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110714 pachotolosaColômbia - PCB - [Francisco Javier Tolosa] Está longe da pretensão deste artigo promover condenações ou reparações sobre as diversas decisões pelas quais nós, múltiplos sujeitos políticos do campo democrático e popular colombiano, optamos no passado segundo turno presidencial.


 Porém, se aspira refletir em voz alta sobre vários aspectos do método e conteúdo que não devem ser ignorados, a fim de produzir uma análise política correta em conjunturas tão convulsas, com o ânimo essencial em contribuir com nossa imediata práxis política.

Apesar da visão escatológica sobre as eleições presidenciais de 15 de junho passado apresentada pelos meios de comunicação e que conseguiu impregnar importantes setores populares e democráticos do país, a vida cotidiana e a luta política do povo colombiano continuou sem maiores sobressaltos. Nem nos precipitamos novamente ao inferno de uma guerra – porque nunca saímos dela –, nem ascendemos ao nirvana de um quimérico pós-conflito; os avanços ou retrocessos da solução política e as mudanças democráticas necessárias de nossa pátria, continuam dependendo – como sempre – da potência do que na Marcha Patriótica chamamos de pessoas comuns, ou seja, da correlação de forças de desenvolvimento geral da luta de classes em nosso país, de seus níveis organizativos, de mobilização e combatividade em todas suas expressões.

Sem pretender diminuir a importância que possui a definição dentro do bloco de poder sobre o tipo de projeto hegemônico que devemos combater, esta análise não pode ofuscar a necessária visão de longo prazo acerca das variáveis estruturais da dinâmica política mantidas no caso colombiano de forma constante.

Se temos afirmado sistematicamente – e com todo fundamento – que o sistema eleitoral colombiano é espúrio, não podemos pensar que seus resultados agora são legítimos. Se reivindicamos o caráter social e político do conflito, ou seja, compreendemos esta guerra como enraizada na estrutura de poder e de classe do país, erraríamos se outorgássemos sua resolução ou seu prolongamento indefinido à decisão individual de um mandatário de turno, e não ao resultado da luta política geral em cenários que superam as urnas. O presente processo de diálogo com as insurgências não é o resultado de uma dádiva oligárquica como apregoam os "opinadores", mas uma conquista do movimento popular colombiano em todas as suas formas, conquista que precisa ser referendada cotidianamente ao calor da luta popular para que possa avançar rumo à autêntica solução política ou corre o risco de ser revertida.

Depois do 15 de junho, a vida e a luta seguiram – com o Mundial de Futebol incluído –, não houve o profetizado Armagedon definitivo de nossa história. As causas que originaram o conflito continuam imóveis porque não podiam ser exorcizadas por nenhum sortilégio eleitoral. Nem a desequilibrada concentração da terra nas mãos do grande latifúndio ocioso – substrato de classe de boa parte do uribismo –, nem a ausência de garantias democráticas que cerceiam a participação das maiorias foram apagadas com uma canetada – nem podiam sê-lo – pela "nova" realidade eleitoral. Infelizmente permanecem em suas celas os milhares de prisioneiros políticos colombianos, dos quais já somos mais de 330 processados da Marcha Patriótica. Nem as bases norte-americanas e nem a ofensiva militar dirigida pelo ministro de Guerra Pinzón retrocederam um milímetro, enquanto a locomotiva neoextrativista continua minando a sustentabilidade deste modelo econômico com claros limites ambientais, sociais e produtivos, enquanto o grande capital financeiro transnacional engorda com lucros que na década de 2001-2009 subiram mais de 1.000%, empobrecendo milhões de trabalhadores colombianos [1].

Não podemos perder de vista que no segundo turno presidencial a perenidade da quintessência do status quo colombiano estava duplamente garantida. Em primeiro lugar, porque eleições dentro de um sistema político apenas dirimem os aspectos mais imediatos do governo e não do poder em seu conjunto. Definem a administração do estado, mas não sua própria configuração. Nada mais equivocado que pensar que as mudanças democráticas importantes recentes na América Latina estão determinadas por vitórias nas urnas e não pelo processo de mobilização e geração de poder constituinte dos povos irmãos, que romperam com os anacrônicos regimes políticos existentes.

Em segundo lugar, porque a coluna vertebral do projeto hegemônico é de consenso entre as 2 facções do bloco de poder que disputavam a presidência em 15 de junho. Boa parte da polarização vinha induzida midiaticamente, buscando reanimar os agora calmos espíritos bipartidaristas, considerando o acordo essencial entre santistas e uribistas quanto ao modelo econômico de reprimarização financeirizada [2], o alinhamento internacional obsequioso com Washington, a manutenção do excludente regime político e a busca pela derrota política do movimento insurgente. Surgem, obviamente, matizes transcendentais em todos os aspectos mencionados – em que pese o fato da matriz midiática ter se dedicado a explorar apenas alguns aspectos destas diferenças –, mas, sem dúvidas, não presenciamos uma distância de projetos dentro do bloco do poder do conjunto dos governos reformistas da região [3], mas antes de tudo opções dentro do plano estratégico do grande capital e da reação sobre nosso país.

A presente conjuntura desnuda com nitidez a profunda crise do regime político colombiano: abstenção estrutural de mais de 50% sustentada por 4 décadas, crise de representatividade dos coletivos partidários, a mais profunda separação clientelista do exercício do voto a favor das máfias legalizadas ou não, a crescente dificuldade de reposição dos quadros das classes dominantes e o mais virulento enfrentamento no bloco de poder desde seus acordos de paz nas praias de Sitges e Benidorm há mais de meio século. Este é o panorama que descrevem as eleições deste ano, sendo a mera exteriorização de cânceres que carcomem o regime que se proclama internacionalmente como a "democracia mais antiga da região".

Os porta-vozes editoriais das classes dominantes, ao adularem os sufrágios obtidos por seus 2 candidatos, querendo apresentá-los diante de todos como sérios votos de opinião "a favor da paz" ou "pela retificação do processo de diálogo", e a lançar elucubrações analíticas sobre vencedores e perdedores. Parece que não quiseram levar em conta a importante torrente de votação condicionada pelas máfias clientelistas e os não menos mafiosos grupos econômicos, ou o transcendente voto constrangido a coronhadas de fuzil pelos paramilitares rebatizados. E, é claro, estes analistas corajosamente ignoram que nenhum destes métodos, somados à matriz midiática que se comportava como uma autêntica campanha do medo, conseguiram convocar nem sequer a metade dos eleitores. Cada vez mais são revelados os impactos da crise e a ilegitimidade do regime político. Os pomposos 7.8 milhões de votos do presidente ou os 6.9 milhões que obteve Zuluaga, empalidecem ante os 17.2 milhões de colombianos que não foram às urnas.

Realizar uma dissecação detalhada do voto de cada candidato e da própria abstenção, permitindo rastrear a ruptura do bloco do poder nas regiões e setores de classe, é um exercício necessário para o nosso que fazer político, porém que supera estas linhas. No momento, basta apenas dizer, mais que sentenças grandiloquentes sobre a "vitória da paz", que dentro da minoria votante ganhou o repúdio ao uribismo. Ou seja, que não com muita folga Santos gera menos aborrecimento que Uribe entre os que votaram e, sobretudo, entre os que controlam a votação. Esta realidade decanta um componente característico da presente crise do regime político: as dificuldades de reposição e de consenso dentro do bloco do poder. Santos é presidente reeleito mais pela desqualificação e repúdio que geram seus adversários, que pela confiança ou coesão que ele mesmo gera no seio de sua classe, condição que, obviamente, pesará naquilo que os assessores estatais chamam governabilidade.

A decomposição do sistema político, que pode aprofundar neste segundo mandato de Santos diante da intriga parlamentar que tecerá a bancada uribista – recordando-nos dos mesmíssimos nazistas no Reichstag antes de 1933 –, os já assinalados limites do atual modelo econômico e as indefinições do bloco do poder frente ao processo de paz, ratificam a necessidade da substituição do regime político mediante uma Assembleia Nacional Constituinte para a paz, com a participação direta dos setores populares historicamente excluídos. Do contrário, o advento desta crise orgânica bem pode ser aproveitado para a renovação do regime com o cara ou coroa da moeda lançada nestas eleições de 2014: seja através de uma enésima virada gatopardista, como em 1991, mudando formas para que tudo continue igual, ou mediante a implantação de um regime descaradamente neofascista que, em todo caso, salvaguarde os eternos privilégios das classes dominantes.

Quando uma campanha é taxada pela própria grande imprensa dominante como a mais suja da história em um país que em uma mataram-se 3 candidatos presidenciais; em outra, cortaram a luz e mudaram-se os resultados ou aquela que elegeu presidentes com financiamento dos cartéis de droga ou da motosserra paramilitar, a afirmação não deve ser ignorada. Inevitavelmente a caracterização do momento político passa por determinar o impacto da fratura no seio do bloco do poder que se expressou nesta última disputa eleitoral.

É neste campo onde mais impressões abundam, desde aqueles que exacerbam publicitariamente as diferenças até os que, de forma simplista e antidialética, homologam as 2 facções como se a ruptura não existisse. É ponto-chave não cair em esquematismos nem visões tendenciosas.

Como mencionado anteriormente, falamos de duas pessoas que respondem a um mesmo projeto estratégico do capitalismo transnacional e da direita continental. Duas pessoas que bem podem significar duas etapas necessárias em seu plano de estabilização oligárquica, com acordos no fundamental, mas com diferenças essenciais nos meandros do modelo hegemônico. Basta dizer que estas controvérsias, amplificadas pela grande imprensa, foram a base da política colombiana através de seu inveterado bipartidarismo que, sem ter contradições antagônicas, ensanguentou o país desde o surgimento da própria república. Dentro do "civilismo" colombiano, a guerra civil sempre foi um recurso frequente das elites para resolver suas disputas e agora, com a incorporação das máfias ao bloco do poder e a maior participação direta do imperialismo em ambos os grupos, certamente a virulência da disputa entre as duas facções que se enfrentam será de grandes proporções, sendo visto na campanha eleitoral o mero prelúdio do espetáculo.

Os meios de comunicação – incluídos os supostamente alternativos – pouco ajudam a caracterizar estas fraturas: Santos é o diálogo, Uribe a guerra. O santismo é a geleia, o uribismo o paramilitarismo. Ideologicamente, dizem: o santismo é liberal e Uribe é o conservadorismo. Santos é a oligarquia; Uribe o adventício. Santos é o centralismo bogotano. Uribe as regiões. Um olhar mais detalhado sobre suas coligações poderá denotar que apesar das tendências, estas duplas são transversais aos dois grupos.

Falamos dos grandes acordos entre os grupos: o modelo econômico, o alinhamento internacional com o Departamento de Estado, a manutenção do antidemocrático regime político e a busca da derrota política do movimento insurgente. Não obstante, em cada um deles as facções guardam nuances que estarão enraizadas nos interesses de classe: um uribismo mais ligado ao latifúndio tradicional e improdutivo com ancoragem nos elos mais baixos do capitalismo criminoso colombiano; e o santismo, expressando a facção do bloco do poder plenamente integrada ao grande capital financeiro transnacional e também a estas camadas branqueadas do capitalismo mafioso. Os obstáculos, tensões, ritmos e velocidade são distintos, assim como as múltiplas interseções com outras variantes estruturais da realidade colombiana, como a guerra interna – e sua economia política –, a política nas regiões, entre tantas coisas.

Ambas as facções apostam no neoliberalismo e o neoextrativismo, porém sua proposta agrária varia. São as tensões próprias entre a manutenção das relações autenticamente pré-capitalistas no campo, mediante terras ociosas dedicadas a pastos que, apesar de sua improdutividade, são o sustento de poder a nível territorial, ou a modernização capitalista conforme as atuais lógicas de financeirização e transnacionalização ligadas ao mercado das commodities.

Ambos os grupos confiam em ser representantes da Casa Branca na região, porém com táticas diferenciadas: do garrote certeiro do uribismo, que bombardeia o Equador e conspira abertamente contra a Venezuela, à diplomacia pérfida de Santos, que desmonta cenários de guerra aberta, mas continua impulsionando a Aliança do Pacífico, assina um acordo com a OTAN e apoia as ações dos golpistas venezuelanos de sua embaixada em Caracas ou com a pequena Miami, premiando os esquálidos do norte de Bogotá.

Os dois projetos da direita coincidem em sua defesa do atual regime político, que reivindicam como democrático. O uribismo quer fazer adequações autoritárias em aspectos relacionados com o executivo ou a administração da justiça. O santismo, pelo contrário, quer queimar as pontes diante de qualquer nova tentativa de bonapartismo e fortalecer os chamados contrapesos institucionais, ou seja, o controle de classe em seu conjunto sobre o sistema político, uma normalização burguesa após o recurso excepcional ao caudilhismo uribista. Porém, nenhum dos dois lados concebe a abertura democrática e nem a plena inclusão de setores políticos que, como a insurgência, devem ser parte integrante de um novo sistema político para a paz.

Finalmente, este estabelecimento bicéfalo é monolítico em buscar a derrota política da insurgência revolucionária. A pacificação do território é condição sine qua non para a entrada plena da Colômbia na presente faceta do capitalismo global. Para isso, o bloco do poder realiza a guerra de diversas formas, com especial afinco nos últimos 50 anos. Hoje, uma facção majoritária representada pelo santismo e avalizada pelo atual governo norte-americano considera que é o momento de obter mediante o diálogo um acordo de desmobilização e rendição das guerrilhas. Outra facção minoritária, mas estratégica por seu poder, condicionada por suas ligações de classe no latifúndio ou a própria guerra4, considera complicado utilizar o diálogo para obter esta entrega final de armas. Eis aqui o dilema atual dentro do bloco do poder, distantes ambas as opções, até hoje, da proposta de solução política: a "paz express, light e free" de Santos ou a "pax romana" de Uribe.

No entanto, estas posturas não são estáticas. São produto da dinâmica de luta de classes – incluídos os conflitos no seio da burguesia –, porém basta recordar o consenso majoritário que teve a postura de não diálogo durante quase uma década e que hoje é desdenhada por aqueles mesmos que a enaltecem. Enquanto isso, não serve ao povo colombiano nenhuma destas opções e deverá seguir lutando de diferentes formas para conquistar a autêntica paz, a solução política do conflito social armado, que requer a participação direta do povo soberano e de um novo pacto para a reconciliação nacional. Por isso, paz hoje é ANC, que só é possível mediante a luta política e unitária de todos os setores populares e democráticos.

As eleições passadas expressaram a crise do regime no marco da qual se desprende um considerável setor das classes dominantes com posições estratégicas sobre a terra, as Forças Militares, as decadentes oligarquias regionais e a chamada classe política. Este setor, condensado no Centro Democrático, tem hoje a particularidade, pela primeira vez na história nacional recente, de estar disposto a enfrentar o consenso majoritário do bloco do poder do qual fazem parte e que tem sido seu próprio mentor. Uribe conseguiu juntar em um só partido desde narcoparamilitares até o senhorial falangismo colombiano, passando por agentes dos falcões norte-americanos, elites políticas e econômicas regionais desprezadas no atual bloco do poder, assim como o espectro social e político da cúpula das Forças Armadas.

Sem pretender forçar nossa realidade, é inevitável encontrar um claro traço neofascista na projeção do uribismo. Um fascismo macondiano e gângster, mas com claras características de continuidade, em sintonia com a crise global capitalista e a emergência da chamada ultradireita a nível mundial. Outra vez o fascismo como opção desesperada de uma oligarquia que teme o crescimento e avanço dos setores revolucionários, como na Europa do entreguerras ou na Colômbia de 2002.

Os aspectos são diáfanos: uma alternativa conservadora em meio a uma crise política generalizada, ampliada por uma recessão econômica global e pela projeção de uma opção revolucionária; um discurso maniqueísta explicativo da crise que demoniza o adversário e o culpa por tudo, que no caso colombiano agora amplia do "terrorismo" ao "castrochavismo"; seu caudilhismo messiânico buscando enquadrar setores populares mediante um grande aparato de propaganda; sua defesa das tradições mais conservadoras e reacionárias da vida social e política; seu desdém pelas formas institucionais e o inevitável recurso à violência por seus grupos de choque. Necessita, por agora, após a falha tentativa de seus 8 anos de governo, de uma autêntica força de massas organizada, apesar de observar disputas nesta via, o que não impede a identificação do uribismo com este fascismo do século XXI reanimado a nível mundial ante a queda do capitalismo liberal, e que na Colômbia tem um papel especial, como parte da estratégia continental de combate contra os países da ALBA-TCP.

Seria equivocado impingir a totalidade da votação de Zuluaga a esta opção neofascista, já que aqui também se refletem votos de ódio e ressentimento contra o presidente Santos por diversos motivos que vão desde o aborrecimento das linhagens santa-feenses, como expresso pelo escritor William Ospina, até o voto castigo dos prejudicados por sua política econômica, como os cultivadores de batata de Boyacá. O que não impede destacar o perfil da alternativa fascista que tenta encarnar o uribismo e, portanto, a importância da luta antifascista em todas as frentes possíveis. A votação uribista denota um importante contingente urbano das camadas médias e baixas que, sem serem beneficiárias do projeto excludente, são presas do discurso básico e vulgar do neofascismo ressoadas pelos meios de comunicação.

Em contraposição àqueles que fazem profecias sobre a civilização capitalista, que sempre decretam superados os capítulos mais obscuros da história, a oligarquia colombiana não tem pudor em adotar permanentemente as opções mais reacionárias quando sente seu poder ameaçado. O fascismo – que sempre foi uma força latente neste país – se potencializa remoçado nesta conjuntura e, certamente, explorará ao máximo sua tribuna parlamentar, após consolidar-se regionalmente nas eleições de 2015, sem prejudicar a adoção de todas as formas de luta e sabotagem política para fazer fracassar o processo de diálogo com as insurgências. Nossa disputa com este neofascismo deve dar-se em todos os terrenos, especialmente em uma gigantesca campanha ideológica para os jovens e as massas populares que aspiram ser convertidos em suas bases, sem limitar para isso nenhum meio válido para construir nossa contra-hegemonia, como demonstram as experiências históricas de vitória contra esta ação agressiva do capital.

Quem observa é que escolhe, reza o velho dito popular. Em um sistema que qualificamos como antidemocrático, foi eleito o candidato mais útil aos interesses imediatos da maioria do bloco do poder em nosso país, não sem os múltiplos condicionamentos impostos pelo momento histórico concreto.

Para entender Santos, além de sua óbvia determinação de classe, não se pode perder de vista 2 de suas características pessoais: primeira, nutrido com o jornal El Tiempo do qual ele mesmo foi subdiretor, manipular a matriz informativa de opinião com destreza; segundo, é um pertinente estrategista no jogo de cartas. Estamos falando, então, de um jogador profissional, especialista em estratagemas e especulações. Um seguidor do engano de que até os de sua estirpe desconfiam. Se alguém tem dúvida, assim poderão certificar Uribe, Samper, Pastrana ou seu próprio primo Francisco.

O presidente candidato construiu a matriz que homologava sua reeleição com um plebiscito pela paz. Seus objetivos eram claros: o fortalecimento de seu segundo mandato, depois de um quadriênio que termina com debilidades, e um bálsamo de legitimação para o mesmíssimo regime político. Santos buscou uma vitória contundente no segundo turno, que o potencialize em seu debate no seio do bloco do poder contra o uribismo, mas que também o fortaleça em sua campanha de imposição de sua paz express. Nada mais eloquente que as palavras do dia de sua vitória eleitoral: "A mensagem de hoje é também para as FARC e o ELN. E é uma mensagem clara: este é o fim e é preciso chegar a ele com seriedade e decisão", no qual pretende apresentar seus votos como uma defesa à desmobilização insurgente. Para isso inicia uma grande campanha midiática sobre uma espécie de Armagedon eleitoral, que conseguiu diminuir 10 pontos de abstenção entre o primeiro e o segundo turno.

Indubitavelmente foram milhões de colombianos bem intencionados que deram seu voto ao presidente Santos, envoltos pelo desejo de paz. Porém, da mesma maneira, é inegável que para este desejo ser levado a cabo não se pode confiar em um personagem da laia de Santos. É preciso um processo político mais complexo de ascendência do poder constituinte para a autêntica solução política, que passa por remover vontades do próprio bloco do poder que expressa o santismo.

O processo de diálogo com as FARC-EP entra em um momento determinante. Seu término feliz só é possível através do acompanhamento protagonista do movimento popular em uma Assembleia Nacional Constituinte e mediante a compreensão do bloco do poder de que um acordo de paz significa reformas políticas substanciais, entendimento que apenas se dará pela dialética da luta de classes em todas as suas formas.

Enquanto a mídia transita pela rapina burocrática entre os velhos e novos sócios do santismo para formar gabinetes, por trás desta disputa existem algumas contradições maiores que a colisão dominante. Há consenso entre todos seus grupos em aprovar o diálogo para colocar fim ao confronto armado, conforme requerem seus investidores, porém os termos de um possível acordo com a insurgência geram os maiores dissensos no próprio governo.

A matriz de opinião começa a apresentar a chamada "paz sem impunidade", simplificada pelas mídias como "cárcere ou congresso", o que, certamente, terá uma agressiva campanha propagandística com o início da discussão sobre as Vítimas na Mesa de Havana. A pretensão de submeter a insurgência à justiça contra a qual eles se levantaram em armas, não pode ser o ponto de partida para esta discussão, mas, pelo contrário, a compreensão do caráter estrutural da violência emanada pelo conflito, que se erige como assassino único tal qual como se começa a expressar nos acordos metodológicos sobre o tema das delegações de paz, a necessária verdade histórica e a construção de uma nova normativa jurídica conforme o novo momento político.

Por princípio, a prisão não pode ser o destino dos revolucionários, muito além dos difíceis trâmites jurídicos próprios do legalismo santanderista propostos pelos porta-vozes editoriais. Mais que submeter a solução política ao leito de Procusto de um Marco Legal pela Paz unilateral e inconsulto, como ocorre com todos os temas que emanam dos diálogos e necessários para a real democratização do país, se requer é liberar à potência criadora do poder constituinte do povo soberano. Sob o risco de redundância, a solução política é um problema político, mais do que jurídico.

Santos se reelege com inúmeros compromissos em disputa no interior da confusa colisão que o apoiou, difíceis de conciliar em termos gerais. A luta política dentro e fora da institucionalidade será determinante para dar-lhe uma identidade a seu segundo mandato, assim como circunstâncias persistentes nos terrenos econômicos, institucional ou internacional. Não podemos confiar em que Santos seja fiel a um mandato que lhe pertence, quando nem sequer tem sido leal aos seus. Devemos conquistar a autêntica paz com a luta popular e impô-la ao governo nacional.

Grandiloquentemente, Santos acredita ter sido marcado pelo demiurgo para entrar ele mesmo em maiúsculas na história nacional e universal como o estrategista da finalização de nosso extenso conflito armado. Efetivamente se encontra ante uma possibilidade única de contribuir com um passo adiante na solução política, porém isso dependerá de sua determinação para possibilitar o processo constituinte em vias de começar a brotar e que pode condensar os anseios de paz do povo colombiano e canalizar os importantes avanços realizados em Havana.

De uma maneira interessante, esta reeleição atípica propiciou um espaço de encontro de diversas forças progressistas. Esta frente pela paz tem todas as potencialidades caso consiga identificar que hoje na Colômbia a paz se chama Assembleia Nacional Constituinte e não ficar submetida à férula de prematuros afãs eleitorais. Nada mais equivocado neste momento que reviver espíritos sectários acerca dos múltiplos caminhos que, em meio à turbulência dos turnos presidenciais e à instrumentalização da paz, tomaram os distintos atores do setor democráticos. A conquista da solução política através de uma ANC requer o concurso unitário dos abstencionistas, do crescente voto em branco e daqueles que votaram em Santos porque, honestamente, queriam a paz. E mais, na necessária unidade pela paz e a constituinte devemos convocar muitos votantes do Centro Democrático que o façam mais por oposição ao mau governo de Santos que por sua filiação fascistóide. Requeremos, pois, impulsionar um grande acordo pela Paz e pela ANC, que não se deixe oprimir por partidos e nem plataformas eleitorais ou apoios governamentais, e que necessite ser ratificado nas ruas, exigindo estas duas reivindicações centrais para o povo colombiano.

A relação intrínseca de ambas consignas faz com que hoje elas sejam inseparáveis: Nova constituição para a solução política, solução política para uma nova constituição. Neste sentido, a unidade tática pela paz se converte necessariamente em unidade política para a convocatória de uma ANC, onde todos nos encontramos. É uma ANC pela paz, um nítido espaço de unidade popular e de todos os setores democráticos, já que não aspiramos um cenário excludente, mas que busca aglutinar as forças vivas de um novo país. Não estamos falando do triunfo final de nosso projeto revolucionário, que não se esgota nesta conquista, mas sim do mínimo necessário para obter a paz democrática com justiça social.

Não basta o chamado genérico para uma paz etérea, mas um que devemos ganhar em afiançar o conceito de solução política, que inclua os necessários diálogos das partes beligerantes e da abordagem das causalidades estruturais da guerra. A visão maniqueísta da paz como mero silenciamento dos fuzis, como processo unilateral de submissão da insurgência ao status quo, como se estivesse dialogando com uma guerrilha derrotada, hoje segue afincada em muitas expressões políticas do país, porém não consegue formar o acervo necessário para uma autêntica frente unitária pela paz, coerente com os interesses populares. Nós, patriotas colombianos, sabemos que não basta falar de paz ao continuar desenvolvendo a guerra contra o povo.

Uma Constituinte para a paz não deve somente referendar e regulamentar o já acordado em Havana, nem unicamente resolver as profundas limitações e dissensos das partes consignadas até agora, mas incentivar o poder criativo do constituinte primário. As mesas de diálogo serão apenas uma das torrentes democráticas que confluem neste processo constituinte. Neste sentido, sem obstáculos e ante o esgotamento efetivo dos resquícios democráticos da Constituição de 1991, em que pesem seus nostálgicos, a ANC pela paz deve abordar todos os temas substantivos que já o poder constituinte, – o novo poder que brota, que se expressa nos movimentos populares –, está sendo gestado. Nesta ANC pela paz devem ser encontrados todos os movimentos constituintes e unidas suas agendas; não é um exercício fundamentalmente jurídico, mas um exercício de luta política.

Para garantir estes objetivos de expressão e unidade do povo soberano, a ANC pela paz deve compreender vários aspectos: a) O caráter da ANC deve ser soberano, abordando os acordos e desacordos da mesa de diálogos, mas não circunscrita a estes somente. b) A ANC deverá assegurar que sua formação não reproduza o atual poder constituído que se quer substituir. Neste sentido, se deve firmar nesta ANC a participação direta e proporcional das organizações insurgentes, dos movimentos sociais e populares, dos sindicatos, da academia, dos partidos políticos nacionais e de todas as regiões de nosso país. c) As temáticas assumidas pela ANC pela paz não devem mais ser contenções à vontade do povo soberano e não serem delimitadas pelos poderes constituídos que busca superar. De acordo com nossa Plataforma e as reivindicações mais imediatas do povo colombiano, a ANC deve abordar, entre outros aspectos, o necessário aprofundamento, fortalecimento e expansão da carta de direitos existentes, a real democratização do Estado a partir de uma profunda reestruturação de todos os seus ramos e órgãos, a construção de um regime econômico que garanta os direitos sociais e coletivos, e o reordenamento das relações internacionais mediante a conquista da soberania nacional. A tarefa imediata em termos de conteúdos de uma nova constituição deve ser compendiar o imenso acúmulo de propostas populares e traduzi-las em uma proposta de autêntico mandato alternativo.

Encontramo-nos, pois, ante um convulsionado e inconstante momento político, menos pela "gabitenologia", "governança" e demais intrigas midiáticas urdidas pelas classes dominantes, e mais pela crise e desgaste do bloco do poder e a persistência da resistência popular. O desenlace destas conjunturas críticas apenas está dado pela ação dos sujeitos políticos, e nos corresponde estar à altura das circunstâncias, mantendo uma intensa práxis revolucionária em prol de uma autêntica solução ao nosso conflito social e armado. A saída que depende de todos nós passa por essa Assembleia Nacional Constituinte, onde esperamos reencontrar todos para fazer nascer um novo país.

Vemo-nos na Constituinte!!!

Notas:

1 Ver Banco colombiano é cada vez mais rico e menos generoso. UN Periódico. Março de 2014.

2 A respeito deste conceito, ver ESTRADA ALVAREZ, Jairo. Derechos del capital. 2010..

3 Apesar das polêmicas na caracterização dos atuais regimes políticos latino-americanos que superam a pretensão do presente artigo, parte-se da diferenciação entre os próprios regimes denominados genericamente como governos alternativos. A esse respeito, ver entre outros KATZ, Claudio. América Latina: tres proyectos en disputa.2012.

4 Ainda que corresponda a temas de maior profundidade, falta a caracterização da economia política da dinâmica da guerra na Colômbia. Apenas para instigar, o país vive desde a declaração de guerra integral de Cesar Gaviria uma versão particular do que Jorge Bernstein chama para o caso norte-americano "keynesianismo militar", formando um autêntico complexo militar-econômico, convertendo a própria guerra numa linha essencial da economia nacional que freia o crescente exército industrial de reserva, configura os militares colombianos por tamanho e relevância como uma autêntica classe social, constitui camadas burguesas acionistas do conflito e grupos bélicos-clientelistas, em torno dos imensos contratos das Forças Militares que vão desde a intendência até os analistas de segurança.

Francisco Javier Tolosa é dirigente da Marcha Patriótica/Colômbia. 

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB).

 


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