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348px Keiko Fujimori 2busPeru - Diário Liberdade - [João Guilherme A. de Farias] Segundo Jesus Ibañez Ojeda, Keiko representa o verdadeiro retrocesso para o Peru.


Foto de Congreso de la República del Perú (CC by 2.0) - Keiko Fujimori.

Nas últimas décadas, diversos países da América Latina presenciaram o que a ciência política convencionou chamar de “onda rosa”, termo que remete ao cenário político vivenciado ao longo dos anos 1990, na Europa, pelos partidos de centro-esquerda.

A “onda rosa”, na América Latina, designa essencialmente a ascensão das “novas esquerdas” nos governos nacionais ao longo da primeira década dos anos 2000, tendo como marco inicial a eleição do presidente Hugo Chávez, na Venezuela, em 1998.

Em análise de conjuntura bastante pertinente, feita ainda em 2010, o cientista político Fabricio Pereira, não apenas demonstrou os elementos (redemocratização e o fim da Guerra Fria, com o consequente refluxo da política norte-americana) que proporcionaram essa onda na América Latina, como apontou também os seus limites, indicando ainda o surgimento de uma “nova direita” e de uma “terceira força”, sendo esta “uma nova versão do autoritarismo latino-americano” [1].

O Peru, igualmente, foi atingido por essa “onda”. Em 2011, Ollanta Humala, com o apoio da esquerda e das massas populares, foi eleito presidente, colocando fim ao segundo mandato de Alan García (1985-1990 e 2006-2010), responsável, entre outras coisas, pela assinatura do tratado de livre comercio com os Estados Unidos.

Ollanta, porém, fracassou. Além de dar continuidade à assinatura de diversos acordos com os Estados Unidos em áreas estratégicas, como defesa e comércio, a desnacionalização da produção tem acarretado a precarização do trabalhador peruano.

No próximo dia 10, o Peru enfrenta novas eleições, num cenário conturbado, tomado por altos esquemas de corrupção de campanha eleitoral e pela controvertida figura de Keiko Fujimori, cuja vitória seria a expressão em potencial daquilo que Fabricio Pereira já apontava em 2010 como sendo a “nova” versão do autoritarismo latino-americano.

Para falar com mais detalhes sobre o tema das eleições e da política peruana das últimas décadas, contamos com a contribuição do peruano Jesus Ibañez Ojeda, que é pedagogo, sociólogo e cientista político, mestrando em Integração Contemporânea da América Latina pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana, onde desenvolve estudos sobre Integração, Estado e Sociedade na América Latina, além de fundador da Sociedade para a Cooperação e Desenvolvimento Latino-Americano (Socodela) e consultor para campanhas políticas e estratégias eleitorais.

Comente um pouco o que foi o “autogolpe” de 1992 e quais foram os seus efeitos para a população Peruana.

Jesus Ojeda: foi um golpe à democracia peruana. Começamos com um período ditatorial no qual as Forças Armadas interviram nos meios de comunicação, passando por cima da constituição, dos poderes estatais, fechando o Congresso Nacional, decretando prisão domiciliar aos líderes de oposição, dentre os quais o presidente do Senado. As sedes dos partidos políticos também foram tomadas pelos militares, instaurando um regime autoritário. A consequência desse movimento foi uma nova forma de poder legislativo. O antigo Parlamento tinha duas Casas (dos deputados e dos senadores), totalizando 240 representantes, os quais foram substituídos por um corpo legislativo único de 120 membros. Este corpo legislativo único foi encarregado de elaborar a nova Constituição, que estabeleceu as novas “regras do jogo”, em última instância, ditadas por Alberto Fujimori, sobretudo em matéria econômica e de segurança nacional. Com o novo texto constitucional aprovado, deu-se seguimento à privatização das principais empresas estatais, tendo como consequência, a redução dos funcionários da administração pública pela metade, além da redução dos gastos estatais com políticas públicas e da desregulamentação do mercado de trabalho.

O que representa para o povo peruano a candidatura e eventual vitória de Keiko Fujimori, filha do ditador Alberto Fujimori?

Jesus Ojeda: representa a corrupção nos poderes estatais, ou seja, um retorno à década obscura do governo de Alberto Fujimori, seu pai, além de uma retomada das políticas económicas neoliberais por ele introduzidas no Peru.

Mais que isso, ao que você atribui a liderança de Fujimori no pleito eleitoral?

Jesus Ojeda: se observa claramente uma compra de votos, principalmente em virtude de ações oportunistas que buscam demonstrar sua suposta simpatia para com as população pobres, o que nos faz relembrar da estratégia política utilizada por seu pai, Alberto Fujimori.

Nos países da América Latina em geral, com certa exceção à Argentina após a aprovação da Lei de Mídias, os conglomerados midiáticos têm se prestado aos interesses do grande capital, como você avalia o papel da mídia nas eleições peruanas e sobretudo em relação à candidatura de Keiko Fujimori?

Jesus Ojeda: o poder dos meios de comunicação e o seu importante papel na criação de opinião pública é um fator determinante para a reprodução deste sistema “sem rosto humano”. Nestas eleições, os meios de comunicação estão oferecendo seu apoio à candidata Keiko Fujimori, que representa o retrocesso para o nosso país em matéria económica, política, educacional e cultural.

É possível traçar um perfil eleitoral a partir da divisão geográfica peruana (Mar, Serra e Selva)?

Jesus Ojeda: é possível vermos uma região muito fragmentada. No Sul, por exemplo, há o que podemos chamar de “voto de protesto”. Ali, o apoio dos eleitores é direcionado a candidatos como Gregorio Santos e Veronica Mendoza, devido ao seus programas voltados para o meio ambiente e o respeito para com as consultas populares.

Partidos de tradicional importância na formação do pensamento político-ideológico latino-americano, como o Partido Comunista Peruano, declaram apoio à candidata Verónika Mendoza. Como você avalia as chances de Verónika inclusive numa disputa de segundo turno?

Jesus Ojeda: na atualidade, Veronika Mendoza está reunindo votos que representam o desejo por mudança, ou seja, “votos de protesto” por parte da população que considera que o crescimento econômico apenas beneficiou os grandes monopólios transnacionais. Sua fala carrega a mensagem de diversificação da planta produtivo, evitando assim uma dependência dos preços dos minerais, contribuindo para o desenvolvimento de outras atividades econômicas, como o turismo, a agricultura e a manufatura. Desse modo, pretende atacar a pobreza, redistribuindo as receitas via políticas públicas. As pesquisas colocam Veronika em 3º lugar no pleito eleitoral. Os próximos dias serão, portanto, decisivos para percebermos se de fato tratam-se de pesquisas transparentes ou, ao contrário, de cifras fraudulentas, que buscam apenas beneficiar os dois primeiros candidatos e, assim, influenciar o comportamento do eleitorado rumo a propostas pautadas na continuidade de um mesmo modelo econômico ortodoxo.

Pedro Pablo Kuczynski, o “gringo”, é outro nome em potencial para a presidência. O que se poderia esperar com uma eventual vitória sua?

Jesus Ojeda: estamos frente a um candidato que representa os interesses das empresas transnacionais. É o que demonstrou a sua experiência como funcionário do governo de Fernando Belaunde e Alejandro Toledo, sendo neste último relembrado pelo caso do “gás de camisea”.

Na sua avaliação, o empresário Alfredo Barnechea e o ex-presidente Alan García têm alguma chance nas eleições deste ano?

Jesus Ojeda: Alfredo Barnechea tem um eleitorado importante, que o apoia principalmente por questões relacionadas às renegociações do “gás de camisea”. Penso que a aliança levada a cabo por Alan Garcia e Lourdes Flores Nano (líder do PPC), não funcionou. São muitos os caos de corrupção que pesam sobre Alan Garcia, como indutos para acusações de narcotráfico e o seu envolvimento na Operação Lava Jato, todos bastante presentes na memória dos eleitores.

O afastamento de Júlio Guzmán e Cesar Acuña causa algum impacto nas eleições do próximo dia 10? Como você avalia a questão da corrupção na campanha dos demais candidatos?

Jesus Ojeda: acredito que a reforma do sistema eleitoral peruano é urgente e necessária. Somente assim podem ser criadas condições democráticas para que a lei se aplique de forma igualitária a todos os partidos políticos. Por exemplo, é inaceitável casos como o do juiz eleitoral (em espanhol Jurado Eleitorado Especial (JEE)) Lima Centro, que decidiu não excluir a candidata presidencial da Força Popular, Keiko Fujimori, ao considerar que esta não infringiu a lei de Organizações Políticas durante sua campanha eleitoral, quando na verdade pelas redes sociais, circularam vídeos e fotos nos quais a candidata fazia alusão a compra de votos. No que diz respeito a saída de Guzmán e Acuña, esta representa um questionado processo eleitoral no Peru.

Os último dias têm sido de grande mobilização nacional contra a candidatura de Fujimori, como você avalia o impacto dessas manifestações nas eleições? Elas continuarão?

Jesus Ojeda: no dia 5 de abril milhares de peruanos despertaram. Foram para as ruas dizer não à candidatura de Keiko Fujimori. Foi uma verdadeira demonstração de dignidade do povo peruano. A marcha, que foi organizada pela Coordenação Nacional de Direitos Humanos, pelos coletivos IDL e “Não a Keiko”, lembrou o “autogolpe” promovido por seu pai, Alberto Fujimori, à nossa democracia. O impacto das manifestações é positivo, pois que logrou colocar em evidência a completa falta de veracidade das pesquisas eleitorais, as quais vêm sendo objeto de clara manipulação. Além disso, vemos que os peruanos não esqueceram da violência aos direitos humanos cometida no governo de Alberto Fujimori, como indica a Comissão da Verdade e da Reconciliação.

É popularmente conhecido o proverbio peruano que diz: “o Peru é um mendigo sentado sobre um saco de ouro”. Poderia comentar um pouco esse proverbio e sua relação com a política peruana dos últimos anos? Você acredita que a depender dos resultados das eleições no Peru, seja possível esperar alguma mudança nessa estrutura?

Jesus Ojeda: a sociedade civil, na medida em que esteja empoderada do processo de governabilidade democrática, constitui-se como pilar fundamental no desenvolvimento da implementação das políticas sociais que buscam reduzir as brechas de desigualdade e pobreza, principalmente nas zonas rurais. O desafio do novo governo é aproximar o Estado da sociedade, com a promoção efetiva de serviços básicos, garantindo níveis de participação cidadã, executando programas de desenvolvimento de capacidades da população vulnerável. Somente na medida em que o Estado passe a se preocupar com o fortalecimento dos espaços de participação cidadã para o desenvolvimento local, regional e nacional, se promoverá uma democracia participativa com bases sólidas e surgirão ideias que canalizarão as demandas, propiciando consenso sobre um modelo de desenvolvimento que se quer para a população. Nesse sentido, as autoridades devem estar preparadas, em capacitação constate para o exercer com eficácia a gestão pública e, dessa maneira, construir uma sociedade mais justa, equitativa, na qual se tenha como centro o desenvolvimento da pessoa humana. O peru é uma região muito rica em recursos naturais, mas muito desigual na sua distribuição. Precisamos, com urgência, diversificar nossa economia para que não seja ela baseada apenas na exploração mineral. É necessário desenvolver setores como a agroindústria e o turismo. Por outro lado, se deve pensar na conformação de um novo texto constitucional, que represente os interesses da maioria, excluídos pelo atual sistema econômico. Num país com tamanha variedade de recursos naturais, não é possível que as brechas de desigualdade e pobreza não se reduzam, em especial nas zonas rurais, onde a presença do Estado é mínima. Finalmente, insisto a nossas próximas autoridades que olhem para toda localidade que aspire a crescer econômica e socialmente. O governo tem que intervir nas políticas de infância e juventude, garantindo saúde e educação, multiplicando oportunidades desde cedo, para incentivar ao máximo possível todo o potencial humano do qual são portadores. Estamos convencidos que para o desenvolvimento de um país, é necessária a intervenção do Estado por meio de estratégias de combate à pobreza desde a infância. Não é possível que os recursos naturais do Peru estejam em mãos de poucos. Nos referimos às grandes empresas nacionais, que estão gerando injustiça social. Em pleno século XXI, a exploração das grandes corporações financeiras substituem o papel outrora ocupado pela colônia espanhola. Para independência social e econômica dos nossos povos originários, faz-se necessário um Estado que tenha soberania sobre os seus próprios recursos naturais. O panorama que se apresenta é muito desolador e preocupante. As próximas autoridades terão um trabalho árduo para concretizar políticas a favor das comunidades que reclamam por justiça social. No Peru, se impõe modelos de uma classe que é pequena, mas dominante. Há casos de transnacionais vinculadas com o Estado na promoção de um modelo político, social e econômico divergente do que é realmente necessário às necessidades das comunidades.

João Guilherme A. de Farias frequantou o curso de Ciência Política e Sociologia da Universidade Federal da Integração Latino-Americana. É estudante de Direito e pesquisador da PUC-SP. 

Notas:

SILVA, Fabricio P. Até onde vai a “onda rosa”? in: http://www.plataformademocratica.org/Publicacoes/22129.pdf


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