O dado objectivo está no facto de nenhum dos partidos da governança habitual ter obtido maioria absoluta. O PP, no governo, que se encarregou das medidas de austeridade (mesmo sem troika), perdeu um terço dos votos e dos deputados; e o PSOE, na oposição, fez o seu pior resultado de sempre. Cresceram as novas forças à direita (Ciudadanos) e sobretudo à esquerda do PSOE (Podemos).
Comentadores preguiçosos explicaram que o “modelo bipolar” falhou por “imobilismo” e falta de “reformas” e acusaram de “populismo” e “falta de escrúpulos” as novas formações partidárias. Escondem com isso a base da questão. Como cá e na Grécia (e também em Itália ou em França com outros contornos), está a dar-se uma fractura nos apoios do tradicional bloco central de forças do poder, por deserção de boa parte das classes médias que o sustentavam. Isto é fruto da crise do capitalismo e das correspondentes medidas de austeridade, que retiram privilégios às ditas classes médias e as levam a descrer do regime partidário e de governo. Enquanto a crise durar — e não há sinais de que vá ter fim, bem pelo contrário — a tendência é para a acentuação desta fractura.
É claro que os partidos socialdemocratas como o PS ou o PSOE farão tudo para travar as perdas que os atingem e que, a continuarem, os conduziriam ao destino do Pasok grego. Precisam para tal de se distanciarem, o que lhes for possível, das medidas de austeridade mais duras e inventar um “virar de página” que renove no eleitorado as ilusões reformistas, antes que seja tarde.
A visita de Pedro Sánchez (líder do PSOE) ao amigo António Costa, nos começos de Janeiro, não escondeu os propósitos: formar uma “frente socialista europeia” contra a austeridade e... contra “os fenómenos populistas” que a crise produziu. Sabemos que o combate à austeridade que pretendem conduzir será sempre condicionado pelos limites que eles próprios se impõem: não atingir os privilégios do capital nacional, cumprir as exigências do capital europeu, subordinar os mínimos ganhos do trabalho à condição de haver ganhos maiores para o capital. Resta pois, como prato garantido desta “frente socialista”, o combate aos “fenómenos populistas” — entendendo-se, na gíria reformista, como “populista” tudo o que procure alimentar a indignação do povo contra o sistema de exploração.
Ora, é justamente esta indignação que cabe à esquerda anticapitalista incentivar. O que Portugal e Espanha precisam (e a Europa do sul em geral, por sofrer os maiores efeitos da crise e da austeridade) não é de uma frente reformista como a que Sánchez e Costa preconizam — é que se criem condições entre as forças anticapitalistas para uma união de esforços visando um combate comum.