O discurso habitual do presidente Vladimir Putin na reunião do FSB, sexta-feira, foi o marco culminante deste evento em Moscovo.
A parte sensacional do discurso de Putin é a sua revelação de que o FSB está na posse de informação clara de que no ocidente estão a tramar conspirações (plots) para provocar confusão política na Rússia no momento em que o países avança para a eleição crucial do Parlamento, em Outubro. Putin evitou utilizar a expressão "revolução colorida", mas apontou para isso. Para citá-lo:
Naturalmente, vocês (o FSB) também devem impedir quaisquer tentativas vindas do exterior para intervir na nossa eleição e na vida política do nosso país. Como sabem, tais métodos existem e foram postos em uso num certo número de países. Deixe-me reiterar que isto é uma ameaça directa à nossa soberania e responderemos em conformidade.
Leio os documentos regulares que vocês (FSB) preparam, leio os sumários e vejo as indicações concretas do que, lamentavelmente, os nossos malfeitores (ill-wishers) no exterior estão a preparar para estas eleições. Todos portanto deveriam estar conscientes de que defenderemos os nossos interesses com determinação e de acordo com as nossas leis".
Mais adiante, Putin notou que agências de inteligência estrangeiras "aumentaram sua actividade" e isto foi "convincentemente confirmado" quando no ano passado a contra-inteligência do FSB interditou mais de 400 operativos de agências de inteligência e iniciou processos criminais contra 23 deles. Ele mencionou organizações governamentais, instalações militares, empresas industriais da defesa, o sector de energia e "importante centros de investigação" como particularmente vulneráveis. Disse Putin: "Precisamos cortar todos os canais de acesso a informação confidencial".
No conjunto, foi projectado aqui um cenário sombrio quanto às relações russo-americanas durante o período que resta da presidência de Barack Obama. A questão central para a Rússia desde o começo é que os EUA interferem nos seus conflitos políticos internos tendo em vista criar desarmonia política e enfraquecer o Kremlin, forçando-o a adoptar políticas que estejam em harmonia com estratégias americanas regionais e global.
Naturalmente, o lado russo também deve ser culpado por este estranho paradigma. Permanece o facto de que na eleição presidencial de 1996 Boris Yeltsin quis o dinheiro, o apoio político e o patrocínio americano a fim de travar a maré, que naquele momento quase como parecia uma vitória certa, do líder do Partido Comunista, Gennady Zyuganov.
Houve interferência em grande escala naquele momento por parte dos EUA e dos seus aliados europeus (e do FMI) e a "perícia" americana certamente desempenhou um papel crucial para assegurar a vitória de Yeltsin. Quando a campanha começou, a classificação de Yeltsin mantinha-se nos 6 por cento e ele acabou por vencer a eleição com 54 por cento dos votos após um contundente primeiro round com Zyuganov (um relato contemporâneo, aqui , da revista Monthly Review dá pormenores fascinantes abaixo do subtítulo "Americans to the Rescue – a Russian Assignement").
Na verdade, hoje há uma grande diferença. Se nos meados dos anos noventa os EUA precisavam de Yeltsin para continuar no poder, hoje a ênfase está na "mudança de regime". A ressurreição da Rússia sob a liderança de Putin é anátema para Washington.
Os EUA não podem suportar a Rússia (ou qualquer outro país) em modo tão nacionalista, que apresentem ventos formidáveis contra suas estratégias globais. Ao contrário da China, a qual pode inclinar-se como Beckam , a Rússia não está desejosa de inclinar-se para conquistar. Sua orgulhosa história simplesmente não lhe permite fazer isso (a propósito: está para ser visto se Moscovo irá avante com os duros termos do acordo EUA-China impondo bloqueio naval à Coreia do Norte).
No actual contexto, as sanções ocidentais contra a Rússia são realmente dirigidas contra o Kremlin. O cálculo estado-unidense põe suas esperanças numa recessão económica na Rússia que conduza ao descontentamento social, o qual arruinaria as possibilidades do partido dominante nas eleições e por sua vez desencadearia protestos em massa.
Putin preveniu que Moscovo derrotará quaisquer desígnios dos EUA para instigar tempestade política na Rússia, não importa o que faça. Confie em Putin quanto a isto. Contudo, a grande questão permanece: Como poderiam conflitos regionais tais como a Síria ou a Ucrânia serem tratados quando as duas grandes potências estão trancadas numa luta existencial?
Idealmente, da perspectiva dos EUA, a confusão na Síria deveria ascender num crescendo até o Verão, colocando a intervenção russa naquele país na mira da opinião pública russa nas vésperas da eleição no Outono. Curiosamente, Putin encarregou o FSB de assegurar três coisas: uma, garantir "a segurança dos nossos pilotos... na Síria e das unidades anti-terroristas que trabalham aqui dentro da Rússia"; dois, "selar eficazmente" territórios russos da infiltração por terroristas; e, três, "impedir as actividades de grupos subterrâneos" dentro da Rússia que pudessem estar a planear ataques terroristas.
Certamente, em comparação com o entusiasmo que Putin inicialmente manifestou na segunda-feira com o acordo EUA-Rússia sobre o acordo de cessar-fogo na Síria, ele ontem foi notavelmente cauteloso enquanto discursava para o FSB. Moscovo teria sentido nesta altura que Washington está a por o ónus directamente sobre o Kremlin para que o cessar-fogo permaneça intacto, ao passo que os EUA estão ou incapazes ou não desejosos de controlar seus aliados militantes regionais, tais como a Turquia.
Na quinta-feira Obama sublinhou que "um bocado disso (manutenção do cessar-fogo) vai despender de se o regime sírio, a Rússia e seus aliados cumprem seus compromissos. Os próximos dias serão críticos e o mundo estará a observar".
Ele então acrescentou: "muitos sírios nunca cessarão de combater até que Assad esteja fora do poder. Não há alternativa a uma transição administrada que afaste Assad. É o único caminho para acabar a guerra civil e unir o povo sírio contra os terroristas". ( Transcrição )
[*] Ex-embaixador indiano, analista político.
Fonte: Global Panorama