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amilcar cabral 2Guiné-Bissau - Mudar de Vida - [António Louçã] Primeiro publicado em Outubro de 2012, depois reeditado em Março de 2014, o livro de Tomás Medeiros leva-nos, através do exemplo concreto de Amílcar Cabral, a uma reflexão muito mais ampla.


No centro deste trabalho está a contradição de uma política que se quer revolucionária sem assentar no proletariado.
Não se trata, desde logo, de um convite abstracto à reflexão. O autor foi, em Angola, um dos fundadores do MPLA, e, em São Tomé e Príncipe, dirigente do MLSTP. Antes disso, desempenhou em Lisboa papel destacado na primeira coordenação de estudantes africanos, que se traduziram na influência inédita de uma corrente anticolonial à frente da Casa de Estudantes do Império. Privou nessa fase com figuras como Agostinho Neto, Marcelino dos Santos e o mais notável dos dirigentes africanos lusófonos, Amílcar Cabral.

Com Cabral veio a encontrar-se mais tarde, já durante a guerra colonial, em diversas conferências internacionais. Entre ambos criou-se uma cumplicidade que, podemos supô-lo, teria que ver com a curiosidade intelectual, a cultura marxista e a variedade de referências que lhes era comum a eles, e rara entre as figuras principais do movimento anticolonial.

Mas também teria que ver com um problema prático a que os outros eram alheios: como introduzir a luta de libertação nos respectivos espaços insulares: os arquipélagos de Cabo Verde e de São Tomé.

Depois da tentativa de desembarque de uma pequena força guerrilheira em Cabo Verde, muito menos feliz que a expedição do “Granma”, Cabral fez da luta no continente a alavanca fundamental para a independência das ilhas: sem vitória na Guiné, não haveria independência cabo-verdiana. Medeiros dedicou também a maior parte das suas energias à luta no continente, como médico militar do MPLA.

Mas a opção pelo continente estava longe de resolver alguns problemas fundamentais. O proletariado industrial ou agrícola era, nas colónias portuguesas, uma força social extremamente fraca. Onde levantava a cabeça, era logo afogado em sangue, como sucedeu em Angola (Baixa do Cassange) ou na Guiné (Pidgiguiti). Os movimentos independentistas, pragmaticamente, orientaram-se para fazer da pequena-burguesia a sua base social.

Na Guiné, mais ainda do que em Angola ou Moçambique, era inevitável a marca de classe pequeno-burguesa no movimento. As fábricas existentes no país contavam-se pelos dedos e quase não havia trabalho assalariado no campo. A exploração colonial não tinha o rosto das grandes plantações de café ou de algodão, e sim o da manipulação dos preços da mancarra (amendoim). E esse rosto tinha contornos menos nítidos e mais difíceis de identificar.

Ora, na mais pequeno-burguesa das colónias portuguesas lutava o mais marxista dos dirigentes anticoloniais. A contradição plasmou-se nos esforços desesperados de Cabral para encontrar a quadratura do círculo. Realista como era, soube sempre que o problema não teria solução nos limites estreitos de uma pequena nação em dores de parto e com fronteiras mal definidas. Ao seu amigo são tomense e angolano, admitia que o programa da libertação era demasiado grande para um país tão exíguo e que se deveria caminhar para alguma solução pan-africana.

Mas não estava à vista como fazer esse caminho. Para unir o continente africano ou parte dele, Cabral nunca cairia em miragens voluntaristas como a que Tomás Medeiros encontrou em conversa com oficiais companheiros do Che, que julgavam poder libertar a África toda, do Cairo ao Cabo, com meia centena de guerrilheiros heróicos.

Finalmente, teorizou Cabral sobre a necessidade de um “suicídio” da pequena burguesia e com nessa construção teórica ia já uma meia confissão de impotência para resolver o problema. O utopismo que a certa altura marca os passos de Cabral é a sua verdadeira morte — a morte política, antes da morte física.

Não surpreende que lhe tenha virado as costas aquela classe que ele, em nome do socialismo futuro, convidava a suicidar-se: desde os burocratas assimilados cabo-verdianos aos comandantes militares guineenses, eram vários os que tinham interesse em vê-lo desaparecer, mesmo que, no final, fosse um agente da PIDE a premir o gatilho.

E não será este um dilema muito mais universal, que se colocou tanto na Revolução Russa como hoje, nos países em que uma desindustrialização selvagem mina o protagonismo político do proletariado?


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