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130215 ttipUnião Europeia - Jornal Mapa - [Granado da Silva e Ana Rute Vila] A Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimento (PTCI), no original em Inglês"Transatlantic Trade and Investment Partnership" (TTIP), é um acordo bilateral entre os EUA e a UE.


Na prática é mais um BIT (Bilateral Investement Treaty – Tratado de investimento bilateral) proposto pelos EUA com o objectivo de fortalecer a política de globalização e integração económica corrente, dentro da estratégia delineada pela Organização Mundial de Comércio – que por sua vez mais não é do que uma instituição criada para promover os interesses do poder económico, americano e global. Para além dos habituais discursos de circunstância afirmando a necessidade e justeza da iniciativa, pelo seu alcance e potencial impacto, para a Europa e para o mundo em geral – a Europa representa quase um terço da riqueza global e um acordo desta natureza teria consequências à escala mundial – este acordo representa potencialmente o maior e mais perigoso esforço de reconfiguração socioeconómica, à escala planetária, e da história da humanidade. O acordo será assinado à revelia dos habitantes de cada Estado, graças ao poder da União Europeia para negociar em nome dos seus membros, conferido no contexto do tratado de Lisboa assinado em 2007. O acordo já havia sido apresentado em 2013 durante a reunião do então G8, grupo que reúne os países mais industrializados e economicamente desenvolvidos do mundo, como formula para combater a crise económica mundial. Se for ratificado, prevê-se que possa entrar em vigor em 2015, favorecendo de forma descomunal interesses corporativos e capitalistas globais.

O primeiro ponto a ter em conta é a harmonização legislativa entre a Europa e os EUA com o objectivo de reduzir os impostos aduaneiros, facilitando a entrada na Europa de produtos importados dos EUA e Canadá. Consequentemente, esta “harmonização” vai piorar a situação dos comerciantes e agricultores locais que veem diminuir ainda mais as suas possibilidades de competir num mercado cada vez mais feito para as grandes empresas. Como exemplo deste tipo de acordos podemos olhar para o já existente Acordo de Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos entre Portugal-China que visa potenciar a entrada de produtos fabricados na China, oferecendo benefícios fiscais e por exemplo o uso de “Golden Visa cards”, (vistos dourados) para pagar a sua entrada no país.

O acordo prevê também medidas de protecção do investimento privado através de Mecanismos de Resolução de Conflitos Resultantes de Relações de Investimento – no original Inglês Investor-State Dispute Settlements (ISDS) – que, de forma gravosa, oferecem a possibilidade às corporações de processarem um Estado por perdas resultantes das políticas desse mesmo Estado. O processo é decidido por um painel ad hoc de advogados especializados em direito comercial internacional que avalia o caso com base nos acordos estabelecidos e nas convenções do direito comercial internacional independentemente de quaisquer questões de justiça social ou interesse comum que o mesmo possa levantar. Como exemplos recentes de processos decorrentes de mecanismos dessa natureza, existentes no âmbito de acordos bilaterais entre dois Estados, podemos citar dois casos esclarecedores. O primeiro opõe uma empresa sueca, a Vattenfall, que reclama biliões em perdas ao governo alemão na sequência da decisão descontinuar o programa de produção de energia nuclear após o desastre de Fukushima e o segundo a multinacional americana Philip Morris, que exige uma indemnização ao governo uruguaio pela passagem de legislação anti-tabagista.

Para além do já referido, o tratado transatlântico incide sobre variadas matérias e questões, todas elas essenciais para as políticas económicas, ambientais e sociais da Europa.

ORGANISMOS GENÉTICAMENTE MODIFICADOS

Actualmente o uso de “Organismos Geneticamente Modificados” (OGM) está fortemente regulamentado na Europa. Apesar disso, o intenso lobbying por parte das corporações do sector  agro-alimentar,  apoiado pelo governo dos EUA, têm levado ao aumento de plantações destes organismos, mesmo em países que os proíbem formalmente. Em 2011 foram plantados cerca de 120.000 hectares de OGM na Europa, sendo a Espanha o país líder, seguido por Portugal. No entanto países como França e Alemanha, (assim como a Grécia, Bulgária, Áustria, Itália, Hungria, Luxemburgo e Polónia), proibiram o uso de OGM, utilizando a chamada “cláusula de salvaguarda”, justificando os males dos OGM para os seres humanos e ambiente. A Alemanha, mesmo com a proibição formal, em 2011 plantou 2 hectares de Batata “Amflora” (OGM). O TTIP fará com que estes valores sejam amplamente ultrapassados.

Da mesma forma, o uso de hormonas como a Somatotropina Bovina Recombinante na criação de bovinos e a Ractopamina na de suínos, bem como a lavagem das carnes com dióxido de cloro são actualmente proibidas. No quadro do novo tratado essa leis serão “ajustadas”, permitindo a introdução na UE desses produtos, já intensamente usados nos EUA. No caso dos OGM, o acordo estenderá a passadeira vermelha a gigantes do sector como a Monsanto ou a Syngenta até ao Alqueva, onde se prevê a plantação de milhares de hectares de produtos transgénicos.

À luz do acordo, a directiva comunitária de Energias Renováveis (RED), que impede que o Bio-Etanol (extraído a partir de milho e soja transgénicos) receba benefícios fiscais ou subsídios europeus, poderá ser derrubada, enfraquecendo o combate global à produção de Bio-combustiveis.

Em Portugal, empresas da indústria da produção de papel como a Portucel esperam o fim dos entraves aos OGM, para apostar em variantes transgénicas de árvores, como o Eucalipto, como as desenvolvidas pela FuturaGene/Suzano. No Brasil esta empresa tem feito pressão para a aprovação do eucalipto transgénico. Se o Brasil acompanhar os EUA na aprovação dos OGM, o continente Africano, a América Latina e a Ásia serão inundados com estas novas árvores. As ramificações e consequências da aprovação do tratado serão sentidas à escala global.

ENERGIA

No caso da energia, o acordo destruirá todos os esforços – ténues que sejam –  levados a cabo por governos Europeus no combate às Alterações Climáticas. Especificamente, ao tornar o combustível obtido a partir do crude resultante da extracção de areias betuminosas (processo extremamente poluente, o Tar sand oil, é definido como crude “não convencional) no Canadá e o uso da técnica de fractura hidráulica (Hydraulic fracturing ou fracking, técnica altamente danosa através do qual se extrai gás de maciços de xisto argiloso) aceites na UE – permitindo a sua comercialização na Europa e assim fomentando o uso e desenvolvimento generalizados destas técnicas e tecnologias – deita-se por terra qualquer esperança de impor ou desenvolver o trabalho iniciado com os acordos de Quioto sobre as políticas energéticas dos Estados Membros.

No caso concreto das areias betuminosas, a sua extracção no Canadá bem como a construção de uma super rede de tubagem nos EUA para transportar o crude, têm enfrentado uma grande resistência por parte das populações locais, mas também de cientistas, políticos, ambientalistas e activistas por todo o mundo. Ao mesmo tempo, empresas americanas e canadianas do sector, e o próprio governo Canadiano têm feito um enorme esforço de lobbying na Europa para remover entraves à sua aceitação, exercendo pressão para a passagem de legislação europeia que assim o permita.

Parte do argumento legal que poderá ditar que combustível derivado de areias betuminosas não possa ser comercializadas na UE prende-se com o seu enquadramento na Directiva de Qualidade de Combustível de Transportes que, no seu artigo 7º, obriga a que fornecedores de combustível para transportes contribuam em 6% para a redução de emissões de gases de efeito de estufa (GEE) até 2020. Esta directiva faz parte dos critérios de sustentabilidade da UE, com vista a reduzir a emissão destes gases. Com a aprovação do acordo o alcance ou relevância desta directiva e de mais legislação semelhante estará irremediavelmente ameaçada. Para as petrolíferas e as empresas dos combustíveis não-convencionais o acordo será portanto uma enorme benesse com consequências desastrosas para o ambiente.

Mesmo sem o acordo assinado, passos têm sido dados para trazer estes combustíveis para a Europa o que prova que ele é, neste caso específico, apenas a confirmação de uma tendência que já se verifica. Em Junho deste ano teve lugar a primeira descarga de petróleo derivado das areias betuminosas canadianas, no porto de Bilbao, no País Basco. Com a entrada em vigor do TTIP, sem dúvida também Portugal irá receber este petróleo e serão retomadas as explorações de gás de xisto entretanto abandonadas.

Faculdades, como o Instituto Superior Técnico, trabalham juntamente com petrolíferas americanas, realizando investigação sobre a extracção de gás de xisto e petróleo não-convencional. A empresa Partex Oil and Gas – que pertence integralmente à Fundação Calouste Gulbenkian – tem como presidente um professor do IST, instituição de onde têm saído inúmeras teses de doutoramento relacionadas com o interesse financeiro da Partex Oil and Gas e das petrolíferas americanas interessadas no gás e petróleo no território português. O IST tem sido um grande aliado nos estudos técnicos para extracção de Xisto Betuminoso (Oil Shale) em Portugal.

Em termos de infraestrutura, os portos de Sines e de Matosinhos têm sido preparados para receber mais cargas de super-petroleiros e metaneiros. Em Abril deste ano o terminal de Gás Natural Liquefeito de Sines, recebeu pela primeira vez, pela mão da REN Atlântico, um navio metaneiro de ultima geração, do tipo Q-Flex. A operação só foi possível devido ao projecto de expansão do porto, neste caso a ampliação dos reservatórios, que tem como objectivo aumentar a capacidade de armazenamento de gás e petróleo. Estes são apenas alguns exemplos de transformações que têm sido feitas de forma a integrar as novas tecnologias e fontes de combustível nas infraestruturas energéticas de Portugal e da Europa. Nesta dinâmica está também inserido o aumento dos reservatórios de gás na estação de Carriço, Concelho de Pombal, propriedade da REN e da GALP Energia. São ainda de referir os estudos para captura e armazenamento de CO2 requeridos pela Tejo Energia em 2009 – realizados conjuntamente com a Universidade de Évora e o Laboratório Nacional de Energia e Geologia, a que deram o nome de projecto KTEJO, na Central Termoelétrica do Pego – financiados pelo erário público para mais tarde servir interesses privados.

O processo que levará à aprovação do TTIP assemelha-se, em muitos aspectos, ao Plano Marshall, o Programa de Recuperação Europeia apresentado pelos EUA e que, no rescaldo da 2ª Guerra Mundial, serviu para reconstruir e recuperar economicamente os Países Aliados, ao mesmo tempo cimentando a sua dependência e subserviência aos interesses estratégicos Americanos.

SAÚDE

Em 2012, Paulo Portas, falando ao congresso americano, afirmou que “existem diferenças entre Portugal e outros países em crise financeira” e sublinhou a “determinação do governo português em cumprir as regras”. Em 2011 Cavaco Silva foi recebido por Barack Obama na Casa Branca, onde numa declaração conjunta se afirmou: “estamos determinados em aprofundar ainda mais o nosso relacionamento, discutimos formas de maximizar o trabalho da Comissão Bilateral Permanente entre Portugal e os EUA, que promove a cooperação em áreas tão diversas como defesa e a segurança, a educação, os intercâmbios de ciência e tecnologia, a revitalização económica, justiça, assuntos internos, e o desenvolvimento dos Açores. Também notámos que nos últimos anos, as parcerias entre Universidades portuguesas e americanas têm desenvolvido a pesquisa avançada em áreas como a engenharia, as tecnologias de informação e a medicina, e comprometemo-nos a promover estes relacionamentos no futuro”.

As corporações portuguesas têm já acordos bilaterais com corporações e universidades americanas. A LIlly Portugal, corporação farmacêutica americana, está em Portugal a vender os seus produtos ao mesmo tempo que realiza campanhas com a Sociedade Portuguesa de Diabetologia. Num contexto em que o livre acesso a cuidados de saúde se torna, pelos custos inerentes, impeditivo para um número crescente de portugueses, é certo que através do TTIP a situação irá piorar. A privatização da saúde, através do Sistema Único de Saúde (SUS), é um dos objectivos explícitos do documento, seguindo o exemplo americano onde o modelo é essencialmente privado e deixa milhões sem acesso a cuidados de saúde.

CLÁUSULA MODO 4

Uma das principais interessadas no acordo é, por exemplo, a multinacional agro-alimentar Monsanto. Entre outras vantagens, passará a poder defender os seus “interesses e empreendimentos” agrícolas em Portugal tal como já acontece noutros locais do mundo, recorrendo a empresas de segurança privada como a Academi (antiga BlackWater) que emprega mercenários e protege as suas explorações pelo mundo fora. Dentro da cláusula “Modo 4”do acordo, é permitida a circulação livre de trabalhadores temporários através das fronteiras. Isto é, permite que uma corporação estrangeira que venha a Portugal realizar trabalhos por uma semana ou um mês traga consigo trabalhadores não registados no País. A cláusula não se fica por aqui, pois permite também que empresas subsidiárias de países terceiros estabelecidas nos Estados parceiros, ou empresas de fora dos EUA e da UE, mas estabelecidas num Estado membro, possam fornecer trabalhadores. Foi precisamente isso que a Mohave Oil and Gas fez este ano em Portugal. Para os trabalhos de perfuração do poço de gás natural em Alcobaça, trouxe cerca de 50 trabalhadores de várias nacionalidades e de vários pontos do mundo, para trabalho temporário, já que em Portugal não existem trabalhadores classificados. Com o TTIP, este tipo de movimentações é normalizada, significando isto que se possam empregar trabalhadores sem sujeição à legislação laboral dos locais de destino, dando carta-branca a empresas dos mais variados sectores (com especial incidência no agrícola) para gerirem a sua força de trabalho à margem de leis nacionais e tenham uma autêntica via verde para se deslocarem. Nesta lógica temos por exemplo os empregados sazonais, trazidos por multinacionais para trabalhar na agricultura, em condições de “semi” ou real escravatura, como acontece nos Olivais irrigados pelo Alqueva.

PROPRIEDADE INTELECTUAL

O acordo poderá ter também o condão de tornar qualquer cidadão num potencial ladrão, ou pirata, culpado de plágio ou violação de direito de propriedade intelectual por, por exemplo, copiar e utilizar conteúdos da internet, de discos ou Cd’s, no processo legitimando a criação de uma rede de vigilância violadora dos mais elementares princípios de privacidade e liberdade de expressão. Pode-se tomar como exemplo mediático o caso de Kim Schmitz, fundador do site de partilha de ficheiros Megaupload, detido na Nova Zelândia por violação de direito de propriedade intelectual, devido à lei americana conhecida como ACTA (Anti-Counterfeiting Trade Agreement). Os EUA pressionam para que exista no TTIP, um capítulo sobre a propriedade intelectual, que proteja empresas da pirataria, o que estimularia o crescimento económico e nesse sentido querem inserir as estipulações da ACTA – que foi rejeitada pela UE em 2012, por violar o direito à privacidade e liberdade de expressão dos cidadãos europeus – no TTIP. Em última análise, se for ratificado, o acordo transformará os servidores da internet em polícias, ao serviço dos grandes interesses privados, já que estes poderão vigiar o conteúdo e actividade dos seus clientes.

LIBERALIZAÇÃO DO MERCADO

O acordo irá também afectar o sistema financeiro promovendo uma ainda maior “liberalização” (traduzida em mais desregulação e maior opacidade) do sector bancário e finança.

Casos como o do BES, um banco “too big to fail”, (“demasiado importante para deixar” cair em tradução livre) serão consequentemente mais prováveis e ainda mais difíceis de evitar, já que as mudanças exigidas pelo acordo vêm enfraquecer a capacidade reguladora, de vigilância e intervenção do Estado nomeadamente pela remoção ou alteração de leis que actualmente ainda oferecem alguma protecção aos cidadãos.

Isto vem ao encontro do que já acontece. Com o Reino Unido à cabeça, a UE promove maior liberalização no mercado e dos serviços financeiros, através da remoção de leis nacionais que  actuem como um entrave ao crescimento de lucros, à revelia do interesse e direitos das populações. Com este acordo a liberalização dos mercados decorrente na UE não só continuará a avançar, como será radicalmente acelerada. Causa directa do acordo será inevitavelmente o aumento da impunidade e inimputabilidade, jurídica e real, dos bancos e agentes económicos em relação à legislação nacional. Isso será possível, por exemplo, criando regras que condicionam ou anulam a aplicação dos regulamentos financeiros nacionais, favorecendo o fluxo de operações financeiras e movimento de capital através e para além da esfera atlântica, o que abrirá aos bancos “too-big-to-fail” o caminho para o “Business as usual”.

Tudo isto levará a que quantias astronómicas de dinheiro circulem livremente, sem controlo, pelo Atlântico e dele para o sistema global, já que os mecanismos de controlo existentes neste momento sobre transacções, bens, serviços, royalties e dividendos, serão condicionados na sua actuação ou em alguns casos deixarão simplesmente de existir de forma efectiva. O fluxo de capitais para paraísos fiscais ficará de vez fora do alcance da lei. Foi este processo, (que o acordo acelerará), que, em última análise, levou a Grécia a ser obrigada a hipotecar o seu futuro para pagar aos seus credores: os próprios Bancos que promoveram a sua ruína. Portugal e Espanha também já foram processados por privados no caso da falência da Afinsa (Espanha) e do Fórum Filatélico (Portugal), no qual milhares de investidores terão sido burlados. A receita de desregulação apresentada no acordo, modelada como é na experiência e características do sector financeiro americano, é, como consequência, semelhante à que nos trouxe a crise financeira global de 2008, despoletada pela falência do banco americano Lehman Brothers.
Essencialmente, o acordo visa enfraquecer os mecanismos de protecção e regulação dos estados em favor do capital e corporações, vender ou hipotecar o património comum e empresas públicas, levando nesse processo, o pouco que ainda resta de serviços públicos (Águas de Portugal e Energias), da saúde e protecção social anulando todos os direitos que lhe são inerentes. Será a normalização da corrupção, dos negócios duvidosos e prácticas comerciais e económicas injustas em detrimento das condições sociais no geral.

Para se ter uma ideia do impacto futuro do TTIP basta olhar para os efeitos do acordo NAFTA (acordo tripartido entre os EUA, o México e o Canadá: um processo semelhante, mas menos ambicioso) nos países que o ratificaram. Começando mais a norte, temos a destruição de boa parte do tecido industrial americano (e de muitas comunidades que dele dependiam), deslocalizado inicialmente para o México e depois para regiões com condições salariais e laborais ainda mais vantajosas (como a Ásia). O congelamento ou diminuição de salários, a perda de poder de compra, o aumento da pobreza e desigualdade e claro, o colapso parcial ou total das instituições públicas perante o poder das corporações. Muitos destes sintomas foram partilhados pelo Canadá mas os efeitos mais dramáticos foram sentidos a Sul, no México. Para um país mais frágil, o acordo trouxe a devastação do pequeno comércio e agricultura mexicanos, com um violento aumento da pobreza extrema e fome e consequentes vagas de emigração de milhões de mexicanos (para os EUA predominantemente) enquanto privatizações a preço de saldo consumiam a insuficiente rede de protecção social e o património público. Isto por sua vez permitiu a expansão desmesurada do poder dos cartéis, (que por estes dias enchem páginas e ecrãs), cujas fileiras engrossaram à custa do desespero de tantos e que, impulsionados pelo implodir das instituições e graças à famosa “War on drugs” (Guerra às drogas) americana – que injectou desde então no México biliões de dólares (do contribuinte americano) em subsídios e equipamento que acabaram divididos entre elites corruptas e cartéis – se transformaram em autênticos Estados dentro do Estado.

No pólo oposto, a 1 de Janeiro de 1994, no próprio dia em que entrou em efeito o NAFTA, o EZLN (Ejército Zapatista de Liberación Nacional) em resposta ao acordo, declarou guerra ao Estado Mexicano em defesa dos direitos e interesse das populações, contra o que consideravam ser um governo ilegítimo que não mais os representava, dando início a uma experiência de revolta comunitária que dura até hoje.
É esta, sinteticamente, a herança da NAFTA. Resta dizer que genericamente, nos três países signatários, os milionários tornaram-se bilionários e as fileiras dos mais pobres não mais pararam de engrossar. Podemos desta experiência e do que já vai acontecendo, inferir algo acerca do que se passará na Europa caso o TTIP avance. A UE, através da directriz (2011/0437 (COD)), prepara a privatização das águas na Europa. Uma possível visão daquilo que poderá acontecer é-nos dada pelo caso de Paços de Ferreira, onde o preço da água subiu 400%. (Este e outros casos podem ser seguidos em aguadetodos.com).

EM OPOSIÇÂO

Em Portugal a plataforma Não ao Tratado Transatlântico (www.nao-ao-ttip.pt) acompanha as movimentações políticas e corporativas sobre o acordo Transatlântico.

No passado dia 11 de Outubro uma acção a nível europeu teve lugar juntando diversos grupos da sociedade civil, sindicatos, agricultores e activistas com o objectivo de parar as negociações do acordo. Nesse mesmo dia assinalava-se o dia internacional contra o fracking. As acções espalharam-se por toda a Europa. Em Portugal a Plataforma Não ao TTIP organizou uma acção inserida no evento internacional no Rossio, Lisboa. Alem desse encontro a plataforma têm mantido regularmente  acções de informação e sensibilização.

O TTIP e as suas implicações levantam muitas questões sobre o futuro dos Europeus e do mundo. Existe, no entanto, uma delas, porventura a essencial, que, por trazer mais questões ainda, é de difícil trato. A extrema comercialização de todos os aspectos da vida social e individual, que o pacote de medidas acarreta é, de facto, um passo muito concreto para a instauração cada vez mais coerente de uma nova ordem que canibaliza o todo social como modelo de negócio. Modelo esse que é em última análise partilhado por toda e qualquer grande empresa neste mundo.

No entanto, o modelo puramente Estatal e regulado (visto de qualquer ponto do espectro político) não pode ser a única proposta que se lhe oporá. Os diferentes Estados na Europa funcionam hoje como extensões e instrumentos das corporações formando uma grande corporação hegemónica, que, como se de uma grande empresa se tratasse, coloca em posições estratégicas, espalhadas nas suas sucursais, os representantes do grande poder económico.

O maior problema colocado por este tratado é que ele representa um rápido e decisivo passo para a perda formal e efectiva do poder, da independência local e autonomia das populações. De facto, se pouco poder de decisão temos hoje sobre como é governada a Saúde, sobre o nosso modelo de desenvolvimento económico, energético e de produção alimentar, o tratado vem formalizar e acelerar essa tendência que, sob a alçada das políticas estatais, já se impunha.

Num contexto de colapso ecológico e crise social globais, um tratado como este é, (para além de uma demonstração de refinado sadismo), para uns quantos, uma grande cereja no topo de um já enormíssimo bolo, mas não pode deixar de ser também uma oportunidade para que, com organização, determinação e solidariedade se comece a reclamar esse mesmo bolo que é de – e chega para – todos.


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