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060315 taUruguai - Diário Liberdade - No último domingo, dia 1º de março, José "Pepe" Mujica entregou a faixa presidencial para o seu sucessor, Tabaré Vázquez, novo presidente do Uruguai.


[Foto: Tabaré Vázquez, sucessor de Mujica na presidência do Uruguai]

Conhecido mundialmente como o "presidente mais pobre do mundo", por sua humildade e desprendimento de bens materiais, além de doar 90% de seu salário para instituições de caridade, Mujica, que governou o Uruguai por cinco anos (2010-2015), se retira da presidência com uma popularidade de 68% e um nível de aprovação de 63%, segundo pesquisa da Consultoria Cifra.

Agora ele seguirá sua carreira política no cargo de senador, pela Frente Ampla, partido que representou durante seu mandato presidencial e que tem maioria tanto na Câmara de Representantes como no Senado, assim como em 2010-2015.

Seu sucessor, Tabaré Vázquez, já foi presidente do Uruguai, exatamente na gestão anterior à de Mujica (2005-2010) e também é da Frente Ampla. Em seu primeiro discurso como presidente eleito para o mandato 2015-2020, Vázquez anunciou que continuará implementando as políticas sociais de Mujica, embora, ao que parece, ele seja de um estilo mais conservador que seu antecessor.

Sobre isso, entrevistamos o jornalista uruguaio Juan Carlos Vecino, que, com a experiência de cobrir as lutas populares e dos movimentos da esquerda no Uruguai, nos proporciona uma análise crítica e realista sobre a política uruguaia, a união das principais organizações de esquerda revolucionária, e os dois últimos presidentes dessa república de pouco mais de três milhões de habitantes.

Muita gente acha que Mujica é um líder a ser seguido. Outros pensam que, apesar dele ser progressista (em seu governo, foi implementado o matrimônio igualitário, a legalização do cultivo e do consumo da maconha e a legalização do aborto) e de fazer críticas ao capitalismo, ele não foi a fundo na questão da redução das desigualdades econômicas e da busca da igualdade social. Qual a sua avaliação sobre isso?

Olha, a principal caraterística de Mujica foi sua austeridade de vida. Um presidente que doa uma alta porcentagem do seu salário para ONG's que ajudam os uruguaios que se encontram abaixo da linha da pobreza, um presidente que recusa morar na residência presidencial e continua morando na sua chácara familiar, dirigindo um fusca e andando pelo país afora sem guarda-costas, é um fato digno de ser destacado. As três mais importantes conquistas do seu governo - casamento igualitário, legalização do cultivo e consumo da maconha e legalização da interrupção por própria decisão da gravidez pelas mulheres uruguaias, sobretudo as de classe média e baixa -, foram questões alcançadas graças ao carisma de Mujica, que fez muita pressão sobre o Congresso para as medidas serem aprovadas.

Mas, a dependência com o Fundo Monetário Internacional continua, se aprofunda inclusive. As multinacionais que contaminam com a celulose, a soja transgênica, a mineração a céu aberto, os cultivos transgênicos de todo tipo, as plantações de eucaliptos que corroem as terras uruguaias, também continuam, e ainda se aprofundam, com privilégios fiscais que nenhum produtor nacional consegue para si próprio, ainda trabalhando com agricultura, queijos ou gado, patrimônio nacional da fonte de trabalho no país. A desigualdade social continua, cada dia é maior o abismo entre os muito ricos, uns poucos, e a população pobre, muitos, a grande maioria. O assistencialismo se torna política diária e isso reflete no apoio eleitoral que o partido de Mujica tem. Ninguém quer trabalhar, todos querem continuar a ser ajudados socialmente.

Aumentou-se também a repressão aos protestos sociais, e destacados líderes dos movimentos sociais visitaram fóruns judiciais e até cadeias uruguaias neste período, dentro desse marco da repressão.

juanca3Os "peludos" da cidade de Bella Unión, no estado de Artigas, fronteira com Monte Caseros na Argentina e com Barra do Quarai no Rio Grande do Sul, Brasil, que são plantadores e trabalhadores na coleta da cana de açúcar e foram os fundadores históricos do movimento guerrilheiro que Mujica integrou nos anos 60 e 70, acabam de fazer uma marcha até Montevidéu reclamando porque neste governo de Mujica foram (assim como no primeiro mandato de Vázquez) duramente reprimidos, expulsos dos campos ocupados e falam de falta de cumprimento aos preceitos da velha esquerda uruguaia de "terra para quem a trabalha". Só se beneficiou nestes dois últimos governos, ainda mais, aos fazendeiros detentores das grandes extensões de terra que pagam miseráveis salários aos verdadeiros trabalhadores rurais da terra, ou que ainda mantém enormes áreas improdutivas sem pagar impostos nem permitir que sejam dadas para quem pode e quer trabalhar nelas.

[Foto: Juan Carlos Vecino, jornalista uruguaio]

Por tudo isso, em resumo, já que tem muitas coisas mais a serem apontadas como negativas, o tal de socialismo real que a população uruguaia necessita  não foi atingido neste período de governo do austero Presidente Mujica.

Qual a sua opinião sobre a política de Mujica de receber os presos de Guantánamo?

Na esquerda radical, temos diferentes visões sobre este fato. Há companheiros que acham que ele está solucionando um problema de Obama ao receber esses prisioneiros políticos acusados sem provas contundentes e sem processo judiciário cristalino, e perdem de vista – eu acho - que nosso país está recebendo perseguidos e torturados pelo império norte-americano que sofreram torturas, prisão em condições subumanas e arbitrariedades, para dar uma vida digna e ajudar na sua reintegração à sociedade.

Mas, também temos a certeza de que Vázquez não continuará com a recepção dos combatentes contra o imperialismo que ficam ainda presos em Guantánamo.

E de receber os refugiados sírios?

Essa ação de receber refugiados de guerras é algo histórico no Uruguai, que sempre acolheu aqueles seres humanos que estão escapando de guerras fratricidas. Histórico que remonta-se aos anos da guerra civil espanhola, das duas guerras mundiais, e de um monte de conflitos bélicos mundiais. Portanto, Mujica não fez mais do que responder a esse histórico de receber refugiados em nosso país. Mas também estamos cientes de que Tabaré Vázquez não continuará com esta política de receber refugiados.

Então o que você pensa sobre Tabaré Vázquez, que inicia seu segundo mandato como presidente do Uruguai? Pelo visto, ele é mais conservador, em relação ao seu antecessor...

Temos que separar, ou analisar juntos, o Presidente e o partido do presidente. Tabaré Ramón Vázquez Rosas, foi socialista – renunciou ao PS (Partido Socialista) poucos anos atrás -, mas tem um histórico difícil de engolir: foi amigo e médico dos militares na ditadura, responde à Maçonaria e ao Opus Dei, é católico; é um rico empresário da medicina privada na sua famosa clínica oncológica, e tem um ego muito grande.

O partido Frente Ampla não tem nem terá nenhum controle orgânico sobre Vázquez.

Mas ele anunciou, em seu primeiro discurso como presidente da República, que aprofundará os programas sociais criados por Mujica. Você acredita em um mandato que seguirá as reformas sociais-liberais implementadas pelo governo anterior?

Ele pode aprofundar o assistencialismo, mas também, sem dúvidas, vai aprofundar a terra nas mãos de estrangeiros, as contaminações ambientais produzidas pelas multinacionais da soja, da celulose, da mineração, dos cultivos transgênicos. E, como foi feito no seu governo anterior, terá ralações carnais com os Estados Unidos (ele convidou o criminoso George W. Bush a comer um churrasco na chácara presidencial em 2007, quando Bush mandava matar inocentes no Iraque) e aprofundará a dependência com o FMI que, com certeza, acarretará em mais e mais pobreza para o sofrido povo uruguaio.

Quais são as principais organizações da esquerda revolucionária uruguaia?

juanca2As principais organizações de esquerda revolucionaria no Uruguai na atualidade são o Partido Comunista Revolucionário (PCR) de orientação maoísta e pró-chinês, o Movimento 26 de Março de orientação marxista –leninista (que nos anos de 1970 foi o braço político do Movimento de Liberação Nacional-Tupamaro, mas agora está separado dele), o Partido Bolchevique do Uruguai, o Movimento de Refundação Comunista, a Intransigência Socialista e o Partido Obreiro e Camponês do Uruguai, também marxista.

[Foto: Juan Carlos Vecino, jornalista uruguaio]

Todas elas nesta luta eleitoral passada e nas próximas eleições de maio 2015 se juntam sob as bandeiras da Unidade Popular.

Qual será o papel da esquerda revolucionária e dos movimentos populares uruguaios neste período que se inicia?

Um papel de muita luta, de muita resistência ao modelo progressista entreguista, empobrecedor e repressor deste governo de Vázquez. A esquerda revolucionária uruguaia recebeu nas eleições legislativas um apoio tal da população revoltada com o progressismo, que permitiu que colocasse um pé no Congresso com o deputado marxista-leninista Eduardo Rubio, no último dia 15 de fevereiro. Será a voz dos que nada tem e são mortos de fome, reprimidos e até presos pelo sistema. Serão cinco anos para criar consciência no resto do povo uruguaio para que nas próximas eleições a base eleitoral seja superior. Inclusive, nas próximas eleições departamentais (estaduais) do dia 10 de maio, a esquerda revolucionária espera incrementar mais ainda seu apoio eleitoral no interior do Uruguai.

Em quanto aos movimentos sociais, terão que redobrar o esforço para lutar contra o governo de Vázquez nas ruas do país. Mas, uma coisa podem ter certeza: a repressão será muito maior do que no governo de Mujica, que já foi importante, quando os maiores líderes da Plenária Memória e Justiça, como Irma Leites e o ex-líder guerrilheiro Jorge Zabalza, apelidado de "El Tambero" - que inclusive se recupera de um câncer no Hospital das Clínicas em São Paulo -, tiveram que passar por Fóruns Judiciais e encarar processos na justiça, assim como integrantes do combativo sindicato dos taxistas, SUATT, no marco de fazer do protesto um crime por parte dos governos da FA.

Serão cinco anos de dura luta para todos nós, mas valerá a pena.


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