tudo de novo. E com perspectivas de sucesso cada vez mais reduzidas, reconhecem.

"Sucesso" seria manter submetidos os territórios ocupados e avançar a colonização judaica nos mesmos com tranqüilidade e o mínimo de risco para a população de Israel. Não está sendo assim. Israel teve que abrir mão em 2005 da presença militar e dos colonos em Gaza, e a situação na Cisjordânia não está nada tranqüila. Num dos muitos momentos de surpreendente sinceridade, um dos aposentados, mesmo falando com orgulho de seu exército, compara-o em brutalidade às forças da Alemanha nazista nas terras ocupadas da Europa Oriental durante a 2a Guerra Mundial! O militar faz questão de frisar que não se refere ao tratamento que os nazistas deram aos judeus, mas sim a povos como os poloneses, russos, ucranianos, etc. Porque aos judeus coube, como se sabe, algo ainda mais sinistro, a "solução final".

Entretanto, diante dos impasses e fracassos da ocupação colonial, será que em setores do poder em Israel uma versão da "solução final" para os palestinos não estaria sendo imaginada e testada? Desde a imposição do bloqueio assassino a Gaza há oito anos, passando pelo nível crescente de atrocidades nos ataques de 2008-2009 (Operação Chumbo Fundido), 2012 (Operação Pilar Defensivo) e atual (Operação Margem Protetora), muita coisa aponta nesse sentido. Mas isso seria um caminho para o "sucesso" frustrado até hoje? Lembremos que a "Solução Final" dos nazistas para o "problema judeu" não foi um cálculo sereno de uma potência vencedora. Foi uma atitude demente do poder nazista que já sentia a vitória escapar nos impasses das frentes oriental e africana.

Seja como for, a última guerra colonial da história moderna também está sendo um paradigma dos novos tipos de guerra da "pós-modernidade": guerras assimétricas, guerras preventivas, guerras urbanas, guerras de baixa intensidade, etc. Sendo assim, as memórias dos veteranos do Shin Bet podem nos contar mais do futuro que do passado.

Em tempo: o título desse texto é uma citação quase literal da última frase do filme.

Agosto de 2014.


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