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liberdade expressao 2PGL - [Paulo Gamalho] O negacionista do Holocausto, Robert Faurisson, escreveu um livro em 1979 onde se conclui que o regime nazista não utilizara câmaras de gás, afirmando que isto não é mais do que um mito montado por grupos sionistas para beneficiar a criação do estado de Israel.


Em 1980, Noam Chomsky escreveu o ensaio Comentários elementares sobre o direito à liberdade de expressão, onde discute o direito a realizar e publicar todo tipo de investigações, mesmo aquelas que se consideram repugnantes. Nesse ensaio, afirma: 

“Mas é elementar que a liberdade de expressão (incluindo a liberdade académica) não seja restrita aos pontos de vista que um aprova, e é precisamente no caso de pontos de vista que são quase universalmente descartados ou condenados que este direito deve ser defendido com maior força.”

Chomsky autorizou o uso deste ensaio para qualquer propósito e o editor de Faurisson utilizou-no como prefácio dum livro que defendia a tese negacionista. Nos anos seguintes, houvo um debate muito intenso na França no que as linhas editoriais de jornais como Le Monde e filósofos como  Bernard-Henri Lévy criticaram contundentemente a atitude de Chomsky. Mesmo foi acusado de antissemita. Finalmente, Faurisson foi condenado várias vezes pola justiça francesa por negar a existência dum crime contra a humanidade, e Chomsky é ainda visto por uma parte da sociedade francesa como um defensor das teses negacionistas. 

A liberdade de expressão é um direito protegido pola Declaração Universal dos Direitos Humanos e polas constituições de vários países. Em todas elas existem também restrições que limitam este direito. A maioria das restrições ou excepções podem agrupar-se em quatro grandes categorias:

 

  • Incitar uma ação criminal iminente. Por exemplo, se digo no espaço público “Hai que matar o director do banco”, cometo um delito se considerarmos a incitação a um ato criminal como uma excepção ao direito de liberdade de expressão.

  • Fazer asserções falsas sobre factos verificáveis. Por exemplo, se digo “Paulo matou o diretor do banco” sabendo que foi Pedro, cometo também um delito se a difamação forconsiderada uma excepção ao direito de liberdade de expressão. Nesta categoria, podemos também incluir a defesa das teses negacionistas defendidas por Robert Faurisson e outros antissemitas. 

  • Emitir expressões de ódio e ofensivas contra pessoas, grupos ou minorias procurando com isso incitar e induzir a discriminação racial, religiosa, de género, etc. Se eu dizer: “os banqueiros merecem ir todos ao cárcere”, num contexto social onde os banqueiros são um colectivo minorizado e vulnerável, poderia estar cometendo um delito. 

  • Exaltar e justificar ações criminais, entre elas as terroristas. Por exemplo, se berro “Longa vida aos que matam banqueiros!” ou se afirmo “Matar banqueiros é beneficioso para a nossa sociedade”, estaria usando a linguagem para exaltar e justificar ações criminais. O artigo 578 da Lei Orgánica 10/1995 do Código Penal do Estado Espanhol considera esta excepção à liberdade de expressão como um delito. 

 

Não é fácil determinar o que é uma excepção contra a liberdade de expressão. Os principais conceitos envolvidos nos diferentes regulamentos legislativos têm fronteiras difusas: É mesmo difícil distinguir uma simples opinião de um facto verificável, uma injúria de um sentimento de raiva, uma agressão psíquica de um escárnio ou simples sarcasmo, etc. No entanto, a discussão sobre estas quatro restrições e os conceitos que as definem é positiva e estimulante. É interessante contrastar a visão restritiva de Levy face ao pensamento libertário de Noam Chomsky, que apenas aceita como excepção a incitação a uma ação criminal iminente, resaltando mesmo o de “iminente”. A discussão entre Noam Chomsky e Bernard-Henri Lévy situa-se, portanto, entre um posicionamento anarco-libertário que só aceita imposições minimalistas ao direito fundamental, frente a uma visão mais normativista, a de Lévy, que inclui entre as excepções a expressão de factos que se consideram falsos (segunda restrição) e aqueles que são ofensivos contra um grupo social (terceira restrição).  Um debate deste tipo deveria reabrir-se de novo, com argumentos e opiniões a favor e contra, incluindo também a discussão sobre a quarta restrição pois é um suposto central na normativa do Estado Espanhol. 

O caso recente dos titereiros não abriu realmente este debate. Bem ao contrário, a maioria das discussões deram por adquiridos os quatro supostos para centrar-se num aspeto marginal da quarta restrição: é delito ou não exaltar um acto criminal numa obra de ficção? Neste novo debate, parte-se de uma situação conservadora: o consenso de que é delito a exaltação de um acto criminal (quarta restrição). Nem se discutem os outros três supostos, aqueles que estavam no foco do debate há 35 anos entre Chomsky e Lévy. Uma decisão judicial absurda resitua o debate da liberdade de expressão num espaço novo, onde já se dá por suposto que a difamação, as injúrias e a exaltação do terrorismo são actos criminais. Mesmo ganhando o debate, perdermos. Perdemos o foco do que deveria ser realmente discutido. 

Como linguista, eu colocaria no foco do debate não só aspetos sociais e morais, mas também elementos essenciais da língua, nomeadamente a semântica e a pragmática. Neste sentido, várias questões podem colocar-se: É preciso condenar o emissor de expressões linguísticas cujo significado é o resultado de um complexo processo cognitivo em que intervêm fatores contextuais, simbólicos, subjectivos, metafóricos, perceptuais e metalinguísticos, e que nem sequer um linguista é quem de modelar e representar formalmente? A emissão de Gora ETA! Viva Franco! los reintegracionistas merecen un tiro en la nuca! é sempre um delito ou é preciso contextualizar? Neste último caso, em que contextos, situações discursivas e co-textos a emissão de tais expressões é delito? Os juízes que interpretam estas expressões devem ser portanto assessorados por linguistas e por lógicos da linguagem? 

Chomsky, além de politólogo anarco-libertário, é sobretudo linguista. A mistura destas duas identidades levou-no a afirmar: se acreditamos na liberdade de expressão, então acreditamos na liberdade para que outras pessoas dêem opiniões das que não gostamos.


Paulo Gamalho nasceu em Freixeiro (Vigo) em 1969. É licenciado em Filologia Hispânica pola USC e Doutor em Linguística pola Université Blaise Pascal, França. É docente-investigador especializado em linguística computacional.


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