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Deuses foliões antiecológicosLaboratório Filosófico - [Rafel Silva] Ó natureza, abre alas que eu quero passar! Esse samba maldito é insustentavelmente audível quando vemos que no Rio de Janeiro, durante os dias de carnaval, os foliões jogaram 800 toneladas de lixo no chão. Só em Copacabana, cuja fantasia de carnaval deixa de ser a de Princesinha para ser a de Lixeirinha do Mar, foram 33t. Na marquês de Sapucaí, palco do maior e mais belo espetáculo carnavalesco do planeta, 136t. E para não dizer que só o carnaval do Rio é vilão ambiental, Salvador jogou chão 1000t! Isso, claro, sem computar as muitas mais toneladas de lixo produzidas e descartadas corretamente, mas que, somadas ao descarte incorreto, são jogadas “in natura”, isto é, no "chão da natureza", visto que no Rio mais de 99% do lixo tem esse vil destino.


Infelizmente, a alegria dos foliões, mas a de todos nós também, não há dúvida, é muito mais importante que a da natureza! Não é de espantar, afinal, qual alegria do sujeito contemporâneo que não cobra preços altíssimos do meio-ambiente? Porém, algumas dúzia de latinhas de cerveja (jogadas no chão depois do último gole) e de beijos na boca (deixados para trás depois de beijados) são suficientes para alienar os foliões da insustentabilidade de suas próprias folias. Ainda mais com a questionável eficiência da Companhia de lixo urbano carioca, a CONLURB, que diariamente entrega a cidade limpinha novamente, ao preço, todavia, de jogar ineficientemente tudo o que limpa eficientemente em aterros sanitários à céu aberto. Com tal estrutura, por que os foliões haveriam de se deparar com suas próprias insustentabilidades?

Agora, diante do Antropoceno, ou seja, a alteração -e por que não dizer destruição- da natureza pelo homem, até quando poderemos seguir alegres e foliões, seja nos cada vez mais porcos blocos de carnaval, seja nos monstros-blocos urbanos nos quais vivemos, seja ainda no maravilhoso “bloco de vida” que é a natureza? As previsões são as piores possíveis, e isso, paradoxalmente, é bem conhecido por todos, tanto pelos que se preocupam com insustentabilidade dos hábitos humanos, quanto pelos que se alienam “foliescamente” desse problema que, no entanto, é uma tristeza para todos. Que alegria justifica o risco de tamanha tristeza?

Para não ficarmos mudos diante dessa pergunta, e não voltarmos às cervejas e aos beijos na boca que facilmente nos alienam da difícil questão, à pergunta: que alegria eventual e insustentável nossa justifica a tristeza maior, isto é, a destruição da natureza, que pode ser permanente?, é preciso contrapor outra, qual seja: que tristeza permanente em nós, humanos, justifica uma alegria eventual e insustentável do ponto de vista da natureza, o ser sem o qual nós não somos? Em outras palavras, que insatisfação humana é essa que só consegue satisfazer-se entristecendo, melhor dizendo, destruindo a natureza?

Em outro lugar, tratei da sustentabilidade a que os rígidos preceitos de Deus submetiam os homens na época em que, de acordo com Nietzsche, Ele ainda estava vivo. Porém, desde a modernidade, ou seja, depois que Deus morreu, a preocupação com a natureza também foi para o cemitério. Hoje em dia, mais do que nunca, Deus somos todos e cada um de nós, com nossos desejos insustentáveis, porém imperiosos, que sem cerimônia alguma fazem da natureza o cada vez menos verde tapete de acesso às nossas satisfações pretensamente divinais.

Todos os foliões que, vestindo as mais variadas fantasias, jogaram seus lixos no chão, de outra coisa não estavam fantasiados que de Deus, cada um deles, fazendo da natureza a sua avenida carnavalesca. Via de diversão imunda essa a dos alegres deuses humanos, não? Não obstante, os alegres humanos fantasiados de Deus-todo-poderoso-senhor-da-natureza deveriam conhecer a verdadeira “fantasia” de Deus, que, segundo o filósofo Baruch Spinoza, é “Deus sive natura”, isto é, Deus, ou seja, a natureza.

Se nós, humanos, agimos e queremos agir como se fôssemos Deus em pessoa, cujos desejos devem ser todos atendidos, deveríamos saber, antes de tudo, que a verdadeira “fantasia” dEle, a mais espetacular e maravilhosa de todas aliás, é aquela que engrandece, e não a que destrói a natureza. Conseguiremos nós acertar o figurino de Senhores do universo antes do baile de carnaval derradeiro, que, de acordo com as previsões, está agendado para não muito longe? Ou, antes, a única fantasia de Deus que sabemos vestir é a que traz estampada um descarado e (de)cadente verso, todavia parafraseado de Nelson cavaquinho: tire a natureza do caminho, que eu quero passar com a minha dor?


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