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António Barata

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Em coluna

Abstenção e falência do parlamentarismo

António Barata - Publicado: Domingo, 07 Fevereiro 2010 13:48

António Barata

O par­lamento é o lugar onde os partidos servem as suas clientelas, os lóbis repartem e acertam a gestão dos negócios públicos. O descrédito que o rodeia pre­nuncia a agonia do sistema parlamentar.

 


O crescimento lento mas contínuo da abstenção eleitoral nos países mais desenvolvidos ou, nos que o não sendo, inte­gram espaços económicos im­perialistas, como é o caso de Portugal, levanta uma questão pertinente que quase todas as correntes comunistas costu­mam arrumar sumariamente, dizendo que essa é uma atitude politicamente atrasada, própria dos alienados.

 

Este tipo de apreciações pren­de-se com a ideia de que os comunistas não se devem alhear nem desvalorizar os actos eleitorais, porque eles não só são parte integrante da luta po­lítica, como decidem o nos­so futuro próximo por via dos governos e programas eleitos. A este argumento segue-se a enumeração das vantagens proporcionadas pela participa­ção nos actos eleitorais: difusão das ideias comunistas em me­lhores condições, com o aces­so a meios que normalmente lhe estão vedados, como a TV. E para terminar, como derra­deiro argumento de autorida­de, citam-se algumas passagens do Esquerdismo, doença infantil do comunismo, de Lenine. Citam mal, porque o tomam como uma bíblia, abstraindo-se da si­tuação vivida na época em que essas palavras foram escritas (as revoluções comunistas esta­vam na ordem do dia, os par­tidos comunistas à esquerda da social-democracia cresciam ace­leradamente e as burguesias europeias encontrava-se desor­ganizadas e enfraquecidas pela I Guerra Mundial) e a quem elas se dirigiam – os partidos e formações comunistas radi­cais que queriam desenca­dear o assalto imediato ao poder dispensando parla­mentos e sindicatos.

Se lessem Lenine na totalidade, descobririam outras passagens demonstrativas de que para ele as eleições são “um meio de luta entre outros, aplicável especial­mente em certos períodos históricos” (1906, Obras, tomo X) e que “a sucessão dos métodos de luta parla­mentar e não parlamentar, da táctica de boicote ao par­lamento e da participação nele, das formas legais e ilegais de luta, as suas relações recíprocas e os laços en­tre elas – tudo isto se distingue por uma assombrosa riqueza de conteúdo”. “Na combinação das formas par­lamentares e extraparlamentares é por vezes conve­niente, e até obrigatório saber renunciar às formas par­lamentares.” (Esquerdismo...)

Em abstracto, o argumento de que os comunistas devem participar na luta eleitoral é tão correcto como o contrário. Como estamos perante uma questão tácti­ca, tudo depende da situação concreta. O problema está em que a obrigatoriedade de concorrer com listas pró­prias ou em coligações se instituiu como uma nor­ma no movimento comunista a partir das Frentes Po­pulares e foi transformada, na prática, numa questão estra­tégica e num princípio.

ESGOTAMENTO DO SISTEMA DE REPRESENTAÇÃO

É hoje um facto inquestionável que a abstenção está em crescimento, principalmente nos países ricos e estáveis, onde, nas eleições mais concorridas, só cerca de 60% dos eleitores votam. Nos EUA, Áustria ou Di­namarca, raramente se chega aos 50%. Ou seja, go­vernos e presidentes dos países ocidentais são eleitos por 20% a 30% do eleitorado. Pela sua dimensão e ten­dência de crescimento contínuo, este é um facto no­vo que preocupa os ideó­logos burgueses e para o qual não têm solução. Trata-se de um claro indício do esgota­mento e apodrecimento das instituições e do actual sistema de representação política e par­tidário democrático.

Nos nossos dias, em tempos de globalização, o parla­mento português já não tem a mesma importância nem de­sempenha o mesmo papel de há 100 anos, quando nascia em resultado da nossa revolução burguesa, ou àquele que de­sempenhou nos anos imediatos ao 25 de Abril, em consequên­cia da queda da ditadura e de toda a agitação política e social­ que se lhe sucedeu. Isto acen­tuou-se com a adesão à União Europeia, deixando a Assem­bleia da República de ser o lugar de disputa entre as fac­ções da nossa burguesia. Com a perda da soberania e as deci­sões a virem de Bruxelas, o par­lamento passou a ser um lugar onde os partidos servem as suas clientelas, onde os lóbis repartem e acertam a gestão dos negócios públicos e onde as personalidades partidárias fazem o seu tirocínio antes de ocuparem cargos no governo ou na administração pública, irem para Bruxelas ou para as administrações dos banco e empresas do Estado e priva­das.

O descrédito que rodeia o parlamento não é sintoma de atraso político das massas. É um fenómeno real que pre­nuncia a agonia do sistema de­mocrático parlamentar.

OUTRA FORMA DE DEMOCRACIA É POSSÍVEL

O argumento vulgarmente invocado de que a abs­tenção é inaceitável porque deixa campo livre aos “ou­tros” para decidirem por nós não é verdadeiro nos tem­pos que correm, porque se choca com situações de facto:

Hoje há muitas pessoas – principalmente jovens – com actividade política e social, que participam em pro­testos dos mais variados (imigração, direito à habi­tação, contra a guerra, nas escolas, contra o trabalho pre­cário, ecologia, protestos contra a OMC, antigloba­lização, contra a NATO, G-5, 8, 12, etc.) que integram e/ou colaboram com movimentos e partidos, mas que não votam. Estão longe de ser uma maioria, mas são bastantes. Para o ficar a saber, basta (no nosso país) estar nas manifestações da Solidariedade Imigran­te ou do May Day, ver quem esteve nas acções de resis­tência para impedir que moradores pobres fossem des­pejados nos bairros degradados das periferias de Lisboa e Porto, ou ver quem promoveu e esteve nas manifesta­ções contra a repressão policial ou de solidariedade com Grécia, por exemplo.

É um erro olhar para a abstenção como um todo. As pessoas abstêm-se por diversas razões. Não sabemos é as percentagens por classes e estrato social, idade, ou mo­tivos. Mas, independentemente disso, níveis de abs­tenção que começam a ultrapassar os 40% são um dado político que não pode ser ignorado. A questão principal que o elevado nível de abstenção nos coloca é: por que não surgem partidos nos países mais ricos e estáveis da Europa, América do Norte, Japão, Austrália capazes de corresponder a esse desencanto e corporizar as preo­cupações e reivindicações dos que não se identificam nem se vêem representados nos partidos existentes e já não acreditam nos políticos nem nas virtualidades dos sistemas e instituições democráticas? Por que não surgem no hemisfério norte movimentos como os que estão a ocorrer na América Latina e Central, em que as velhas oligarquias e os partidos tradicionais estão a ser afastados do poder político por partidos e movimentos renova­dos, com forte pendor nacionalista e anti-imperialista, embora reformistas? O BE, o Die Link, o Partido Anticapitalista, formações novas e ascendentes na Europa, não promovem medidas capazes de melhorar as condições de vida dos mais pobres como o fazem esses novos partidos e movimentos na América Latina, nem têm os traços anti-imperialistas e nacionalistas pro­gressistas dos partidos e movimentos da Bolívia, Venezuela, Equador, Nicarágua, etc.

Que o sistema democrático se desacredite, que as eleições sejam cada vez menos participadas, não nos deve causar qualquer problema. A resolução a favor da esquerda revolucionária do problema posto em evi­dência pelo abstencionismo tem de ser encontrada no quadro geral de um programa de derrube da bur­guesia. Se as classes trabalhadoras não encontram moti­vos para votar nos candidatos e partidos do sistema em que não se revêem, aos revolucionários cabe-lhes ir ao encontro dessas expectativas. Mas, dada a diversi­dade das classes, estratos sociais, motivações, etc., é pou­co provável que seja possível dar expressão política ou social, de uma forma orgânica, ao abstencionismo. Pode, isso sim, ser usado pelos revolucionários contra a democracia burguesa, pondo a nu o esgotamento do parlamentarismo e do seu sistema de representação; mostrando que este é a ditadura de uma minoria sobre a maioria; que a democracia “participativa” deixa de fora milhões de cidadãos que só são chamados de tan­tos em tantos anos a escolher os mesmos de sempre para darem algum crédito a um jogo viciado, que tudo isto é ainda mais grave, na medida em que os governos não são mais que mera extensão executiva do poder europeu. E voltar a dizer que, ao contrário do que se acredita, há outras formas de representação populares e de democracia de base.


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