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galegoGaliza - PGL - [Heitor Rodal] Uma das vantagens que fornece estudar diferentes línguas é que isto abre as portas para apreender novos conceitos e modos de ver o mundo e classificar as ideias, conceitos e cousas. Aliás, não é segredo nenhum que para apreciar bem qualquer objeto é preciso tomar perspetiva de fora do objeto observado.


Pois bem, isso é exatamente o que acontece com a aprendizagem de línguas: aprender uma língua nova possibilita, entre outras muitas cousas, observar a própria de fora e descobrir nela aspectos e características que passariam desapercebidas apenas observadas de dentro. Ou, dito doutra maneira, para ser capaz de definir um aspecto dalguma cousa é preciso conhecer o contrário ou, no mínimo, ver outras possibilidades sobre a mesma questão.

Toda esta introdução vem a conto dos verbos frasais, que, como todos os estudantes de inglês sabem, é um dos elementos mais chamativos e definidores da língua inglesa. Tanto é assim que para ter um domínio aceitável da língua é preciso conhecer, dentre as intermináveis listas que os recompilam, quando menos os verbos frasais mais habituais: to look, to look at , to look like, to look to, to look after, to look for, …

Para além do fenómeno particular, o que interessa aqui é que podemos dizer que os verbos ingleses, isoladamente, não teriam um significado intrínseco imutável, senão que este viria determinado em cada circunstância polas partículas (preposições, etc…) a acompanhá-los e que isso implica também uma compreensão muito mais sistémica, contextual e flexível da língua, como os dicionários anglo-saxões se esforçam em recolher [1].

Pensando nisto sempre me perguntei se não haveria tal também em galego. A questão é que cada vez que tenho indagado nesta questão a resposta que recebim foi que o que há em galego são “verbos preposicionais”.

Então, o primeiro que se precisa é entender qual a definição e a diferença entre uns e outros.

As definições viriam ser estas:

 

  • Verbos preposicionais: são aqueles que vão, ou podem ir, acompanhados por uma preposição sem que isto altere em grande medida o seu significado.

 

Ex: guindar / guindar com ; chamar / chamar por …

 

  • Verbos frasais: são aqueles que, acompanhados por outras partículas ou elementos linguísticos (preposições, nomes, verbos, etc…), mudam o seu significado que emerge, não da soma dos significados particulares de cada elemento da frase, mas da combinação específica e global de todos eles. [2]

 

Mas, será que em galego-português existe realmente tal cousa?

O certo é que, como neófito, procurando informação sobre o assunto não é possível atopar grande cousa: alguma breve resenha sobre algum uso frasal no Brasil [3] e bem pouco mais.

Pois logo, como muito amiúde nestes casos, é preciso recorrer ao acervo familiar e pessoal [4] e ver o que é que se pode apanhar e extrair a partir daí. Vámos lá.

Por exemplo:

 

  • Mandou o filho
  • Mandou no filho
  • Mandou polo filho

 

Acho que é evidente para qualquer falante medianamente competente de galego-português, no mínimo da Galiza [5], que há aí uma mudança substancial no significado das três frases [6].

E, como este caso, ainda poderia acrescentar de cor uns quantos mais [7]. Quiçá nem sejam tantos, mas sim que posso dizer que tenho para mim que na língua dos nossos maiores havia um recurso maior a esta possibilidade de combinar de diferentes maneiras os verbos com as preposições e outros elementos para matizar as mensagens e que isto dava uma maior profundidade e sabor à Língua

Tudo isto não prejulga, não obstante, outras explicações diferentes ou complementares como a que apresenta Teresa Moure sobre o mesmo fenómeno num artigo publicado já há anos na ‘Revista Galega de Filoloxía’ [8].

Entendo, porém que há casos como alguns dos apontados anteriormente em que não se pode negar uma mudança substancial no significado do verbo e, portanto, a característica frasal dalguns deles.

Afinal e para além dos casos ou do fenómeno particular o importante é, como já foi dito, a visão e a compreensão da língua que subjaz por baixo desta abordagem, onde a língua seria um fenómeno mais dinâmico e contextual do que estático e pautado. Liga isto talvez com o exprimido em reiteradas ocasiões polo Ernesto Vasquez Souza, quando afirma que o galego é uma língua de alto valor ou conteúdo contextual em comparação com outras línguas, como o francês e o espanhol, com uma visão mais racionalista e estática [9]. E isso condicionaria igualmente o jeito em que as diferentes sociedades tratam e se relacionam com a própria Língua, com uma visão muito mais academicista e rígida em países como a França ou a Espanha, e uma visão muito mais flexível e dinâmica nos países do âmbito anglófono.

Pois bem, penso que seria bom que tanto os dicionários quanto as gramáticas da Língua recolhessem na sua justa medida estas características, tal como fazem os anglo-saxões e como é possível alviscar já nalguns verbetes dos nossos dicionários [10].

 

Notas: 

[1] Amiúde para a desesperação daquele pouco iniciado na língua na procura de tentar enxergar qual o significado certo, dentre todos eles, que deve assignar ao texto que está a ler.

[2] Repare-se que esta propriedade emergente ‘imprevista’ dificulta muito p. ex. a tradução automatizada de textos, toda vez que é preciso conhecer cada combinação específica de palavras que dá lugar a um significado determinado diferente.

[3] p. ex. : “cai fora!”]

[4] Permitam a licença: sirva como analogia aqui o caso do Apalpador, Apalpa-Barrigas ou Pandigueiro, completamente desconhecido na literatura académica oficial, e que tivo de ser finalmente documentado por entidades de base mália a –ainda persistente– indiferença académica sobre a questão.

[5] Não descarto aqui possíveis diferenças geográficas na língua e igualmente no uso de verbos frasais, tal e como acontece no inglês.

[6] Assim:

 

  • Mandou o filho [mandar + algo/alguém] -> enviar
  • Mandou no filho [mandar em algo/alguém] -> governar
  • Mandou polo filho [mandar por algo/alguém] -> reclamar

 

[7] dar / dar em ; mirar /mirar por ; tirar / tirar com ; reparar / reparar em ; fazer / fazer com que …

[8] Teresa Moure, (2010) Mallando nos Complementos directos: un ornitorrinco na sintaxe do galego ‘Revista Galega de Filoloxía’ 2010, 11: 79-103. ISSN: 1576-2661

[9] Ernesto Vasquez Souza (2012) A posiçom dos clíticos em galego-português : exegese sentimental Através, 2012. – P. 181-185

[10] Para o caso mostrado neste artigo: http://www.estraviz.org/manda

 


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