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Ilka Oliva Corado

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Crónicas de uma inquilina

Infâmia da ultra-esquerda ao progressismo latino-americano

Ilka Oliva Corado - Publicado: Segunda, 15 Fevereiro 2016 17:06

Por culpa de Chávez e de sua necessidade de reviver uma Revolução Bolivariana que só vivia nas nostalgias dos avós, na burla dos traidores e nas canções dos trovadores, nasce uma nova revolução; oxigenada, com novos brios, com incontáveis anseios, que parecia impossível e estéril, considerando-se o incisivo ataque imperialista no continente.

Entretanto, assim como Gore, cujo ativismo ecológico imporia limites crescentes ao voraz capitalismo americano, mas que, por isso mesmo, foi deposto peremptoriamente de sua vitória, não estará Sanders outrossim condenado à derrota, ainda que angarie a maioria dos votos populares, uma vez que seus ativismo político-econômico de espectro socialista ameaça com análoga intensidade as ambições capitalistas? Não nos esqueçamos de que Sanders, em 1981 quando eleito prefeito de Burlington, cidade do pequeno Estado de Vermont, foi chamado pelos jornais de “O primeiro prefeito socialista da América”.

Seja em 1981, seja em 2016, Sanders não faz questão alguma de se descolar desse rótulo socialista, muito embora sua plataforma seja tipicamente social-democrata. Além do mais, atualmente dividindo palanques com figuras como Donald Trump e Hillary Clinton, Sanders surfa na sua fama socialista a ponto de fazer as vezes de o Robin Hood norte-americano. No entanto, essa poderosa e revolucionária característica pode ser o seu maior calcanhar de Aquiles. Afinal, em se tratando da presidência da maior potência econômica do planeta, nada que seja verdadeiramente inconveniente aos ditames do capital, como por exemplo a frase de Sanders na sua vitória na primária de New Hampshire, qual seja, “o governo pertence ao povo, não a um punhado de bilionários”, é conveniente, a não ser em forma de utopia.

Porém, como os votos dos americanos a Gore em 2000 e as intenções de voto à Sanders em 2016 deixam bem claro, utopias são fundamentais! Embora o significado comezinho de utopia aponte para fantasia, devaneio, ilusão -o que não lhe atribui potencial revolucionário algum-, desde o século XVI, quando Thomas Moore juntou os termos gregos “Ou” (não) e “Topos” (lugar), utopia passou a dizer “em lugar nenhum”. Por isso, o que é utópico não é necessariamente inexistente, fantasioso, ilusório, mas pode ser também algo real, factível, que, entretanto, só não encontrou ainda lugar para ser. A utopia ecológica de Gore, infelizmente, não deixou de ser uma ilusão até hoje, como a marcha da destruição da natureza deixa bem claro. Já a utopia socialista de Sanders ainda é fiel à definição de Moore, e, quem sabe, pode encontrar lugar no mundo. Aliás, já não está encontrando?

Ora, se o real da política norte-americana –mas não só o dela- é o lugar de doações empresariais milionárias às campanhas políticas, a recusa à essa vil fonte atuada por Sanders, que só aceita doações de cidadãos, e no valor máximo de US$ 3, outra coisa não é que uma utopia que encontrou lugar para existir. Outras propostas de Sanders, que a princípio soam utópicas, mas que, oxalá, podem encontrar lugar na realidade, são: resgatar a democracia das mãos dos milionárias e lobistas; aumentar impostos para os mais ricos; fazer Wall Street bancar o ensino gratuito nas universidades públicas; quebrar os grandes bancos em instituições menores; criar imposto à especulação financeira; instituir um sistema público universal e gratuito de saúde; legalizar imigrantes; combater o preconceito e a discriminação às mulheres, aos negros e às pessoas LGBT; só para citar algumas ideias que, para o $istema, é melhor que sejam utopias no sentido corriqueiro do termo.

Entretanto, ainda que a utopia de Sanders pareça um devaneio, é exatamente ela que a população americana mais está querendo que encontre lugar de existência. Nessa onda utópica, Sanders catalisa como nenhum outro candidato a insatisfação popular, dando novo fôlego à velha luta pelos direitos civis que brilhou nos anos 1960, mas que hoje está tão ofuscada, obesa e sedentária quanto o capitalismo precisa que ela esteja. Para animar essa apatia cética, Sanders tenta fazer um novo movimento de massa com o povo americano para produzir uma revolução política que dê cabo da $órdida $ituação que $itua centralmente os interesses capitalistas e que $itia perifericamente os interesses populares.

Agora, não deverá nos surpreender se Sanders tiver a maioria dos votos populares e ainda assim não assumir a presidência dos EUA, uma vez que, como Gore exemplifica melhor que ninguém, a escolha do presidente dos Estados Unidos, na verdade, se dá nas secretas reuniões dos colegiados eleitorais americanos, que outra coisa não devem ser que “lounges” absolutamente gentrificados nos quais petrolíferas e bancos privados decidem verticalmente o que e quem é mais conveniente para eles. Assim como ativismo ecológico de Gore não era conveniente para os peixe$ grande$ de 2000, o ativismo social de Sanders não deve ser menos inconveniente para os lobo$ voraze$ de 2016. Há 16 anos, a virtude ecológica de Gore “foi deposta” pelo vício bélico-imperialista de Bush filho, o idiota. E hoje, a virtude socialista de Sanders sucumbirá diante do vício xenófobo-liberal de Trump, o palhaço?

Foi porque Al Gore tinha em mãos a mais pura verdade –a necessidade da preservação da natureza a despeito dos interesses econômicos- que ele foi considerado absolutamente inconveniente pelo $istema de há década e meia. O fato de não ter sido empossado apesar da maioria de votos populares é a prova cabal e antiecológica disso. Sanders, por sua vez, e a sua popularíssima verdade social-democrata, são outrossim inconvenientes ao $istema, cuja sordidez nos leva a crer inclusive que se o atual Robin Hood americano findar realmente com a faixa presidencial no peito, é porque ele não é tão verdadeiro nem tão Robin Hood assim. Se Bernie Sanders, em troca, findar como Gore, isto é, nas próprias palavras de Gore, como o “ex-futuro presidente dos Estados Unidos da América”, então teremos certeza de que ele “era” absolutamente verdadeiro e conveniente.


Demasiado anseio o daquele homem que como pária, quando criança vendia doces de mamão… Demasiada ilusão quando se sabe do neoliberalismo bem articulado pós ditaduras. A façanha não ficou na promessa, ele tornou-a realidade e com isso ganhou o ódio da oligarquia internacional e dos próprios Estados Unidos que, apesar de suas tentativas, não pôde fazer nada para que esse rebelde não saísse do seu curral. Daí para a realidade…

Não se pode falar do progressismo latino-americano das últimas décadas sem mencionar Hugo Chávez, pois esse garoto vendedor de doces foi o propulsor do que é hoje a Revolução Chavista. Qualquer analfabeto político, desleal e pretensioso dirá que aquela revolução foi um embuste de outro ladrão – oligárquico – vestido de povo, mas a realidade é outra. Não à toa os Estados Unidos catalogam a Venezuela como perigo para sua política (ambição) e tanto é assim que Obama assinou uma famosa Ordem Executiva, abrindo caminho para uma possível invasão militar.

Daquelas entranhas fecundas nasceram os governos progressistas da região, como algo inverossímil, por sua excelência e por seu amor a esse povo insultado, que outros venderam ao melhor comprador. São rebentos que apostaram na integração do ponto de vista particular da nova era, distante da recalcitrante ultra esquerda altiva, fracassada (por sua inconsequência política e seu individualismo) e em muito desertora que, em sua ânsia de desprestigiar os governos democráticos de Néstor, Cristina, Lula, Dilma, Lugo, Mujica, Evo, Correa (e, em seu momento, Bachelet) pôs-se à mercê da direita oligárquica e aos pés dos Estados Unidos imperialista, dando punhaladas pelas costas. Não, a direita não precisa comprar detratores, bastam eles.

E é preciso ver as coisas em perspectiva: a ultraesquerda apresenta candidatos nas eleições e não consegue, mas (nem o gol da dignidade) nem espantar as moscas. (E podem dar mil pretextos, mas o certo é que a verdade dói). Falando especificamente da América do Sul, quando ficou fora da disputa, a fim de derrubar os governos progressistas, foi capaz de pregar o voto nulo, facilitando com isso a passagem ao neoliberalismo na região. É possível ser mais traidor, sendo de esquerda? Ou seja: ou ganhamos nós ou que se fodam todos. No fim o que menos importa a essa ultraesquerda é o povo, enquanto para os governos democráticos o povo é o motor, é o povo que os apoia. Porque estes governos trabalharam contra a desigualdade, a pobreza e a miséria. Claro que os governos progressistas são populares: que outra coisa poderiam ser?

Essa ultraesquerda tão patriarcal e conservadora como a ultradireita (o cúmulo dos cúmulos) também é misógina e exerce à perfeição a violência de gênero com um halo de intelectualidade política. É preciso ver os ataques que fez ao longo dos anos a Cristina, Dilma e Bachelet. Tomando como pretexto decisões, forma de vestir, forma de falar, aparência física das presidentas para atacá-las e insultá-las como mulheres. É possível ser pior nesta vida? Que tipo de esquerda é essa que supostamente aposta na igualdade social mas é contra a equidade de gênero? Que supostamente aposta na inclusão, mas que exclui toda contribuição do gênero feminino se este demonstra inteligência, opinião própria, coragem e capacidade. O que esperamos desta ultra esquerda que nos marginaliza? Qual é a esperança para um mundo equitativo em todos os sentidos? Da ultra esquerda é que jamais virá essa mudança.

Muita responsabilidade tem a ultra esquerda nesse retrocesso latino-americano porque não aceita nenhum outro pensamento que não seja o recalcitrante que a nutre. É preciso fazer uma auto-avaliação, pelo próprio bem e o do povo, que tem que ser a razão de ser dessas lutas. Essa ultra esquerda onde militam muitos editores, jornalistas, intelectuais, sociólogos, politicólogos, personagens que têm em suas mãos a oportunidade de censurar todo pensamento que não seja igual ao deles. Aliás, fazem isso: censuram com toda a cólera, com toda a inveja, com todo o desprezo por articulistas que defendem as conquistas do progressismo latino-americano.

E nem falar se nesse texto fala-se bem de Cristina e Dilma; aí vem a dose extra de misoginia. Uma das lutas principais de toda pessoa com consciência social deve ser a da liberdade de expressão. Mas se vamos censurando por aí quem não pensa como a gente, a verdade é que não temos nada a invejar à ultradireita; mais arremedos seus é o que somos e o que é pior, a partir de uma esquerda que deu à América Latina muitos filhos honrados e um mar de mártires que esses sim, foram consequentes.

Essa ultraesquerda repudia e boicota as conquistas do MERCOSUL, da Unasul, da Celac, dos Brics. E nem falar do Banco do Sul e do Conselho Sul-americano de Defesa. Por que? Porque são conquistas dos governos progressistas. Temos que aceitar que não somos os donos do mundo, que há mais vertentes, que há distintas formas de pensar e que, enquanto nos levarem para o mesmo objetivo que é a libertação dos povos, é nosso dever humano fazer parte dessa frente porque todas as contribuições são necessárias

Enquanto os governos progressistas fazem frente a toda hegemonia imperial estadunidense, a ultraesquerda coloca campos minados para tentar ganhar terreno, abatendo os únicos que nos últimos anos conseguiram frear o avanço do neoliberalismo na região. E digamos que foi uma luta contra a corrente. Temos o Plano Condor sobrevoando-nos a todas as horas, tentando reinstalar-se por inteiro; chovem em cima de nós golpes brandos e guerras econômicas, com a ajuda de uma mediatização mundial que faz dos meios de comunicação a melhor ferramenta para polarizar as massas.

E a ultraesquerda ainda vem com seu mau humor meter o pau naqueles que se expuseram por todos. Ora, não encham.

Estão deixando o continente no esqueleto, puseram bases militares em países que já são colônias estadunidenses. Vejamos a Argentina e o avanço para uma ditadura Macrista, depois de um mês e dias de instalado o novo governo, vejamos a direita na Assembleia Nacional na Venezuela, vejamos a militarização provocada pelos Estados Unidos a partir da fronteira sul, alcançando todo o México, passando pela Guatemala e por Honduras. Essa ultraesquerda que critica a Nicarágua mas não reconhece que apesar de tudo é o país mais estável da região. Vemos o ataque a Evo, a Correa, e a ultraesquerda nem se abala.

Essa ultraesquerda que ignora o ataque imperial, que não utiliza os meios a seu alcance para fazer frente à invasão estrangeira, que prefere um novo Plano Condor a reconhecer o avanço dos governos democráticos progressistas da América Latina. O povo não precisa de inimigos, já os tem e são aqueles que supostamente o defendem desde essa rançosa ultraesquerda latino-americana. Sejam capazes de renascer, de podar-se, de deixar esse pensamento patriarcal e individualista e unam-se à defesa da Pátria Grande de uma vez por todas. Do contrário afastem-se e não atrapalhem que aqui há um povo e governos progressistas que sim defendem essa Revolução Bolivariana que um garoto vendedor de doces transformou na esperança dos parias.

Nota: com essa ultraesquerda exemplar, tão ou mais recalcitrante que a direita, depois se perguntam porque triunfou a Operação Condor na América Latina e continua a invasão estadunidense na região.  Claro que há exceções, nunca se deve generalizar.

*Tradução de Ana Corbisier no Diálogos do Sul.


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