o juiz Garzón, pouco antes dos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992, aprovou a nossa incomunicação em dependências da Guarda Civil. Os dias que ficáramos detidos fomos objeto de tortura, muitos de nós tínhamos feridas bem visíveis que evidenciavam o trato que recebêramos. Todos nós declaramos diante do juiz Garzón sem que este fizesse absolutamente nada por saber a origem das lesões que apresentávamos. Muitos de nós fizéramos menção explícito do trato recebido sem que o juiz se alterasse.
O juiz Garzón empregou as declarações tiradas sob tortura para instruir a sua causa. As denúncias por tortura foram arquivadas todas, sem exceção. Nem ele, como juiz da Audiência Nacional, nem nenhuma outra instância judicial espanhola fizeram qualquer tipo de pesquisa.
Tiveram que passar doze anos para que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de Estrasburgo condenasse o Estado Espanhol por ter vulnerado o artigo número 2 da Convenção contra a Tortura por não ter investigado as denúncias por tortura a pesar das evidências existentes. Aquela condena foi literalmente uma condena por prevaricação (por não ter feito o que por lei se deveria) e um dos máximos responsáveis jurídicos desta prevaricação era precisamente o juiz Garzón. Embora a rotunda sentença, o aparelho político e jurídico espanhol não esclareceu nenhuma responsabilidade.
O próprio juiz foi responsável judicial da nossa detenção e tortura a mãos da Guarda Civil
O juiz que fora responsável da nossa detenção e tortura é hoje vítima da sua própria medicina. Quem hoje julga o juiz Garzón forma parte da mesma estrutura jurídica-política que ele; e, se ganhar, continuará aplicando as leis como sempre e provavelmente, a incomunicação e a tortura continuarão fazendo parte do seu decálogo e da sua maneira de instruir.
A tortura e a impunidade são uma constante sem solução de continuidade desde a morte do ditador. Os setores que pactuaram a chamada transição deixaram intacta uma parte importante da estrutura do estado totalitário. O exemplo mais paradigmático é a Audiência Nacional, herdeira direta do Tribunal de Ordem Pública franquista, que exerceu um papel especialmente repressor contra o independentismo catalão dos anos oitenta e noventa, e que continua sendo a fórmula escolhida pelo Estado para resolver determinados conflitos políticos.
A impunidade que nós vivemos então, tem raízes no franquismo e parte dos motivos pelos quais fôramos detidos têm relação com aquele período e com a maneira como se quis fechar.
Mais de trinta anos depois da morte do ditador, a tortura continua sendo uma mácula no Estado espanhol e, apesar dos relatórios e as sentenças internacionais, o aparelho jurídico-político do Estado espanhol continua negando a tortura. Cumpre apontar que, segundo dados da Coordenadora pela Prevenção da Tortura, no Estado espanhol o número de denúncias ultrapassa as seis mil desde começos do século XXI.
Como vítimas da tortura queremos manifestar que não concordamos com o fato de que este juiz sentar no banco dos acusados por causa da iniciativa que muitas associações e pessoas anônimas estão levando avante desde há anos em contra da impunidade franquista e a favor das vítimas do alçamento fascista, associações e pessoas que têm todo o nosso apoio.
Como vítimas da tortura quereríamos ver a erradicação total desta prática e das leis que a facilitam. Quereríamos ver no banco dos acusados os agentes que nos torturaram e os seus responsáveis políticos e judiciais. Como vítimas da tortura quereríamos ver o juiz Garzón no banco dos acusados respondendo pela sua passividade face as centenas de pessoas torturadas que passaram diante dele.
Assinado por Carles Bonaventura, David Martínez, Eduard López, Eduard Pomar, Esteve Comellas, Guillem de Pallejà, Jaume Oliveras, Joan Rocamora, Jordi Bardina, Josep Poveda, Marcel Dalmau, Oriol Martí, Pep Musté, Ramon López, Ramon Piqué, Vicent Conca, Xavier Ros.
Fonte: http://www.elpunt.cat/noticia/article/7-vista/8-articles/161677-prevaricacio-franquisme-i-antifranquisme.html