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AmaranteComboioPortugal - Diário Liberdade - [Pedro Monterroso] Depois da Alemanha, visitar um pouco a Europa. A Europa que eu gosto mas, mais, os amigos que tenho aqui e ali. Depois de amigos e cidades, entre Berlim e Rennes, parti por final da Bretanha, do norte francês, para o Norte de Portugal.


Foto de Philip Stephen Richards (CC3.0)

Uma viagem cansativa, num autocarro cheio. Culpa minha, do meu "laissez-faire" português que, por desatentamente ter reservado o bilhete de avião para a data errada, para 1 de julho em vez de 1 de agosto, me fez tomar a decisão de vir de autocarro para Amarante, uma vez que Amarante, tal como muitas outras cidades, principalmente no norte do país mais desempregado, têm autocarros diretos para quase toda a Europa empregadora - digo França, Suiça, Luxemburgo, Alemanha.

Na viagem só oiço, e ininterruptamente, a senhora reformada que, não tivesse saído mais cedo que eu, em Vila Real, a teria ouvido toda a viagem. No banco, justamente atrás de mim, relata à boa alma que encontrou como vítima, a direta ouvinte, além de mim que levo com o monólogo por tabela, a sua vida ao pormenor. Entre outras coisas sobre o almoço e o jantar, o genro, a filha e os gatos, conta que vive em França por força das circunstâncias, para estar perto da família, perto de alguém com quem tem laços (a única filha que restava no país, a sua companhia, também teve que emigrar, ou melhor dizendo, mais uma expatriada que tal como todos nós também teve que seguir o rumo das marés). Queixa-se de Portugal, que se sente só nas férias, o que na verdade me dói por pensar nos meus, e apercebendo-me assim da necessidade da carência afetiva de tal pessoa, retiro até força à ironia que mais atrás expunha em relação à mesma. Conta que este é o seu país, onde tem todo o seu património, e o dos seus filhos para gerir, um património estacionado, encostado às boxes, de pessoas que não sabem quando vão voltar, mas que alimentam esse desejo cada vez que cá vêm.

Mas, enfim, se só está falava até então sem estribeiras, a fronteira traz algo de novo. Traz alegria.

O frenesim sente-se em crescendo e quase dá comichão - tal é a sua presença, e as piadas e os gracejos aumentam no autocarro. Desde lá da frente até cá atrás. Aparece no palco das vozes o homem engraçado, lá da frente, que diz o que quer, que fala do coração, como se este estivesse na boca. Emigrante da construção civil, que assumindo o caricatura popular atribuída aos emigrantes franceses – os "avecs", começa a contar que os avecs que hoje chegam são mais tesos que os portugueses que ficam e ri-se com isso. Coitados - diz. Diz num tom tal que me provoca de imediato o riso. Exclama também que vai comer feijoada de feijão branco, logo que chegue a casa. Ao que logo de seguida lhe perguntam: “e amanhã, o que vai comer – uma cabidela?” Responde alegremente que é uma boa ideia, que irá encher o badulho da gastronomia portuguesa e, à bom jeito nortenho, diz que nestes dias que cá passa irá foder (comer, em linguagem do norte) as galinhas todas. É o vernáculo de quem se sente à-vontade. São gargalhadas de quem chega, de quem está alegre, de quem tira a mordaça de uma língua que se habitua a ser estrangeira, que ri e que faz rir quem o entende português.

A mais pequena, atrás de mim, também graceja, e entretanto também começou a tagarelar mais do que nunca, contagiada e contagiante, começou a cantarolar os únicos versos que decor sabia e que estão no imaginário popular da música ligeira para os emigrantes – “Pelos caminhos de Portugal/ Eu vi tanta coisa linda (la la la la la)”. Por eles serem muitos, mais certamente que as mães que cá ficam, os operários da velha guarda, trazem no peito embora de jeito que poderá parecer ligeiro a nossa pesada palavra – a saudade. Sentimo-la, carregámo-la às costas como os pesados legumes sob as costas, que a velha, que de dentro do autocarro vejo, carrega da feira para casa, possivelmente até para a família que chega ou já chegou.

Saio do autocarro, na primeira paragem e o café por 55 cêntimos, bom, bem tirado, com a diferença de 2 euros no preço, relativamente à França. Abre-me mais o sorriso. Também eu serei um avec aos olhos dos trauseuntes. Todos os que chegam de autocarro de férias o são. E quem não é, hoje em dia?

Como dizia um bom amigo, em jeito de revolta, carregada de ironia, face à discussão sobre a diáspora portuguesa do século XXI, se os jovens todos saem, não é mais o seu problema, ele está farto e "o último a sair do país que feche a porta". Ele também saiu. Saíste tu, tu e tu. Saímos. Quem resta? Alguém realmente terá que fechar a porta. Mas quem ficou? Este povo que me faz rir, que me deixa bem disposto, que é alegre e simpático, que usa a força para o trabalho, não é um povo com medo de existir, como diria o senhor filósofo José Gil, mas sim um povo que parafraseando o Sérgio Godinho, constrói as cidades pr´ós outros, carrega pedras e desperdiça muita força por pouco dinheiro. Que força é essa amigo, que força é essa amigo, continua o cantautor.

Os países não têm portas. Não sei se último fechará a porta, porque ainda há alguns que ficam e sem favores políticos batalham cá. Gosto deles. São resistentes. Às vezes só resilientes. A esses tiro-lhes, na mesma, o chapéu e fico contente de os ver, quando o autocarro finalmente chega.

Tudo bem quando acaba bem. Afinal só foram 17 horas de viagem, estavam previstas mais 3.


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