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Raimundo ViejoGaliza - PGL - [Ernesto V. Souza e Luís G. Foz] Raimundo Viejo (Vigo, 1969) foi eleito deputado nas últimas eleições legislativas espanholas através da candidatura catalã En Comú-Podem (Em Comum-Podemos) e já antes foi concelheiro por Barcelona en Comú.


Licenciado em Geografia e História, doutor em Ciências Políticas pelas Universidades de Santiago de Compostela e Humboldt de Berlim, foi professor das Universidades de Chicago (EUA), Pompeu Fabra (Catalunha), Lausana (Suíça) e Santiago de Compostela. Professor associado da Universidade de Girona, mora desde 2005 em Barcelona. Publicou nos jornais DiagonalLa Directa e Público. Colunista, escritor e tradutor, desde 2012 implica-se na cooperativa Artefakte.

Senhoria, Professor Doutor, Deputado… como se tem de dirigir a gente a Raimundo Viejo?

Como goste cada quem, sempre no respeito mútuo que nos devemos as pessoas. O importante é interagir, produzir simbioses comunicativas.

Depois das eleições municipais de 2015 foste concelheiro de Educação e Universidades do Concelho/Câmara Municipal de Barcelona, em representação de “Barcelona en Comú”. E alcaide do distrito de Gràcia. Em novembro de 2015 deixas os cargos municipais para te apresentar às eleições gerais com a confluência de esquerdas “En Comú Podem” e deputado por Barcelona para a XI legislatura do Congresso dos Deputados? Isto tudo em 2 anos… que atividade, não?

Muita, para falarmos de um terreio que me é alheio. Mas para quem temos umha longa trajetória no ativismo dos movimentos sociais, talvez nom seja tanto como poda parecer. Outra cousa é, claro, o esforço imenso de se sair da “zona de conforto”. Toda umha experiência!

Ernesto V. Souza: A política é sempre a mesma, mas a entrada de cor e vida no novo Parlamento, como antes nos concelhos, parece uma novidade. É apenas estética?

Devo ser um caso raro nos modismos discursivos, mas sou das pessoas que nom acreditam na diferença entre nova e velha política como se de uma mudança substantiva se tratar. Acho que o que estamos a viver som tempos de mutaçom da agência política (do quem ou que fai o quê, como, quando, etc., da política). Tal como a política dos partidos subsumiu, na alvorada do século XX, a política dos notáveis, institucionalizando-a após a II Guerra Mundial, desde os anos sessenta do passado século assistimos à subsunçom da política dos partidos (cos notáveis subsumidos), na política dos movimentos. Muda a modalidade da política, mas as pessoas continuamos sendo iguais em relaçom ao poder. O discurso da nova política tende a ser mui moralista e pouco realista, a olhar mais para Moro que para Maquiavel. E para quem coma mim operamos politicamente desde umha genealogia materialista, o que conta nom som declaraçons de intençons cheias de poesia, mas os desenvolvimentos que possibilitam os antagonismos sociais e o agonismo democrático.

EVS: Depois de teres andado nos anos noventa na Galiza na órbita da EU (PC?) reapareces, como uma das cabeças de Podemos, Guanyem, Barcelona em comú… há um lapso nestes anos? E achas, que este lapso de tempo é comum – geracional – com muitas das figuras políticas de hoje?

Participei do projeto da Esquerda Unida nos seus começos, em meados de oitenta e fum coordenador da Área da Mocidade até o 92 ou 93. Coma o resto da minha geraçom, o interesse nom era tanto a ideia de militar num partido como de experimentar na emergência dos movimentos sociais da primeira vaga de mobilizaçons posterior ao desencanto (referendo da OTAN, seletividade do curso 86/87, Guerra do Golfo, etc.). Ao contrário dos setores mais puramente libertários, por umha banda, e leninistas, pola outra, o que queríamos era escapar ao bloqueio das luitas antagonistas no regime do 78 sem por isso deixarmos de ter presente o terreio institucional do Estado.

O “movimento político e social” era umha boa ideia que nunca chegou a ser (em grande medida polos erros do PCE e um hegemonismo autoritário que nom soubo ler Gramsci). Acabamos indo embora e, de feito, para quando a vaga altermundialista que arrancou em Chiapas, o projeto da EU estava mais esgotado e à marge do que se moveu. Naquele momento tentamos tirar para adiante com umha estratégia transversal e montamos s Galiza Alternativa, que se confederou no Espaço Alternativo até que este virou, por efeito da hegemonia trotskista, para a Izquierda Anticapitalista após o 15F contra a Guerra de Iraque.

Como adoita acontecer nos momentos de intensificaçom das mobilizaçons, maduramos muito intelectualmente e o núcleo fundador da Galiza Alternativa mudou num projeto “underground”, Alternativas Nómadas, que, a propósito, hoje quase poderia formar um grupo parlamentar próprio. Sem atender a este período de mutaçom e deriva teórica, nom seria possível compreender a evoluçom do que somos e o que nos motiva. Nom há tanto publiquei umhas páginas sobre o tema em Entrementres, umha compilaçom do Daniel Salgado e o Manolo Barreiro.

EVS: “Les raons dels indignats…” Que supõe, para ti o 15-M, as assembleias de bairros, as praças ocupadas? A reação as políticas suicidas do PP? Como se sentiu nas faculdades, no mundo académico, que removeu e provocou em pessoas como tu?

Supom a verificaçom de umha hipótese longo tempo madurada nesse período de toupeira que figemos em Alternativas Nómadas: o enxame da multitude, a política em rede, a subjetivaçom antagonista desde a cissom co mando, a experimentaçom de novas formas de institucionalidade, etc. Foi um momento mui forte do ponto de vista subjetivo. O 15M é um acontecimento dos que gosta o pensamento que nos inspirou e forneceu, desde Deleuze até Badiou.

Nas universidades e no mundo académico, como sempre desde a Transiçom, esclerose, parálise e esterilidade. As luitas contra Bolonha e as greves de 2011 (e acô a Caputxinada 2.0) amosam umha incapacidade intelectual absoluta para ter a menor permeabilidade ao que acontece. Chama a atençom como proliferam teses doutorais sobre o que figemos, mas sempre desde umhas paupérrimas bases epistémicas neopositivistas. Nom falemos já das diferentes hermenêuticas da teoria política se tratar. As universidades som a dia de hoje o pior ermo intelectual que se pode concebir. Que amar o saber, que escape de elas. O único que tinham há tempo eram condiçons de vida materiais que tornavam possível pensar. E hoje nem isso.

O que nos removeu, daquela, o ciclo do 15M foi, justamente, a experimentar com umha nova institucionalidade. Ai nasceu Artefakte como um projeto educativo, intelectual e antagonista inassumível pola instituiçom universitária na sua formulaçom atual. Quem quiger entender o papel dos politólogos neste assalto democrático às instituiçons, nom deve perder de vista o papel da universidade como laboratório do neoliberalismo mais autocrático, repressivo e biopolítico no atual contexto do capitalismo cognitivo.

EVS: Repete-se que parte da atual mobilização política e social nasce no ambiente Universitário, mas tem influencia o 15-M nas formas de mobilização na Universidade? Ou melhor: há mobilização na Universidade, para além da ritual?

Nasce no êxodo da universidade, nom nela. A Universidade, como apontei, foi e continua a ser quem de manter um férreo controlo repressivo graças à sua evoluçom nos anos da LRU e posterior adaptaçom “à bolonhesa”. E se a universidade nom é terreio de criatividade e antagonismo, mas de disciplina autoritária e mandarinato, é justamente pola subalternidade que se acrescenta na crise económica desde 2008 e na subsequente falha de modelo produtivo. Enquanto continuarmos aqui, a universidade continuará sendo um ermo para os saberes e a ciência (mesmo se ainda poda operar, em parte, para as tecnologias e o mercadeio de patentes).

Luís G. Foz: Uma das primeiras cousas que se sabem de ti é da tua família materna, ligada à cultura e ao nacionalismo galego, família ampliável ao clã Álvarez Blázquez das mesmas caraterísticas. Menos conhecidos resultam os Viejo, apelido que não deve ser galego já que quando se castelhanizam os nossos Velhos passam geralmente a “Bellos”. Eu tive o prazer de conhecer Raimundo Viejo sénior e lembro-o como homem afável, divertido e de esquerda, não lembro, porém (ai, os anos!) se estava preocupado pela problemática nacional galega ainda que, com certeza, não era um “anti”. Poderias ampliar falando algo em teu pai e na influência que deixou em ti?

Meu pai é filho intelectual da crise do terceiro-internacionalismo e a deriva eurocomunista da Guerra Fria que se declinou no Franquismo com todas as suas limitaçons teóricas (o próprio Perry Anderson, tam querido de meu pai, apontou para essa anomalia ibérica que à dissemelhança de outras periferias do desenvolvimento capitalista nom deu encontrado o seu Gramsci ou a sua Luxemburgo). A sua formaçom teórica, mesmo que seja engenheiro de minas (por aquilo de ter pai mineiro e ter sido um exemplo claro do ascenso taylorista) tem muito a ver co relato “canónico” do movimento operário da historiografia da New Left Review; pouco sensível quando nom defensivo perante os desafios da pós-modernidade.

No entanto, logicamente, o feito de ser de naçom galega e viver politicamente na proximidade dos seus companheiros de trabalho na SODIGA, Camilo Nogueira e Jam López Facal, para além das intermináveis conversas co meu avó materno Luís e toda a tropa de amigos galeguistas do grupo Galaxia, acho que lhe fijo ter sempre essa sensibilidade face à qüestom nacional. Se bem que a sua análise foi sempre muito mais próxima da marxiana para coa qüestom irlandesa que nom austro-marxiana para com o fim do Império Austro-Húngaro (cousa curiosa, pois é grande leitor da literatura de este período).

Quanto à influência mais importante que deixou em mim, entendo que foi a de pensar e ter presente o Estado e sua intersecçom coas formaçons capitalistas como variável sem a que nom se poderia entender a qüestom nacional. Andando o tempo, isto que era mais cousa de discutir que de referências bibliográficas, forneceu um interesse meu por autores tam variados como o recentemente finado Benedict Anderson, John Breuilly, etc.

FOZ: O teu avô era docente e inspetor de educação, na linha republicana e galeguista, que bebia da teorização de Johan Vicente Viqueira, a tua mãe e tia colaboraram no projeto Martim Codax, de ensino público, aberto, laico … poderíamos dizer que tens daí uma paixão pela educação?

Absolutamente. Na casa levamos o mundo no “ADN”: tanto eu como meus irmaos Breixo e Roque seguimos essa paixom, mantida por certo para além da crise das instituiçons que nos levárom os três a buscarmos a vida fora e amiúdo longe.

FOZ: Dizia Max Aub que um é donde cursa o bacharelato. Resulta que ambos coincidimos no liceu Gelmírez, também descoincidimos (docente/discente, diurno/noturno) mas ainda que para mim a adolescência e a juventude ficavam longe quando passei pelo Gelmírez, os anos transcorridos nele resultaram bastante importantes para mim. Ocorreu-che algo parecido?

E como nom havia de ser assi, se falamos do Gelmírez?! Eu nom tivem a sorte de meus irmaos pequenos por cousa de ser algo maior à hora de participar na experiência pedagógica que sacarom adiante no centro um grupo valiosíssimo de docentes. Os anos do Gelmírez fôrom um período decisivo: rematar o bacharelato em 1987, ano das mobilizaçons da Plataforma Aberta de Estudantes Galegos contra a seletividade, explica minha paixom pola política na sua declinaçom antagonista e polos movimentos sociais.

EVS: E como entendes a docência universitária? E que imagem tem alguém com a tua energia, paixão e ativismo, com o teu currículo da Universidade espanhola?

A imagem péssima. Basta ler o que diz um catedrático como Antonio Elorza de nós para compreender até que ponto a hierarquia da universidade espanhola, especialmente no caso das ciências sociais, rejeitou sempre, com fúria de converso, o que somos. E isto ao ponto de expulsar sistematicamente o talento docente. Modéstia aparte, sempre tivem enquisas mui por riba das médias do professorado de “êxito”. A minha inclinaçom pola crítica, polo pensamento divergente, por implicar a subjetividade do estudantado, suas paixons e vontade de aprender no processo formativo choca frontalmente coa mercantilizaçom, a disciplina ideológica neoliberal e outros elementos próprios do mundo universitário.

Explica-se daquela que meu currículo seja tam estranho para os pará metros habituais (até o ponto de ter esgotado já a minha carreira académica): podo ter um doutorado com prémio extraordinário, falar oito línguas, ter sido docente em universidades como Chicago ou Lausanne e ao tempo nunca ter saído de precário polas lógicas clientelares e disciplinares do neoliberalismo. É triste de reconhecer mas nom é realista reconhecer que alguém coma mim poida ter futuro na universidade. E nom polas razons pessoais que sejam, mas polo que meu caso pessoal tem de sintomatologia da universidade. Quem pode remediar isto nom tem o menor interesse em fazê-lo. Ao contrário, baseou a sua carreira em ser repressor (ideológico, político, intelectual…) do que alguns somos.

EVS: Censura, mobbing, servilismo, feudalismo, imobilismo? Os professores têm tempo para ser cidadãos ou simplesmente estão aí para dar aulas técnicas?
O tempo passou em que alguns o tentamos. Hoje pode haver algumhas pessoas mui meritórias; especialmente se acadárom a condiçom de funcionário (Taibo, Pastor, Brandariz, etc.). Mas umha cidadania em sentido amplo e colectivo, que poida entender o valor e praxe da desobediência no seio da universidade atual nom a vejo por nengures.

EVS: O teu avô (Luis Viñas Cortegoso) era parceiro da livraria de velho Monterrey e parceiro também na editora Monterrey com X.M. Álvarez Blázquez; contou-nos Celso A. Cáccamo esta anedota familiar…  – Iam os dous juntos pola Galiza nos fins de semana comprar livros e bibliotecas inteiras ao papelote, num SEAT 600 matrícula PO-16594 que também tinham a médias. Um dia, na década de 1960s, meu pai propujo a Viñas, “Olha, fico eu com a livraria e tu com o carro?”.  E assim foi. Meu pai não voltou a conduzir. – Depois, já sabemos andou na fundação de Galáxia… parece que tu herdaste também algo dessa paixão pelo livro: Que é o Artefakte…?

É um projeto que combina o processo editorial co da própria produçom de conhecimento na experimentaçom de umha institucionalidade outra, dos comuns, que supere as limitaçons atuais da instituiçom universitária e seja capaz de se converter numha maquinaria antagonista, empoderadora das subjetividades nascidas nas mutaçons do mundo do trabalho nas sociedades pós-fordistas. Em toda a sua profundidade teórica seria mui complicado de explicar, a verdade. É pena é que nom tenhamos dado cos recursos suficientes para tirar para adiante co pulo que tocava. A dia de hoje continua a ser para mi o projeto porque dar todo.

EVS: No dia em que entraste no parlamento eras pai pola segunda vez… como é a paternidade entre Madrid e Barcelona? Seguindo Colau, e Gómez Reino, a política é um espaço para homens sem ocupações domésticas?

Certamente está todo por fazer e isso sabemo-lo mui bem tanto o Tone, como Ada e muitos outros que andamos na procura de essa tribo que diz a Carolina del Olmo. Os cuidados som umha das melhores maneiras de ver a dia de hoje as limitaçons do regime político. Em poucos espaços de poder como os que impom o heteropatriarcado se vê a resistência efetiva à mudança. Estou seguro que nuns anos poderemos medir o êxito ou o fracasso do logrado por esta questom.

EVS: Galeguismo, federalismo, iberismo… como especialista em “Teoria do nacionalismo e Movimentos sociais”… existe realmente, conservou-se uma tradição republicana e iberista, uma outra ideia de Espanha é possível?

É possível, mas nom de jeito imediato. Sou bastante mais céptico que muitos dos meus companheiros de militância sobre essa “autonomia do político” que poderia mudar rapidamente a matriz identitária espanhola. As sedimentaçons históricas pesam muito até que se produz a rutura constituinte.

Hoje por hoje está continua a operar mui massivamente nos parâmetros do pós-franquismo. Contodo, nom é menos surpreendente o que estamos a conseguir num par de anos. Que segundo o CIS, 46,1% dos espanhóis reconheça o direito a decidir é inaudito. Espanha continua a ser umha de essas “pátrias difíceis” de Gustav Heineman.

EVS: Hibridação Cultural, Euzkadi, Catalunha… prometes a constituição, disseste, nas línguas que che são habituais… Nas redes sociais escreves em catalão, castelhano, galego… porém como muitos emigrantes com o teu perfil na Catalunha e no País Basco, a integração familiar e social parece total, é definitiva?

Adoito dizer que sou galaico-catalám como Pepe Rubianes. Mas acho que a minha condiçom nómada é de seu mui galega ela. Nom me convence muito a ideia da naçom como fruito da socializaçom, mas como ponto de partida em que o “nascer” (natio) confere direitos; e isto com independência da territorialidade (eu estou mais polo “direito de fuga” de Mezzadra que polo jus solis). E mesmo se gosto de pensar que sou quem de me formar (melhor que “integrar”) nas sociedades que vivo polo respeito mostrado para com as suas culturas (levo com muito orgulho o prémio que me dérom os estudantes da Plataforma Universitària pel Català como docente que mais fijo pola língua na Pompeu Fabra há alguns anos), o certo é que nom por isto deixo de ser, sentir-me e viver como pessoa de mátria galega.

Para os partidários da uniformidade etnonacional e a política entendida nos parâmetros da soberania moderna e o poder territorializado da forma-Estado isto o mesmo é um problema. Para mim poder desfrutar de ser em min mesmo um corpo de naçom aberto à multitude é umha sorte imensa e um goce. Minha antropologia política nom parte do individualismo, embora da figura althuseriana do simbionte; minha conceiçom do poder nom é funcionalista e liberal ao jeito de Robert Dahl, embora cooperativa e libertária mais ao jeito de Kropotkin.

FOZ: Levas uma década a morar na Catalunha. Como se percebe a identidade da nossa língua a partir da distância física e morando no espaço linguístico catalão, em cujo seio há situações com muitos paralelismos ao caso galego (designadamente País Valenciano e Ilhas Baleares)?

Pois para ser honesto, a percepçom é a de umha tragédia silente e distante para ali onde a conflitualidade política nom abonda para defender os espaços linguísticos. As cartografias sociolinguísticas acho que tenhem grandes paralelismos co carácter do contencioso nacional. Nom é estranho que os casos valenciano e balear daquela evidenciem esses paralelismos.

FOZ: Depois de tanto périplo vital e agora vinculado à Catalunha… que contatos tens com a Galiza? E com o movimento reintegracionista?

Com o tempo vam esmorecendo. Na primeira década do século ainda tivem um ativismo forte na distância, com efêmeras reterritorializaçons. Mas agora, após a fase baixa da vaga de mobilizaçons altermundialista perdim contato. O meu contato co reintegracionismo limita-se mais que nada às contadas amizades reintegracionistas com quem ainda tenho relaçom.

EVS: Conta, entre outros, o amigo João Aveledo, que tu já eras reintegracionista a princípios dos anos 90, quando ainda militavas em EU. Como foi dares esse passo daquela? Como foi essa descoberta e chegada ao reintegracionismo?

Haha… Certamente sempre fum umha rara avis. Meu primeiro texto reintegrado saiu publicado na revista de estudantes da Faculdade de Geografia e História, Aula Ínfima. Deveu ser polo 90 ou o 91. O mérito foi do meu bem-querido Moncho Veiga Alonso, companheiro de estudos, mente brilhante e rigorosa como poucas. Mesmo sendo um nacionalista clássico, o Moncho foi sempre quem de manter um diálogo científico sobre o tema linguístico. Eu já tiver no instituto aulas co Manolo Portas. Mas foi o Moncho quem me passou o Prontuário da AGAL e outros textos que lim com grande interesse. Ao contrário do Portas, incapaz de subtrair-se dos ideologemas nacionalistas, o Moncho soubo-me explicar umha teoria científica. E a mim os bons argumentos podem-me por riba de qualquer pensamento identitário.

Recordo tambem daqueles anos o passamento de Carvalho Calero e o impacto que me causou. Para mim era um galeguista dos velhos: resistente e defensor da língua, mui por riba dos incentivos da institucionalizaçom do sistema autonómico. Admirei seu exemplo de coerência e rigor. Aliás, para mim sempre houvo nele algo mui familiar que me vinha da casa, do meu avó Luís. Sua evoluçom e proposta filológica resultava-me muito mais crível que o explicavam os filólogos do regime autonómico.

Mas eu também cheguei ao reintegracionismo, já digo, por um ser no mundo do meu tempo que me situava para alem da gramática política do nacionalismo e me interpelava desde o multiculturalismo e a mestizagem dos tempos em que rematou a Guerra Fria e deu começo isto que se chama globalizaçom. Para isto da língua eu sempre tivem umha achega mui “pinheirista”, mais atenta às conversas dos parladoiros da minha faculdade que às manifestaçons nas ruas; sempre fum mais de umha gramática política molecular que nom das grandes demonstraçons molares.

Acho, de feito, que um dos maiores erros do reintegracionismo foi o de nom desligar-se de umha gramática política inserida numha derrota histórica. Mais ainda, no que sei, que nom é muito, dá-me que segue sem mirar fora de um projeto nacionalista com sérias dificuldades de atualizaçom e que já venhem de longe. Claro que quem sou eu para falarmos do tema, sendo como devo ser um dos poucos, quando nom o único reintegracionista que nom comparte ideologicamente os elementos etnonacionais da matriz galeguista.

FOZ: Como foi e é o teu vínculo com a língua galega e o reintegracionismo? Que significa para ti hoje o reintegracionismo?

Significa umha oportunidade de ser culturalmente galego no mundo desde a Autonomia. Sou de naçom galega e por isto mesmo, na minha rebeldia contra o que sempre considerei umha orde social injusta, o meu é um devir nómada. Tivem a sorte de nascer numha naçom sem Estado …e sem necessidade de ter um; um corpo político que soubo ser ceivo e nom só livre perante a emergência dos dispositivos biopolíticos da modernidade.

O meu é um reintegracionismo que tem muito mais de foucaultiano que de herderiano. Nom acho que o labor filológico emancipador (o único que pode defender a língua) seja o de um movimento identitário que promete restituir umha trajetória a umha comunidade de destino (ou Schicksalsgemeinschaft) quanto amosar a genealogia biopolítica que subjaz no aparelho da modernidade e na forma-Estado (concretamente na sua declinaçom do Estado das autonomias).

EVS: Como vês a evolução do reintegracionismo dos 90 a hoje? Dirias que hoje o reintegracionismo na Gz é uma manifestação da vontade da Sociedade civil por desbloquear as cousas? A cultura? Percebes nele essa alegria, essa mesma energia e vontade doutros movimentos?

Na última década custaria-me atinar pola perda de contacto. Mas no longo termo vejo que houvo alguns elementos mui positivos de evoluçom. O próprio microcosmos dos colectivos da Autonomia 2.0 na Galiza de princípios de século (desde Alternativas Nómadas até ao CS Atreu! passando polo Indymedia) parece-me que reabriu hipóteses interessantes para a língua. Desconheço, desafortunadamente, como anda agora o tema. Mas estou certo que na primeira década do século a reintegraçom mantinha, atualizava e aumentava sua potência emancipadora em perfeita osmose cos movimentos antagonistas mais interessantes da Galiza.

EVS: Como se explica que justo sem representação de Partidos Nacionalistas, com uma desmobilização na Galiza do soberanismo e do Independentismo, cada vez haja mais reintegracionistas na vida política?

Pois se isto é assi, para além que me alegra muitíssimo sabê-lo, seguramente é algo que liga com essa anomalia que sempre fum como ativista. O problema é seguramente do próprio independentismo como hipótese política. Mas quem sabe se por isto mesmo, Galiza tem umha sorte paradoxal que nom tem, por exemplo, esta Catalunya onde eu vivo, e que tanto gosta de cair na ideologia “processista” ou do “soberanismo solipsista” que continua sem entender as mutaçons contemporâneas do mando.

EVS: Desde que chegaram as “Mareas” o reintegracionismo está a aparecer em muitos mais meios do que nunca tinha aparecido. Pensas que as “Mareas” e também o Podemos poderiam contribuir para democratização do conflito normativo e a que, portanto, a cultura galega em reintegrado ou português padrão tivesse mais presença?

Oxalá! Em Podemos, nom sei mesmo se nom teremos a maioria os “reintegratas”. Preguntarei ao Tone a ver o que me conta. Mas a própria pluralidade de normativas dos galegos que estamos nas Cortes seguramente exemplifica que há cousas que estám a mudar de jeito mui interessante. Que desde os centros de poder do próprio Estado sejam visibilizados é de seu um fenómeno nom menor para o futuro da língua.

FOZ: Que opinas da Lei Paz Andrade … Como deputado ?

Como deputado de umha circunscriçom em que a minha realidade linguística é a de tantos galegos e galegas que migramos, a Lei Paz Andrade é um valiossíssimo passo adiante para ressituarmo-nos alem da gramática política moderna e abrir um horizonte de simbioses globais nos que ressituar um futuro para o galego.

Ponho um exemplo: minha cunhada é franco-brasileira, nas reunions familiares fala-se transnacionalmente francês, galego, etc. e meu filho que é de ascendência judaico-franco-ruso-catalano-galaico-astur-e vai ti saber o quê mais, assiste a esse feito cultural em que se está a socializar. O seu nunca será um ponto de partida demograficamente relevante. Mas acho que dispom da sorte de pensarmo-nos desde as marges. Ali sempre é onde foi pensada a emancipaçom. Ali seguro que reside um futuro para a língua. O bom da Lei Paz Andrade é que abre o país a esta perspectiva que podemos aportar quem tam alto preço pagamos por viver no êxodo, mas que leva em si todo um porvir.

EVS: Na Galiza leva-se muito tempo a reivindicar a receção normal das TV e rádios portuguesas. O principal entrave continua a ser o Governo espanhol, pois o espectro radioelétrico é competência estatal. O seu grupo parlamentar apoiaria uma iniciativa que permita dar resposta a esta demanda?

Pois isso imagino que é cousa em primeiro lugar de Na Marea. Mas co meu voto contam desde que vivia em Suíça e olhava para a RTP. Seguro que podemos fazer algumha cousa. Aliás meu grupo, En Comú Podem sabe bem polos contenciosos televisivos do catalám da importáncia de traspassar as territorialidades do poder constituído.

FOZ: Por que o governo central tem obstaculizado a difusão na Galiza das outras variedades da nossa língua? É possível um governo central que faça políticas que desenvolvam o bem-estar da cidadania galega a respeito da língua, da cultura e os países que se expressam em português?

Porque os partidos que até agora exercêrom o poder do governo central fôrom sempre profundamente partidários da matriz identitária espanhola pós-franquista; mesmo se fôrom progressistas. Por sorte nesta matéria estamos abrindo caminho a grandes passos. Quem sabe se em breves poderemos levar ao mundo televisivo o que já som umhas fenomenais relaçons políticas co Bloco de Esquerdas e outros irmaos do nosso universo linguístico.

EVS: A Lei para o aproveitamento da Língua Portuguesa, cujo germe foi a ILP Valentín Paz Andrade, não tem dado quase nenhum fruto. Quais achas que podam ser as causas?

Intuo que umha ausência notável de vontade política. As vezes é fácil concordar no terreio simbólico. O complicado é ter a coragem de levar as cousas à prática. Nisso andamos.


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