1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (7 Votos)
Aníbal Garzón

Clica na imagem para ver o perfil e outros textos do autor ou autora

Em coluna

Nova Constituição em Angola...

Aníbal Garzón - Publicado: Segunda, 15 Fevereiro 2010 14:56

 

...  E onde está o povo para votar?  


Aníbal Garzón

Em Angola tem mudado a violência física (a guerra civil) pela violência estrutural (pobreza-desigualdade) e a violência simbólica (manipulação política). O povo não votou a Constituição. 

Processo de aprovação da Nova Constituição 

Na sexta-feira 5 de Fevereiro entrou finalmente em vigor a Nova Constituição da República de Angola com suas 244 artigos [1], modificando assim a anterior Constituição de 1991. Na passada quinta-feira 21 de Janeiro, a Assembleia Constituinte, com um total de 220 deputados, aprovou com 186 votos a favor, uma abstenção e nenhum voto contra, a Nova Carta Magna. A UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), principal partido da oposição do partido do governo, MPLA (Movimento Patriótico de Libertação de Angola)[2], decidiu não assistir à votação como táctica de boicote ao criticar a aprovação pelo aumento de poder que se cedia ao actual presidente do país, José Eduardo dos Santos. Presidente continuou desde faz 30 anos.  

A Constituição foi elaborada por uma comissão de 60 deputados assessorada por um grupo técnico, que aprovou por consenso 228 artigos dos 244, sem necessidade de votação. Depois de sua aprovação parlamentar no dia 21 de Janeiro, o Tribunal Constitucional, considerou excessivos os poderes atribuídos ao presidente ao intervir em assuntos que devem submeter só à Assembleia Nacional desequilibrando o sistema de poderes e fez recuar a sua aprovação para que se rectificassem os pontos 1 e 4 do artigo 134 e o artigo 109. Finalmente o texto constitucional voltou a ser aprovado, e consentido pelo Tribunal, a 3 de Fevereiro, com a assinatura final do presidente da Assembleia Constituinte, Fernando dá Piedade Dias duas Santos, agora vice-presidente com as mudanças do gabinete ministerial[3], e os legisladores. Assim, a Nova Constituição entrou legalmente em vigor a 5 de Fevereiro no Diário da República de Angola, dia em que José Eduardo dos Santos ratificou a Nova Constituição com o discurso protocolario oficial. Com a finalização da aprovação da Nova Constituição, José Eduardo Duas Santos definiu este evento como “o fim do período de transição e instaura (se) definitivamente um Estado Democrático e de Direito (onde) as grandes conquistas seguintes foram a democracia multipartidária a início dos anos 90 e a paz definitiva em 2002”.[4]  

Da guerra armada (violência física) à guerra social (violência estrutural)  

Johan Galtung, especialista em conflitologia, afirma que o antónimo do conceito 'paz' não equivale ao conceito 'guerra', mas ao termo 'violência'. Para Galtung, na sua tese do triângulo da violência existem três tipos de violência; a violência física, a violência estrutural e a violência cultural. Não existe paz social até serem eliminadas as 3 violências. Como violência física entendemos acções de ferir, matar, golpear, assassinar… acções directas num conflito armado social. Como violência simbólica entendemos simbologias e discursos que dão legitimidade ao uso da violência; desde racismo, fundamentalismo religioso (tanto judeu, como católico, como islâmico,…), machismo, tergiversações mediáticas e do poder sobre a realidade, imagens violentas nos meios de comunicação…, e, como violência estrutural, é a repressão indirecta que emite o sistema com seu poder para a população, principalmente no político e o económico, desde repressão institucional a exploração social.  

Meios de comunicação, com a escassa informação oferecida sobre este importante evento constitucional em Angola, assinalaram principalmente a aprovação dos artigos 59 e 60, na secção II sobre a Garantia dos Direitos e Liberdades Fundamentais. No 59, aprova-se a rejeição à pena de morte e no 60 que «ninguém pode ser submetido à tortura, trabalhos forçados, nem tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes».[5] Ressaltando a violência física como base da democratização de Angola, mas ocultando a importância dos outros dois tipos de violência.  

Com a finalização do conflito armado, entre MPLA e a guerrilha da UNITA em Março de 2002 nos Acordos de Paz de Luena, a violência física desapareceu e as mortes de combatentes e civis por confrontos armados foram eliminados. A paz armada definitiva conseguiu-se, a diferença de outras tentativas de negociação que fracassaram, em 1991 (Acordo de Bicesse, em Maio de 1991) e em 1994 (Acordo de Lusaka). Assim, conseguiram-se realizar as eleições parlamentares a 8 de setembro de 2008[6], 6 anos após os Acordos de Paz, onde o MPLA obteve 191 parlamentares, com 81,64% dos votos a favor, e a UNITA 16 cadeiras, com 10,39% de votos, do total de 220 cadeiras. Ao aceitar a UNITA a derrota estas eleições marcaram o final do processo de transição da violência física.  

Angola tem tido um crescimento económico espectacular, segundo o indicador macroeconómico do PIB, tão utilizado no paradigma neoliberal. Nos últimos anos tem sido o país do mundo com dados mais elevados, obtendo uma média de crescimento do PIB de 17,4%, desde o 2002 até hoje, segundo cifras oficiais internas[7]. Actualmente Angola tem grandes investimentos de empresas brasileiras, espanholas ou portuguesas, mas sobretudo de empresas chinesas, em temas de infra-estruturas e construção, onde milhares de chineses se deslocaram ao país africano para trabalhar[8]. Também, a sua alta produção de petróleo fez possível a inserção de Angola a 1 de Janeiro de 2008 como o 12º membro da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Mesmo assim, o elevado crescimento macroeconómico não é paralelo ao crescimento de desenvolvimento social e equidad, antes ao contrário, as desigualdades sociais a cada vez com maiores. Segundo o Coeficente de Gini, dados do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas), Angola é o país lusófono com maior desigualdade com o índice de 58.6%[9] no 2009. Complementando que no ano 2000-2001, a desigualdade era de 51%[10]. Dado isto, no período do fim da violência física política, o conflito armado, a desigualdade aumentou, todo e ter o país um maior enriquecimento económico segundo dados do PIB. Enquanto uns se enriquecem do rentismo dependente petroleiro de Angola, ou a venda do comércio de diamantes, outros se empobrecen, com percentagens de desemprego de 35%-40%[11], onde a maioria de jovens, militares e guerrilheiros desmobilizados da economia de guerra, devem conseguir subsistir diariamente com a economia informal, vendendo todo o tipo de objectos de consumo[12] nos engarrafamentos das ruas de Luanda.  

O crescente desemprego, o aumento de pobreza, de desigualdade social, a elevada inflação... que as políticas económicas capitalistas do MPLA têm causado prejudica um amplo sector da população que deve subsistir sem nenhum atendimento assistencialista do Estado angolano pola sua ruptura com o modelo socialista em 1991. Assim, a resposta de uma grande parte da população, vivendo em condições subumanas nos bairros de classes baixas de Luanda, os chamados “musseques”, ao não disporem de nenhuma organização política colectiva como vanguarda revolucionária, espaço que demagogicamente preenche o MPLA com o seu discurso de referente anticolonial, revolucionário, e vitorioso da guerra civil, produz um aumento da ética individual, “salve-se quem puder”. Com o crescimento da delinquência[13], roubos, assassinatos, violência civil, por causa do aumento de desigualdade e pobreza… Angola tem uma mudança de violência física a violência estrutural. A guerra em Angola não acabou. Exemplos similares são os de Guatemala ou O salvador, onde depois de seus processos de paz armada, em 1996 e 1992, respectivamente, não absorveu muitos dos militares e guerrilheiros no mercado laboral e com o crescimento do desemprego pela instabilidade económica das reformas neoliberais, muitos jovens organizaram-se em gangues armadas para delinquir socialmente como solução de sobrevivência. 

Aprova-se a Nova Constituição sem o povo: violência simbólica  

América Latina, uma região de mudanças sociais actuais, tem vivido e vive recentemente em diferentes países processos de reformas da Carta Magna, como é o caso de Venezuela, Bolívia… O processo de Reforma Constitucional nestes países seguiu umas pautas eleitorais e participativas, ao ser uma modificação completa e não simples emendas em base a alguns artigos. A nível simplista, depois de umas eleições parlamentares, primeira vitória eleitoral de Hugo Chávez e de Evo Morais, as Cortes realizaram uma votação para aprovar ou não a modificação da Constituição que o poder executivo propôs. Uma vez aprovada a absoluta modificação com maioria absoluta, dois terços de parlamentares, realizaram-se novas eleições gerais. Com o resultado das novas eleições gerais e a nomeação dos grupos parlamentares criou-se uma comissão constitucional, em proporção aos parlamentares obtidos pela cada partido, para redigir a Nova Constituição. Uma vez redigida a Nova Constituição, foi aprovada pelo parlamento e finalmente por Referendo, onde assim o povo decidiu directamente, como última palavra, a decisão de aprovar ou não a Nova Carta Magna final.  

Em Angola, a reforma constitucional total, não parcial como como na Venezuela ou Bolívia, tem tido outro processo. Com as eleições parlamentares de Setembro de 2008, conformou-se o poder legislativo, e com a vitória “esmagadora” do MPLA o poder executivo não teve mudanças. Com a câmara conformada com a maioria absoluta do MPLA, criou-se uma comissão de redacção da Nova Carta Magna que finalmente foi aprovada pelo parlamento no passado 3 de Fevereiro, com a aceitação final do Tribunal Constitucional e o presidente do executivo, Eduardo dos Santos. Ao aprovar o parlamento a criação de uma Nova Carta Magna em Angola, Onde está a dissolução do parlamento e a execução de uma nova jornada eleitoral para conformar um novo parlamento que elabore a nova Carta Magna, e não a elaborar em base às eleições do 2008? Onde está a decisão do povo angolano em aprovar ou não a Nova Carta Magna por referendo?  

No mês de Janeiro de 2010, 220 parlamentares, 191 do MPLA, decidiam sozinhos a Norma Suprema do Estado de Angola sem difusão e participação popular em referendo, e em base a grandes interesses económicos da recente burguesía de angolanos. Enquanto ao mesmo tempo, como táctica política, o país inteiro, em sua maioria de classes baixas empobrecidas que influem no chocante dado de 42 anos de esperança de vida[14] a nível nacional, estava despistado num espectáculo de grandes investimentos, a Taça África de Futebol, um espectáculo cheio de violência simbólica capitalista, ao inserir em Angola e a nível internacional, a imagem de desenvolvimento nacional por poder organizar este evento continental. Os angolanos e angolanas estão convencidos desse desenvolvimento com a frase de dos Santos, “A certeza de um futuro melhor”, mas os dados falam claro, bem só para uns poucos, os poucos que decidem por todos.  

Notas:

[1] Constituição oficial em português. http://www.portalangop.co.ao/arquivos/projecto-constituicao-republica-angola-2010-1-15-final.pdf  

[2] Formações politico-militares que mantiveram o bilateral conflito armado, com pequenos períodos de cesse de hostilidades e negociações, entre 1975 e 2002.  

[3] http://www.ntn24.com/content/nova-constitucion-obriga-a-mudanças-gabinete-angola  

[4] http://www.portalangop.co.ao/motix/é_é notícias/politica/2010/1/5/considera-genuina-nova-Constitucion,ab248c03-6cd5-4cac-a3d8-5ebb90dd3015.html 

[5] http://luandadigital.com/notícias.php?idnoticia=5791 e http://www.portalangop.co.ao/motix/é_é notícias/sociedade/2010/0/3/Constitucion-Republica-prohibe-Pena-Morte,078867d8-7f83-473c-ab19-fab6b6a92ee9.html 

[6] http://www.rebelion.org/notícia.php?vão=73314 

[7] http://www.portalangop.co.ao/motix/é_é notícias/economia/2009/9/40/PIB-Angola-cresce-nove-por-cento-ânus,49abb803-44f1-4ef3-a18e-cd5cfc86d89a.html 

[8]http://realinstitutoelcano.org/wps/portal/rielcano/conteúdo?WCM_GLOBAL_CONTEXT=/elcano/elcano_é zonas_é/africa+subsaariana/ari4-2009 

[9] http://economia.uol.com.br/ultnot/lusa/2009/10/21/ult3679ou7924.jhtm 

Ver relatório do PNUD 2009: http://hdr.undp.org/em média/HDR_2009_É_Complete.pdf (pag 222) 

[10] Livro. Angola: futuro e liberdade. Barba Demurtas. http://books.google.é/books?vão=mOOP05-jN6MC&pg=PA78&lpg=PA78&dq=coeficente+gini+angola+2001&source=bl&ots=dXbUTSlVS2&;sig=HBkhnPeULOhLULr73Hy9B-tACi4&hl=gl&ei=2Bh4S-P0J8q14Qadr8iiCg&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=4&vejam=0CBgQ6AEwAw#v=onepage&q=&f=false 

[11] http://www.angonoticias.com/full_headlines.php?vão=9689 

[12] http://ipsnoticias.net/nota.asp?idnews=89664 

[13] http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/notícias/sociedade/Combate-delinquencia-juvenil-exige-dialogo-multisectorial,7cd78005-c886-4754-bccf-3088d39954b4.html 

[14] http://www.unicef.org/spanish/infobycountry/angola_statistics.html

Fonte: Kaos en la Red (Original em espanhol). 


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.