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a voz dos mundos capa 250x372Galiza - PGL - A mais recente novidade da Através Editora é uma coletânea internacional de ficção científica, com autores da Galiza, do Brasil e de Portugal, projeto que vai ser editado também no Brasil na Mondrongo.


O tema central que guia os diferentes autores da coletânea é… a língua, como bem podia ser.

A Voz dos Mundos já está disponível nas livrarias e na loja on-line da Através.

Os coordenadores da coletânea são o galego Valentim Fagim e o brasileiro Paulo Soriano a quem entrevistamos agora no PGL.

Paulo Soriano é coeditor de Contos de Terror, um dos sítios especializados em literatura fantástica mais lidos em língua portuguesa, e editor de Ediçoes Virtuais TRIUMVIRATUS, e-editora especializada no gênero fantástico.

Entrevista: Paulo Soriano

A Voz do Mundos é uma coletânea internacional de contos de ficção científica com um nexo comum: as línguas. Um projeto deste teor podia ter surgido no Brasil, em Angola ou em Portugal mas surgiu na Galiza. Por quê?

A resposta o leitor há de encontrar na própria introdução ao livro, escrita por mim em parceria com o filólogo e ensaísta galego Valentim Fagim. Lá, após deixarmos assente que, malgrado haja nascido a língua portuguesa no antigo Reino da Galiza, hoje a variante galega de nossa língua continua a amargar intensamente o processo de substituição linguística em prol do castelhano. Este fenômeno, naturalmente, suscita profundas reflexões derredor das relações entre a língua e a sociedade. Hoje, quando felizmente se respiram maiores ares democráticos no Reino de Espanha, significativa parcela de galegofalantes sente, e a bem da preservação de sua língua e divulgação de sua cultura, a necessidade de interação com as demais nações de mesma língua. Natural, assim, que um projeto como o nosso tenha brotado justamente na Galiza. A Galiza – sente-se – precisa mostrar a sua face ao mundo e observá-lo melhor. É preciso que a Galiza deixe de perseverar apenas no exame de si mesma, já que existe um mundo imenso e oportuno lá fora. O problema linguístico galego transcende as fronteiras da Galiza. É algo que interessa a todo e qualquer falante do universo galego-português, seja ele de qualquer nacionalidade e esteja onde estiver. Por outro lado, e em contrapartida, cumpre que sobretudo Portugal e o Brasil reivindiquem – isto mesmo: reivindiquem – o galego como seu, como algo de sua pertença, intrínseco não apenas à sua natureza ou origem, mas à sua essência.

Julgas que o desafio de fazer ficção científica congregada em torno da Língua foi um desafio para os autores brasileiros e portugueses?

Sem dúvida. Primeiro, por se tratar de um tema novo. A língua eventualmente aparece em histórias de ficção científica, mas como coadjuvante. Em nosso livro ela é protagonista. Segundo, porque Portugal e Brasil são países em que não há conflitos linguísticos susceptíveis de serem trasladados e tratados no âmbito da ficção, onde tudo é possível. Quando se vive um conflito linguístico, a própria língua passa a constituir uma realidade cotidiana, de molde que a abordagem do tema se perfaz de uma forma mais fácil e espontânea.

Um relato como A nova constituição, de Ângelo Brea, que pode mostrar a um leitor do Brasil? Será que a problemática que encerra fica muito longe da realidade brasileira?    

Apesar dos mais de oito milhões de quilômetros quadrados, o que faz do independente Brasil maior que a parte continental da Oceania, nele se fala apenas o português, ressalvadas algumas respeitáveis minorias, autóctones ou estrangeiras. No Brasil, o português não sofre ameaças, malgrado as tradicionais e históricas infiltrações anglo-francesas no vocabulário. O oposto se dá na Galiza, país de pequenas dimensões, sem independência política, e assediada, secularmente, por todos os lados, e de cima e por debaixo, pela incansável pressão castelhana. Natural, portanto, que a problemática condutora da narrativa do conto de Brea seja bem estranha aos ouvidos brasileiros. É interessante notar que alguns de nossos colaboradores, a princípio, imaginaram que teríamos uma edição bilíngue. E tal se deu porque ignoravam a identidade linguística entre o galego e o português. Talvez o conto de Brea concorra para desfazer este equívoco e, ao mesmo tempo, embora a narrativa se passe num momento futuro, para mostrar às demais nações a realidade linguística da Galiza atual.

A Voz dos Mundos é uma co-edição galego-brasileira com uma parceria entre uma editora galega, a Através, e uma outra brasileira, a Mondrongo. Não é habitual este tipo de coordenações. Em termos pessoais, que implica para ti, grande entusiasta da Galiza?

Enche-me de satisfação e orgulho participar de um projeto que, aparentemente singelo, tem uma importância cultural transcendente. O galego é a parcela segregada do universo da língua portuguesa. É o “pedaço de mim”, é a “metade amputada e mim”.Temos aqui uma contradição imensa, jamais vista, creio, em qualquer lugar do mundo e em qualquer momento da sua história: a Galiza pare a língua, amamenta-a, seu rebento cresce, amadurece, enrica-se, espalha-se no mundo todo e depois… repudia-se a mãe… Contribuir para pôr os pontos nos ii, para deixar bem claro que a língua portuguesa tem diversas variedades e que a mais antiga delas é justamente o galego é um sonho que agora se realiza. E de uma forma que convém plenamente aos meus gostos e esforços literários: por via de um livro de ficção científica reunindo ótimos autores de ambos os continentes. E editores, também.

Que tipo de textos vamos encontrar nesta coletânea no que diz respeito à temática científica? Apenas Robótica, Física e Cibernética?

Este é um assunto que também logrou abordagem no introito à coletânea. Lá, eu e Valentim registramos que na moderna ficção científica há espaço para outros ramos do conhecimento científico para além dos tradicionais, como a Física ou a Robótica. Em nossa coletânea, encontraremos, sim, temas tradicionalmente explorados na ficção científica. O conto de Roberto Causo, por exemplo, tem por protagonista um ciborgue adolescente. Há naves espaciais e alienígenas em diversas das narrativas. Mas o nosso livro louva-se, também, da peculiar abordagem de outros ramos do conhecimento humano, como a Arqueologia, a Paleografia e – naturalmente – a Linguística. Não direi mais, para não subtrair a surpresa ao leitor.

Por que um apreciador brasileiro da ficção científica deveria ler A Voz dos Mundos? E porque um apreciador da Galiza?

Ler ficção científica é sempre muito bom, sobretudo quando subjaz algo a mais. Temos boas histórias, algumas escritas por experientes escritores no gênero. Mas, como dissemos, há algo mais. A língua portuguesa é deliciosa e pode ser apreciada em vários sabores, conforme as peculiaridades dos temperos locais. Um leitor brasileiro experimentará o sabor galego, levemente arcaico e com um quê de melancolia, aqui e acolá. O galego degustará a descontração e espontaneidade, algo lúdicas, brasileiras. E ambos desfrutarão da tradicional sobriedade lusitana. Creio que o leitor curioso, brasileiro ou galego, ao passo em que viverá as emoções emergentes das histórias de ficção científica, ficará encantado com a diversidade de nossa imensa língua, e com todas as delícias que a diversidade proporciona. Nossa língua é bem mais rica, magnificamente mais rica, que a mais poderosa de nossas vivências e imaginações.


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