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constantino-abreBrasil - Laboratório Filosófico - [Rafael Silva] Em pleno século XXI, o liberalíssimo Rodrigo Constantino, um economista e colunista brasileiro, publicou no seu blog uma lista com 767 nomes de artistas e intelectuais brasileiros que devem ser boicotados, pois, segundo o próprio Constantino, “querem transformar o Brasil numa Venezuela, num Cubão”. O blogueiro coxíssimo outra coisa não faz que ressuscitar as práticas medievo-católica e moderno-nazistas que impunham aos seus seguidores o que e quem eles não podiam ler, ver, fazer, ou seja, conhecer. Do contrário, excomunhão, fogueira, fuzilamento ou câmara de gás.


Pelo menos até aqui, Constantino não tem tanto poder, e isso graças ao que resta de democracia no Brasil. No entanto, mesmo assim ele não tem “papas no blog” ao vociferar: “Boicote nos vagabundos, gente! Sem dó nem piedade ... Não comprem nada deles! Não leiam suas colunas! Não frequentem seus shows e peças. É boicote geral a petralha!”.

Ao contrário do que gostaria de fazer parecer, Constantino não tem o privilégio de ter inventado o “ódio coxista” ao PT e à esquerda. Não criou a fogueira das vaidades liberal anti-petista que pretende carbonizar a democracia para que de suas cinzas renasça o velho paraíso oligarco-aristocrata, lar-doce-lar da elite. Sua demiurgia miserável apenas atiça esse fogo antidemocrático com livros e espetáculos artísticos que, para a aridez de sua patológica ideologia, devem ser realmente infernais

Entretanto, para quem sabe que em uma democracia o único index a ser seguido para que não se seja súdito de alguma ditadura ideológica é o “index sui”, ou seja, o índice de si mesmo, a abjeta (re)iniciativa do outrossim abjeto blogueiro liberal acaba sendo -perdoem-me a redundância- o mais indicado indício do que se deve consumir para não se ser tão abjeto quanto o próprio Constantino. É como dizer para uma criança: “não faça isso”; e, pronto, não temos dúvida do que a criança fará na primeira oportunidade.

Na história asfixiante dos index restritivos há uma passagem que, para mim, é muito simbólica, atentada contra o “filósofo dos afetos”, o ibero-holandês-judeu Baruch Spinoza, cujo controverso nome, para alguns, significa “bendita esperança”. É muito sintomático que, com esse nome, e, mais ainda, com seus imanentes objetos filosóficos, quais sejam, os afetos, Spinoza tenha sido excomungado pela Igreja Católica, pela comunidade judaica e proibidíssimo de ser lido em todas as universidades europeias no século XVII.

Para não nos esquecermos de que Rodrigo Constantino apenas dá novo fôlego à velha asfixia ideológica das grandes religiões monoteístas, todavia com uma miséria discursiva que envergonharia os escrivães medievais, vale a pena ler a publicação que indexou Spinoza na lista de autores malditos publicada pela Sinagoga de Amsterdã em 1656, intitulada “Maldito seja Baruch de Espinosa”:

“Pela decisão dos anjos e julgamento dos santos, excomungamos, expulsamos, execramos e maldizemos Baruch de Espinosa... Maldito seja de dia e maldito seja de noite; maldito seja quando se deita e maldito seja quando se levanta; maldito seja quando sai, maldito seja quando regressa... Ordenamos que ninguém mantenha com ele comunicação oral ou escrita, que ninguém lhe preste favor algum, que ninguém permaneça com ele sob o mesmo teto ou a menos de quatro jardas, que ninguém leia algo escrito ou transcrito por ele.”

Depois disso, foi necessário mais de um século para que voltasse a ser permitido ler a obra do filósofo que, doravante, inspirou as filosofias de Diderot, Hegel, Marx, Nietzsche, Bergson, e muitos outros mais, inclusive a minha, assumidamente incipiente, que, de qualquer forma, para desgosto meu, não foi indexada por Constantino.

A “decisão dos anjos e o julgamento dos santos” de excomungar, expulsar, execrar e maldizer Spinoza, não obstante, coloca inevitavelmente a seguinte questão: qual a potência da filosofia desse judeu para que tenha sido tão proibida? Assim como a criança é mais curiosa justamente com a parte da vida que os adultos lhe proíbem, qualquer um que seja verdadeiramente amante do saber, ou seja, filósofo, mais que tudo deseja saber “a parte do saber” que lhe tentam furtar.

Nesse sentido, indexações restritivas como as da Igreja Católica e da comunidade judaica são, como se diz, um tiro no pé. O idiota do Constantino, que tem toda a História disponível para ser lida no mesmo terminal de computador no qual escreveu o seu natimorto index, teve oportunidade de saber que tentar impedir o acesso a determinado conhecimento ou produção humana apenas os marcam espetacular e distintivamente para que, na primeira oportunidade, eles sejam lidos, assistidos, consumidos, e ademais, com muito mais voracidade.

No entanto, a falta de sagacidade de Constantino é apenas o index de sua própria patologia intelectual, que só aumenta à medida que a sua longa lista de obras a serem boicotadas e autores a serem amaldiçoados cresce. Para concluir, duas perguntas interligadas e uma única resposta. Será que o coxinha leu todos livros e artigos e assistiu a todos os espetáculos dos 767 intelectuais e artistas que indexou restritivamente, uma vez que isso é o mínimo que se espera de um crítico, ainda mais um tão radical? Em caso afirmativo, como ainda conseguiu escrever tamanha abjeção? Resposta: quando alguém quer proibir os outros de “lerem” o mundo livremente, é porque esse alguém já não é livre, e o que é pior, já não sabe ler o mundo.


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