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111565 697x437 crop 566c296e52488Brasil - Praça - [Xoán Lagares] O ódio ao PT é um profundo e arraigado ódio de classe.


Pode parecer estranho, se visto pela esquerda, que tanto se enfrentou nos últimos anos às políticas neoliberais e aos pactos escusos dos governos Lula e Dilma, mas ninguém disse que fosse fácil entender o que acontece no Brasil. Lula foi capaz de conciliar interesses contrapostos no país, e de gerar uma dinâmica de ampliação do mercado que incluiu uma massa de novos consumidores saídos da miséria extrema. Política de investimento público e programas sociais básicos, desses que todo país civilizado mantém, só que neste caso a serviço de uma população secularmente excluída, fizeram com que houvesse uma efetiva mudança social no Brasil nos últimos anos. Muito pouco num país tão desigual como este, mas o bastante para que o andar de cima se sentisse incomodado.

Nestes dias ensandecidos não é difícil perceber quem está de cada lado. E é, para mim, evidente que a fratura política é expressão de posições opostas de classe. Somos obrigados a conviver com uma classe média embrutecida pela rede Globo, a Folha de São Paulo e a revista Veja, veículos jornalísticos da oligarquia brasileira, muito mal-educada, que até ontem expressava um profundo desinteresse pela política, acostumada a viver rodeada de miséria e ciosa de seus signos de distinção: suas escolas privadas, suas empregadas domésticas, seus clubes e condomínios, sua má consciência afagada pela religião, suas universidades públicas… 

Essa classe média que agora brada contra o Bolsa Família e chama os seus beneficiários de vagabundos, que é entranhadamente demofóbica, que é contra as cotas sociais e para negros nas universidades, que tem medo do MST e que acredita na “ameaça comunista”, foi crescendo perigosamente diante dos nossos olhos nos últimos anos. Agora ela quer seu país de volta. Literalmente. 

E não adianta reclamar. Devemos reconhecer que a direita mais boçal fez o seu trabalho ideológico, com a inestimável ajuda da grande mídia e das igrejas evangélicas neopentecostais, enquanto a esquerda se perdia em suas contradições, desorientada ante um PT cada vez mais entregue às forças reacionárias do patrimonialismo brasileiro, que o PMDB representa com louvor. 

A legenda do traidor Michel Temer vem participando de todos os governos desde a restauração democrática, muitas vezes dividida também em tarefas de oposição, numa esquizofrenia própria de um sistema de partidos tão frágil como o brasileiro. O PMDB vive da extorsão e nas suas filas podemos encontrar a maior concentração de corruptos por deputado quadrado.

Vendo como é delicado o equilíbrio do castelo de cartas da governabilidade, era meio óbvio que tudo podia desmoronar. A vitória da Dilma no segundo turno, em 2014, foi agônica, após uma generosa mobilização da esquerda contra o candidato do PSDB (outro corrupto), e a oposição nunca assumiu a derrota. Por isso, o processo de impedimento da presidenta é, na realidade, um terceiro turno daquela eleição. Um golpe branco, institucional, que manifesta uma realidade simples: a oligarquia brasileira cansou; quando a maré da economia está baixando, ela não está mais disposta a sustentar qualquer tentativa de conciliação e quer tomar as rédeas da situação, diretamente, para aplicar suas políticas ultra neoliberais. Assustada também por uma permanência do PT no poder que considera ameaçadora para os seus interesses. 

O golpe foi armado pelo próprio vice-presidente, o traidor e corrupto Michel Temer, e organizado pelo vilão-mor da República, o sinistro Eduardo Cunha, presidente do Congresso com vários processos de corrupção às costas, propinas, lavagem de dinheiro, evasão de capitais e o diabo a quatro. Com a colaboração de um judiciário politizado e uma grande mídia que cuida apenas de seus interesses empresariais, a perseguição à corrupção petista é inversamente proporcional ao descaso com os múltiplos e milionários escândalos em que estão implicados os partidos da oposição. 

Escrevo agora sob o impacto das imagens que a TV Brasil (boicoto a Globo faz anos) mostrou do Congresso brasileiro na sessão pelo impeachment da presidenta Dilma. Um show de horrores. Os golpistas, votando em nome de deus e da família, pelo seu neto Pedro (sic), pela família quadrangular (sic), pelos maçons do Brasil (sic), pelo fim da CUT e seus marginais (sic), pela renovação carismática (sic), seja lá o que signifique essa merda toda, deram um espetáculo bizarro de hipocrisia, reconhecendo explicitamente que não estava sendo julgado qualquer crime de responsabilidade da presidenta, e sim o seu governo, por motivos apenas políticos e não jurídicos. 

No Brasil, a eleição direta para a presidência foi uma conquista política emblemática da restauração democrática, e a destituição da Dilma sem que se tenha demonstrado que ela cometeu crime de responsabilidade suporia uma distorção grave do sistema presidencialista. Uma espécie de volta atrás no processo social brasileiro. Por isso é preocupante. Como também faz temer pela saúde do sistema democrático a dimensão que alcançaram, num sistema de eleição proporcional de listas abertas e com financiamento privado de campanha, os setores reacionários que ocupam o parlamento: a bancada da bala (militares, militaristas, defensores do armamento e da repressão), a bancada evangélica (fundamentalistas cristãos) e a bancada ruralista (que representa o agronegócio, grandes fazendeiros e desmatadores). Na recente lei de reforma política aprovada pelo Congresso, de fato, a presidenta Dilma vetou o financiamento empresarial de campanha, dando mais um motivo de insatisfação para os bandidos da bala, da Bíblia e do boi. 

Nesse panorama, e na incerteza que vivemos em relação ao futuro, repito o que eu escrevia um ano atrás, com motivo da última campanha eleitoral para a presidência no Brasil: que o PT está sendo punido não por seus erros, mas por seus acertos. E também pelas suas omissões, pelo que não fez: 

“Educar essa nova classe trabalhadora não para o consumo de serviços, mas para a reivindicação de direitos; democratizar a mídia, e tirar das cinco famílias que possuem os grandes jornais e canais de televisão o poder de decidir a agenda política do país; reformar o sistema político, com o apoio dos cidadãos conscientes que não deixam de demandá-lo, das forças progressistas e dos movimentos sociais; reformar o sistema tributário, provocando uma distribuição de renda mais profunda e duradoura”.


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