Será interessante perguntar por que razão a ilegalidade e a imoralidade invocadas por vários quadrantes estão destinadas a morrer sem efeitos práticos.
Todos se lembram do episódio final que ajudou a tramar a campanha presidencial de Maria de Belém. A senhora, mais umas dezenas de colegas deputados, requereram em surdina ao Tribunal Constitucional que lhes confirmasse o direito a uma pensão vitalícia pelo exercício passado de cargos públicos — e tiveram o TC do seu lado, arrecadando mais essa tença.
Diante da justíssima indignação do português comum que paga impostos, recebe mal, tem empregos precários, etc. etc., a resposta de Maria de Belém e dos seus correligionários de campanha refugiou-se no argumento de que não cometera nenhuma ilegalidade, como de resto ficava provado pela decisão do TC. Já antes, no curso da campanha, quando os adversários a acusaram de acumular cargos públicos com empregos privados (na mesma área da Saúde), a candidata respondeu com igual candura: não violei nenhuma lei.
E de facto é verdade: nem num caso, nem noutro, Maria de Belém terá infringido a lei. Nem ela, nem uma data de outros figurões que praticam a mesma arte.
Mas é aí precisamente que a questão ganha interesse. O problema não está na “imoralidade” (como então se ouviu) nem da “ilegalidade” do procedimento — o problema está na legalidade que o sistema político confere aos ganhos indecorosos desses especiais “servidores do Estado”, na manjedoura do Orçamento, por conta do “serviço público” que exercem por uns quantos anos.
Uma chusma de aproveitadores — no estrito limite da lei, e a coberto da lei — tiram partido, como é sabido, dos cargos que exercem para obterem todos os benefícios que o sistema lhes proporciona: não só os vencimentos dos cargos, mas os contactos privilegiados que lhes permitem acumular funções ou saltar mais tarde para empresas privadas.
À face da lei não são atacáveis. Tecnicamente não são corruptos. Esta é uma outra categoria de gente, que vive das instituições e do sistema legal que eles próprios afeiçoam e ajudam a manter. É o destacamento da classe dominante que exerce funções políticas, mas que não quer ficar atrás daqueles outros, da mesma classe dominante, a quem prestam o tal “serviço” chamado “público”.
A vidinha destes aproveitadores fica igualmente bem ilustrada pela contratação recente da, até há pouco, ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque por uma empresa internacional “gestora de dívidas”, a Arrow Global, cujo negócio é comprar dívidas por baixo preço e cobrá-las depois com lucro. Para isso, precisa evidentemente de conselheiros bem informados sobre a situação das empresas em causa, papel que Albuquerque pode desempenhar como ninguém. Mais uma vez, não haverá ilegalidade; e a “imoralidade” ficará... com quem a pratica.
Apesar do escândalo evidente de tudo isto, quer as suspeitas de ilegalidade, quer as acusações de imoralidade se mostram, nestes casos, perfeitamente ineficazes — pelo facto simples de a lei estar escrupulosamente montada para os permitir, e a moral não contar para nada.
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