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240416 fukJapão - Esquerda - Artigo de Chie Matsumoto sobre as consequências do acidente nuclear nas vidas de quem trabalhava na central nuclear ou vivia na cidade de Fukushima.


Dizem que o tempo cura tudo, mas isso não é tão claro para as pessoas afetadas pelo pior acidente nuclear ocorrido no mundo.

Cinco anos depois de ter ocorrido a fusão de três reatores da central nuclear de Fukushima Daiichi, pelo menos 100 000 habitantes continuam deslocados; 80 pessoas suicidaram-se apenas em Fukushima devido à perda das suas famílias, dos seus bens e de toda a esperança de futuro (dado de dezembro de 2015, segundo o ministério de Reconstrução e o gabinete do Conselho de Ministros); a contaminação radioativa continua a expandir-se e todas as sextas-feiras continuam a concentrar-se manifestantes de todo o Japão e do estrangeiro perante a residência do primeiro ministro em Tóquio para expressar slogans antinucleares.

O governo japonês parece ter esquecido tudo o que está relacionado com a limpeza que ainda estão a levar a cabo 3000 trabalhadores todos o dias na central da Companhia Elétrica de Tóquio (TEPCO, sigla em inglês) situada a uns 100 quilómetros da capital. Além disso, reativou uma central nuclear na província meridional de Kagoshima e propõe-se a pôr de novo em marcha uma outra na província de Fukui, no norte. Depois da mudança de governo que se produziu seis meses depois da catástrofe, o Japão começou a vender tecnologia nuclear à Jordânia, ao Vietname, à Turquia e à África do Sul, entre outros países, apesar dos protestos nacionais massivos. A Índia será no próximo ano o primeiro país a assinar um acordo sobre energia nuclear com o Japão desde que ocorreu a catástrofe. O Japão ratificou o Tratado de Não Proliferação Nuclear nas Nações Unidas em 1976.

Protestos internos

Muitos japoneses e japonesas fizeram eco desses protestos manifestando-se desde o dia da catástrofe contra os negócios de exportação nuclear do Japão, exigindo o fim do uso da energia atómica e a sua substituição por energias renováveis. Organizaram concentrações à frente do ministério da Economia, Comércio e Indústria (METI, a sigla em inglês), que supervisiona a indústria nuclear. Houve mães que falaram nessas concentrações pela primeira vez na sua vida; um grupo de jovens iniciou uma greve de fome para exigir a erradicação das centrais nucleares. Organizaram uma concentração à frente do METI e em setembro de 2011 montaram um acampamento, que de imediato se converteu no centro do movimento nuclear japonês e de todo mundo. Havia pessoas a dormir nas tendas e iam de lá para o trabalho; celebraram-se concertos antinuleares no final do ano diante da acampamento; organizou-se a autodefesa contra dures de extrema direita que tentaram destruir o acampamento. Menos conhecido que o Occupy Wall Street, o acampamento do METI foi uma das ocupações mais longas,em conjunto com a que aconteceu contra as bases dos Estados Unidos em Okinawa.

Agora os ocupantes da acampada estão a ser julgados nos tribunais pelo ministério, que reclama a propriedade do terreno e exige uma compensação pela ocupação durante cinco anos. Perderam o caso na primeira instância e a instância superior não aceitou o recurso. O acampamento está em processo de desmantelamento.

A voz dos trabalhadores

Ainda que queiramos continuar com a mobilização até erradicar o uso da energia nuclear, alguns trabalhadores da central consideram que não estão a ser ouvidos.“Não vejo a nenhum trabalhador da central no movimento”, disse Ryusuke Umeda, antigo empregado. Aos 80 anos de idade, Umeda pede aos manifestantes antinucleares que estejam conscientes das condições de trabalho inseguras no meio radiactivo das centrais nucleares.“Gostaria que as pessoas se perguntassem se é oferecida aos trabalhadores uma formação adequada em matéria de saúde e segurança e soubessem em que meio são obrigados a trabalhar”, declarou Umeda. “Sabendo isto sentir-se-iam ainda mais convencidos da necessidade de desmantelar todas as centrais nucleares do mundo. Dedicarei o que me resta da minha curta vida ao objetivo de convencer as pessoas da urgência de o conseguir.”

Umeda apresentou um pedido judicial em que exigiu uma indemnização para os trabalhadores. Afirma que sofreu um enfarte do miocárdio e outras doenças depois de ter trabalhado durante 43 dias em centrais nucleares em 1979. Já que muitos destes trabalhadores acabam com graves problemas de saúde, em muitos casos não encontram outro emprego e têm de enfrentar gravosas despesas médicas. Umeda também vive dos subsídios do Estado. O seu caso será o primeiro julgamento feito por um trabalhador de uma central nuclear que exige uma indemnização pela sua condição cardíaca. O Estado reconheceu esse mesmo problema às vítimas da bomba atómica.

Hiroshi Masumoto teve de vender a sua casa para pagar as faturas médicas e vive dos subsídios do Estado. Com 82 anos de idade, oriundo da cidade de Kitakyushu, do sul do Japão, está ligado a uma bomba de oxigénio para poder respirar. Masumoto, que controlava o nível de exposição à radiação dos trabalhadores em várias centrais nucleares, também interpôs uma demanda judicial para reclamar uma indemnização.

Segundo a TEPCO, mais de 6 000 trabalhadores entram e saem todos o dias da central de Daiichien Fukushima. 300 pessoas adicionais continuam a descontaminar as zonas de acesso restringido e enchem contentores negros flexíveis de terra radiativa para preparar o regresso a casa dos vizinhos deslocados. Milhares destes contentores estão empilhados sem que haja algum lugar para onde os levar. Os empreiteiros, as suas filiais e a TEPCO estão a ficar sem trabalhadores; segundo uma reportagem recente, recrutaram estrangeiros para trabalhos de limpeza no interior da central de Fukushima e arredores.

Entrevistei um homem do Bangladesh no distrito de Kanagawa que aceitou a oferta de trabalho de um agente brasileiro para trabalhar na central. Entrou num camião com outros estrangeiros, disse-me. O salário era 30% mais alto que nas obras de construção em que estava a trabalhar. No entanto, este homem de 43 anos de idade deixou o trabalho ao fim de poucos dias porque “se assustou” com os efeitos da radiação na sua saúde. Acrescentou que se precisasse de dinheiro, voltaria a esse posto de trabalho.

Relato de um sobrevivente

Recordo a entrevista que fiz a Tomoya Watanabe a 16 de março de 2011 no ginásio de um colégio convertido em refúgio de emergência em Nihonmatsu, na província de Fukushima. Eu tinha ido a esta região, coberta de neve, para recolher depoimentos da central depois da catástrofe. Nenhum empregado da TEPCO quis falar connosco com medo de represálias. Watanabe foi um dos pouquíssimos trabalhadores subcontratados que se prestou a contar-nos a sua experiência desde que aconteceu o terramoto. No refúgio ajudava na cozinha para dar de comer a centenas de residentes em Namieque, que, como ele próprio, tinham sido evacuados da sua cidade, situada a apenas dez quilómetros da central de Daiichi.

Watanabe começou por supervisionar os trabalhadores na central de Daiichi depois de concluir a sua missão na central de Fukushima Daini e depois na central nuclear de Kashiwazaki-Kariwa, onde trabalhou até que a instalação foi submetida a uma inspeção. Falou-me do dia em que aconteceu a catástrofe. Como supervisor, não pôde abandonar o lugar até depois de se assegurar de que os restantes trabalhadores tinham ido para um lugar seguro e confirmou a escala do dano no interior do edifício adjacente ao reator. Ao aperceber-se que era uma sorte que continuasse vivo, jurou que nunca mais voltaria a este tipo de trabalho.

Meio ano depois, quando voltei a Fukushima para o entrevistar a ele e a outros trabalhadores, Watanabe contou-me que tinha começado uma pequena empresa. Fiquei feliz e animado ao ver que a catástrofe não o tinha desmoralizado, mas quando me disse que sua empresa recrutava trabalhadores para os distribuir por centrais nucleares, não pude dissimular a minha consternação. “É a vida”, disse-me na habitação temporária em que estava alojado com sua família. “Preciso de trabalhar.” Watanabe não é o único que pensa que trabalhar em centrais nucleares é sua vocação para toda a vida. Muitos homens que vivem em cidades que albergam centrais nucleares reconhecem essa dependência mútua. No ano passado procurou-me no facebook e disse-me que a sua empresa se tinha especializado na descontaminação dos arredores da central de Fukushima. Pelo menos o seu negócio prospera.

Desde que milhares de trabalhadores começaram a voltar à central de Daiichi, o ministério do Trabalho apenas aprovou, até agora, a indemnização num único caso. Isto ocorreu no ano passado; ao trabalhador em questão, de quarenta e tantos anos de idade, foi diagnosticada uma leucemia depois de ter estado a trabalhar na central de Fukushima durante um ano e meio.

A necessidade de se sindicalizar

Enquanto a catástrofe de Fukushima continua seu curso e são necessários milhares de trabalhadores para a descontaminação, temos de exigir medidas adequadas de segurança e higiene, assim como de consciencialização dos seus direitos enquanto trabalhadores, especialmente os temporário. Ativistas sindicais, junto com um sindicato em Fukushima e um sindicato de trabalhadores temporários em Tóquio, têm tentado organizar os trabalhadores temporários. Infelizmente, os seus esforços não têm dado muitos resultados, mas alguns trabalhadores da descontaminação organizaram-se para negociar o bónus pelo perigo que correm, que normalmente não cobram.

Temos de continuar a organizar-nos e também a colaborar com os nossos companheiros de fora do Japão para lutar por uma sociedade sem nuclear. Em março deste ano teve lugar o Fórum Social Mundial 2016 em Tóquio para comemorar o quinto aniversário da catástrofe de Fukushima com o lema de “um outro mundo sem centrais nucleares”. Pode ser que a ferida seja demasiado profunda para que se cure com o tempo, mas recordar Fukushima é o que importa para nosso futuro.

Escrito orignalmente em inglês na edição de março/abril de 2016 de Against The Current, publicado em Solidarity, tradução de Joana Campos para o esquerda.net.

Foto: Protestos contra a utilização de energia nuclear em Kouenji, Japão, foto de Matthias Lambrecht/Flick


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