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9204050881 a32fe086e0 zBrasil - Diário Liberdade - [João Guilherme A. de Farias*] No último dia 29, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) colocou fim à aliança com o Partido dos Trabalhadores (PT), oficializando a sua saída da base governista. Oportunismos à parte, essa decisão aprofunda a crise política e reforça a possibilidade de impeachment.


Foto de Raphael Tsavkko Garcia (CC BY-NC 2.0)

Contudo, deve-se esclarecer que em última instância, havendo ou não impeachment, a consequência será destrutiva unicamente para a classe trabalhadora.

Se o PT tem sido, nos últimos meses, o protagonista das mais devastadoras reformas na legislação previdenciária, a aliança que está em avanço entre o PMDB e o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) significa, por sua vez, a escandalização do mais primitivo retrocesso em face dos direitos trabalhistas.

A tal crise política é, assim, transpassada pela questão dos direitos sociais, os quais não raramente são objeto de transação na busca por uma alternativa “pacífica”.

Vejamos que o entendimento a respeito da crise política atual, de modo algum deve guiar-se pelo moralismo que faz sobressair o discurso anticorrupção, mas pelas generalidades do capitalismo e de suas singularidades no Brasil. E, nesse sentido, sem dúvida, a historiadora Virgínia Fontes é quem oferece uma rica análise conjuntural sobre o tema [1].

Nunca é demais ressaltar, diante da constante polarização, que ser contra o impeachment, não significa defender o governo Dilma. Por outro lado, colocar-se como oposição ao PT não é o mesmo que ser “de direita”, afinal, quem em honesta e sã consciência negaria que foi justamente o PT, na sua política conciliatória de forças intransigíveis (trabalho x capital), quem mais propiciou o avanço neoliberal?

A questão central é a seguinte: o impeachment trará consequências ainda mais negativas à classe trabalhadora!

Ora, se a burguesia financeira, ao contrário do setor industrial, que já se movimenta rumo ao avanço da flexibilização dos direitos trabalhistas com a eventual saída do PT [2], ainda está firme com o governo, o agronegócio já começa a vacilar.

No último dia 17, o senador Blairo Maggi (PMDB), mais conhecido como o “rei da soja”, concedeu entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, na qual afirmou, sem titubear, que a saída do PT do Governo Federal significa a oportunidade de “arrumar a casa”, o que quer dizer, nas suas próprias palavras, a “necessidade” de reformas na “previdência no longo prazo” e “a trabalhista, que é muito difícil de fazer, [no] curto prazo”, ao que concluiu: “a trabalhista seria algo urgente” [3].

Blairo é autor, dentre outros, do PL 208/2012, que pretende alterar a Lei 5.889/73, a fim de permitir a extensão da jornada de trabalho para até 12 horas, em razão de necessidade imperiosa e durante os períodos de safra; não considerar para fins de jornada o tempo de deslocamento do trabalhador rural entre sua residência e o local de trabalho em meio de transporte fornecido pelo empregador (in itinere); bem como permitir a terceirização do trabalhador rural [4].

Essa é apenas uma dentre inúmeras outras propostas que ganharão força com a saída do PT e a consequente “autonomia” conquistada pelo PMDB, que já avança rumo à aliança com o PSDB. Ainda que a princípio esta união apenas resulte de uma ação pontual: o impeachment da presidente Dilma Rousseff [5], seu prolongamento é a declaração oficial do ataque aos direitos sociais, sobretudo trabalhistas.

Por isso, trabalhadoras e trabalhadores não podem ter ilusões com a forma política estatal; a defesa das conquistas sociais, bem como a ampliação destas, está em suas mãos, devendo sua atuação pautar-se na organização política como classe independente e nas ruas, mas não ao lado dos representantes do capital e, portanto, seus inimigos, como a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), mas com organizações que propõem a saída pela esquerda!

Se o projeto político do PT abandonou a classe trabalhadora para atuar como “mediador” das classes, não há dúvida que o impeachment, promovido por disputas interburguesas, e a convocação de eleições gerais são estratégias absolutamente equivocadas e que contribuirão ainda mais para o desmonte das conquistas sociais.

Outro caso sintomático que representa a mais completa omissão do PT em temas centrais como a reforma agrária se deu em setembro do ano passado, com a contestação por parte de Aloizio Mercadante (PT), então ministro da Casa Civil, para derrubar o ato editado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que estabelecia, à parte de outras medidas, regras para a desapropriação de terras onde fossem flagradas condições de trabalho análogas à escravidão, dando lugar a assentamentos rurais.

Ora, não nos esqueçamos que nem mesmo o PT com sua “mediação” foi capaz de resistir à bancada ruralista, ocupada e financiada por poderosos da pecuária e da agricultura, cuja composição se dá majoritariamente por parlamentares do PMDB e PSDB, além, é claro, de legendas menores como DEM, PSC, PP e PR.

Com isso, o que queremos reforçar é que o impeachment tirará do Governo Federal um partido (PT) que, de certa forma, ainda mantem-se como mediador entre os “vampiros” do capital e os direitos sociais, sobretudo no campo do direito trabalhista, mediação exercida não por vocação, mas, em parte, por força da sua base, a qual não se nega a oposição de esquerda à cúpula do partido.

Em termos concretos, se a continuação do PT significa a manutenção das desgraças que afligem a classe trabalhadora, a sua saída representa carta aberta para a ampliação e o avanço dos projetos de lei que buscam precarizar ao máximo os direitos trabalhistas e sociais em geral, como resposta à exigência imposta por mais uma das muitas crises econômicas que existiram e continuarão existindo enquanto não superarmos o capitalismo: a reprodução do capital e a extração de mais-valor a qualquer custo.

Para não restar dúvida a respeito disso, lembramos uma passagem de um dos mais citados doutrinadores trabalhistas, Amauri Mascaro Nascimento (2011, p. 116), na qual demonstra o “entrave” que representa o PT para o avanço da precarização da legislação trabalhista [6]:

Com o Partido dos Trabalhadores no poder político e a eleição para a Presidência da República do seu líder, Luiz Inácio Lula da Silva, criaram-se fortes expectativas de alteração na legislação trabalhista [...]. Esperava-se uma reforma da arcaica legislação, o que não houve. A falta de iniciativa é agravada pelo fato de ser um governo que contou com a colaboração direta de lideranças sindicais.

Ainda que o Direito não forneça os elementos necessários à compreensão e à problematização da realidade que vivemos, haja visto o trecho acima e o posicionamento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) [7], há exceções nessa área, como Jorge Luiz Souto Maior [8], quem merece destaque, pois que nos restritos limites de atuação dentro do Estado, luta pela concretização e contra o retrocesso dos direitos sociais. Por isso mesmo, concluímos com sua fala, que sintetiza o que dissemos aqui:

É preciso, pois, ao menos, ter a percepção de que a questão trabalhista, mais uma vez, é o ponto central das tensões sócio-econômicas, mas da forma como a crise política tem se explicitado, a partir de uma disputa no plano das aparências, eis que deixa de lado as causas profundas da relação trabalho-capital, pode ser que os direitos trabalhistas se constituam a moeda de troca para se chegar à estabilidade política, sem que existam forças para se opor a isso, até porque a maior parte das pessoas que tem se posicionado nos debates não sofrerão as conseqüências diretas desse desmonte de direitos, que pode vir, portanto, com ou sem impeachment.

*João Guilherme Alvares de Farias é militante e estudante de Direito da PUC-SP.

NOTAS:

[1] “Um processo de direitização significa imposição do medo à maioria da população” In: http://pcb.org.br/portal2/10663

[2] “Brasileiros desejam mais flexibilidade no trabalho, aponta pesquisa” In: CNI/Ibopehttp://epocanegocios.globo.com/Carreira/noticia/2016/03/brasileiros-desejam-mais-flexibilidade-no-trabalho-aponta-pesquisa-cniibope.html / “Só 10% aprovam governo Dilma Rousseff, aponta pesquisa CNI-Ibope” In: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1755532-so-10-aprovam-governo-dilma-rousseff-aponta-pesquisa-cni-ibope.shtml

[3] “Se não arrumar a casa, vai entrar em colapso” In: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,se-nao-arrumar-a-casa--vai-entrar-em-colapso,10000021728

[4] “A precarização do trabalhador rural brasileiro nos projetos de lei 208/2012 e 627/2015” In: http://www.diarioliberdade.org/artigos-em-destaque/404-laboraleconomia/59989-a-precariza%C3%A7%C3%A3o-do-trabalhador-rural-nos-projetos-de-lei-208-2012-e-627-2015.html

[5] “Saída do PMDB do governo e sua aliança com o PSDB é a cartada final para o golpe', dispara Anísio Maia” In: http://www.24brasil.com/geral/sada-do-pmdb-do-governo-e-sua-alianca-com-o-psdb-a-cartada-final-para-o-golpe-dispara-ansio-maia/46856-noticias

[6] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 26ª. ed. Saraiva: São Paulo, 2011.

[7] “OAB protocola pedido de impeachment da presidente da República” In: http://www.oab.org.br/noticia/29423/oab-protocola-pedido-de-impeachment-da-presidente-da-republica

[8] “Os direitos trabalhistas sob o fogo cruzado da crise política” In: http://www.jorgesoutomaior.com/blog/os-direitos-trabalhistas-sob-o-fogo-cruzado-da-crise-politica


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