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260815 25aPortugal - Jornal Mudar de Vida - Por uma Plataforma comunista. Crise, soberania nacional e luta de classes (II).


Como ficou prometido em anterior publicação neste site (e reproduzindo a edição em papel do MV 49, de Maio-Junho), prosseguimos a divulgação de mais um dos temas debatidos em torno da plataforma Enfrentar a crise, lutar pelo socialismo — Uma perspectiva comunista.
Depois de termos abordado questões levantadas pela natureza da crise actual do capitalismo (no texto intitulado Uma crise passageira, ou o sinal da falência do capitalismo?), procuramos agora, na continuidade deste mesmo texto, responder a uma outra interrogação: O domínio do capital financeiro e das potências imperialistas faz da defesa da soberania nacional e das instituições democráticas o centro da luta política? como colocar a questão em termos de luta de classes?

Leia também:

Uma crise passageira, ou o sinal da falência do capitalismo? (Por uma Plataforma comunista. Crise, soberania nacional e luta de classes (I).

A via estreita do nacionalismo

Sem observar o capitalismo concreto de hoje, a sua dinâmica interna, as suas mutações, a esquerda torna-se incapaz de definir uma linha política para enfrentar a ofensiva do capital. A ligação estreita do capital de cada país às potências dominantes, a pressão do imperialismo em todo o mundo e a incapacidade das forças proletárias, até agora, de sacudirem essa pressão levaram a esquerda a centrar-se na batalha pelo “melhoramento” das instituições democráticas e a erguer a defesa da “soberania nacional” à condição de plataforma comum de todo o “povo” (e nalguns casos a pintar mesmo de cores revolucionárias essa suposta luta comum da “nação”).
Não faltam entre nós exemplos disso, desde a linha geral do PCP e do BE, à palavra de ordem “Venha o escudo” do PCTP/MRPP, passando pelo argumento contra a privatização da TAP ou da CGD de que se trata de “crimes de lesa-pátria”.

Não é possível unir “toda a gente”

O argumento geral é este: diante da agressividade do imperialismo, do domínio esmagador do capital financeiro, da política “neoliberal” hegemónica, da perda de margem de manobra das burguesias dos países mais fracos, do esmagamento do direito dos povos a escolher os seus destinos — só resta unir toda a gente que se sente prejudicada e ofendida com o curso político, do país e do mundo.
Mas, alertamos nós, essa “toda a gente” não tem a mesma perspectiva da luta política porque não coloca em jogo os mesmos interesses. É pois obrigatório pôr a pergunta: Quais são as forças sociais do mundo de hoje que estão em condições de levantar uma barreira a esta ofensiva? Quais são as classes capazes de fazer frente ao capital e ao imperialismo e de levar essa luta até ao fim?

O direito de auto-determinação e a soberania das nações não são coisas do passado nem deixaram de fazer parte da luta contra o imperialismo. A questão é outra. Para um marxista o problema é o de saber quem deve dirigir esse movimento — a burguesia de cada país ou o proletariado. Ou como deve o proletariado integrar-se nessa luta, caso não tenha condições para a encabeçar, como no caso dos países menos desenvolvidos do ponto de vista capitalista.

Soberania no lugar da luta de classes

Não é deste modo que o assunto é colocado pelos defensores de uma luta geral pela soberania da “nação”. Ao contrário: ao sublinharem que a globalização capitalista espezinha qualquer direito democrático e nacional (coisa evidente) não concluem pela necessidade de uma luta anticapitalista, antes acabam por colocar a luta popular por direitos democráticos e pela soberania no lugar da luta de classes.

Insistimos: um povo conduzido por que classe? soberania com que conteúdo social?
Sem que haja resposta a estas perguntas é todo um programa reformista — sem possibilidade de êxito nas actuais condições do mundo capitalista — que se insinua. A ideia de que “o povo” tem de arvorar a bandeira nacionalista que a burguesia “atraiçoou” ou abandonou, é tese que fez carreira no movimento comunista revisionista, e a que o PCP, por exemplo, se mantém fiel. Mais: esta ideia sugere que uma “unidade de todo o povo” em torno de exigências democráticas é escola e estágio obrigatório para o socialismo, mesmo em países plenamente capitalistas e democráticos como o nosso. É o que defendem os adeptos da via da democracia avançada rumo ao socialismo, de que entre nós o BE é outro representante, apesar de lhe dar outro nome.

A nação de ontem contra o internacionalismo

Também a propósito da evolução verificada na UE, sobretudo nestes anos de crise, a ideia de uma suposta “questão nacional” que estaria por resolver, volta a ser tema político de primeiro plano. Renasce, também assim, o sonho de um regresso à soberania nacional de ontem.
Claro que na UE há países mais poderosos que dominam outros; a relação entre eles é de natureza imperialista. Mas com o argumento da “ditadura” do grande capital internacional omite-se a participação de pleno direito das burguesias portuguesa, espanhola, etc. na cadeia imperialista europeia.
Esta omissão renova a ideia de que o “povo” tem de assumir a defesa da soberania nacional que a burguesia “atraiçoou” com a integração europeia — amalgamando uma vez mais interesses distintos como são os do proletariado e os da burguesia capitalista.

Quanto a nós, no grau a que a integração dos capitais chegou na Europa, o regresso às nações de ontem é impossível, está definitivamente ultrapassado. A evolução própria do capitalismo encarregou-se de dar esse passo.
A tarefa do proletariado, por conseguinte, não é lutar por uma “nação independente”, à imagem da nação burguesa de ontem (por mais tintas vermelhas que se lhe ponham) — é recuperar do atraso em que se encontra o internacionalismo proletário face aos avanços enormes do internacionalismo burguês, e fazer da Europa por inteiro o seu campo de luta. É neste sentido que os estados unidos socialistas da Europa têm sentido hoje em dia.

Democracia “avançada” contra o socialismo

A crítica desta linha política já está feita pelo movimento comunista revolucionário. Mas não é demais repeti-la. Parece aliciante a ideia de uma continuidade de acção que, através de melhoramentos democráticos (supõe-se que do agrado de todos), acaba, sem rupturas, no desejado (supõe-se também que por todos) socialismo. Este modo de pensar considera que as revoluções nacionais, democráticas, patrióticas, pela autodeterminação, participadas por todas as classes oprimidas de um país, serão o abre-latas do socialismo. Mas onde cabem, neste esquema, os interesses de classes que se digladiam, de forma aliás cada vez mais brutal, no mundo capitalista desenvolvido?

Na verdade, os termos do problema estão invertidos. E a inversão é esta: diz-se que a defesa das instituições democráticas, a exigência de “aprofundamento” da democracia (de conteúdo nacional e com base de classe popular-burguesa, portanto) abrirá caminho ao socialismo. Não se diz que será através da luta pelo socialismo (de conteúdo anti-capitalista e com base de classe proletária, portanto) que a dominação dos monopólios, da finança e do imperialismo será varrida.

Ora, sobretudo no mundo capitalista desenvolvido, não se pode reduzir o combate político a uma luta anti-oligárquica, com a burguesia financeira colocada no lugar da velha aristocracia. Não se pode fazer das classes médias, empurradas para a acção política pela crise, a força hegemónica do protesto social. O proletariado, mesmo se por enquanto silencioso, por não ter voz independente, é a força determinante para uma viragem política. Sem a sua entrada na cena política como força independente nada de essencial mudará.

Só o capital financeiro?

É comum a noção de que apenas a finança (na acepção de banca, bolsa, especulação) personifica o domínio capitalista de hoje, concretamente o domínio imperialista, e que só depende dela a política de austeridade.

Mas o imperialismo não se limita ao domínio de uma potência maior sobre países mais fracos — à imagem da dominação colonial. É acima de tudo a criação de laços de dependência que envolvem (em graus diversos de mando) as burguesias dos centros imperialistas e as burguesias de cada país.
Não se trata, no caso destas, de burguesias meramente intermediárias, como se falava, nas situações dos países colonizados, de burguesia “compradora” — isto é, de burguesias sem uma capacidade económica própria, servindo quase sempre como meros agentes da espoliação de matérias primas.

No caso dos laços imperialistas, trata-se de burguesias subalternas, certo, mas que têm capacidade económica própria, fazem parte da rede de exploração por inteiro do país. E é através dessa capacidade que o colocam na condição de elo da cadeia imperialista. Esta burguesia não é só financeira no sentido estrito do termo: integra, pelo menos no nosso caso, todo o grande capital e largas franjas do capital médio de todos os sectores económicos.

Para esta burguesia, a soberania nacional não é questão que se ponha, a menos que isso lhe sirva pontualmente para regatear margem de manobra face às potências, ou que sobrevenha uma crise que abale os equilíbrios estabelecidos. Acusá-la de ter “abdicado” ou de ser “incapaz” da defesa da soberania nem sequer faz sentido dado o seu papel próprio na cadeia imperialista, de que é membro de pleno direito.

Nacionalismo de esquerda?

O regresso a uma soberania nacional à antiga tem os seus adeptos entre nós. O mais firme dos quais é o PCP. Mas essa soberania (utópica, voltamos a dizer) vai ao encontro dos interesses de que classes? Esta é a pergunta que nunca é colocada e, portanto, nunca tem resposta — mas é a questão decisiva dum ponto de vista marxista.

A nosso ver, vai ao encontro, essencialmente, dos interesses do pequeno capital ou, para usar a linguagem do PCP, dos micro, pequenos e médios empresários, efectivamente esmagados pelo grande capital.
Este patriotismo de esquerda, como o PCP o designa, tem o aliciante de parecer juntar num mesmo bloco de interesses todas as vítimas da crise e da globalização. Mas tem um problema: obriga de facto a subordinar os interesses de classe do proletariado (anticapitalistas) aos interesses (capitalistas) de sobrevivência da pequena burguesia.

Duas vias

Dir-se-á: este tipo de posições políticas não deixam de falar contra o capitalismo. Pois não, mas ao dirigirem todas as atenções para o capital financeiro (no qual vêem a personificação exclusiva do domínio imperialista, como acima dissemos), e ao erguerem a luta democrática e nacional ao plano de uma linha geral, acabam por colocar as demais camada capitalistas no saco das classes oprimidas. E é daí que lhes vem depois a incapacidade para definir uma linha política baseada no confronto de classes.

Nisso reside a nossa diferença de perspectivas. É que no manifesto ECLS — a partir da observação da evolução do capitalismo nas últimas décadas, da crise em que se arrasta, da integração do capitalismo português na UE, do extremar de posições de classe que isso implica — deduzimos a ideia de que se criam condições para um novo ciclo revolucionário e, portanto, a necessidade de reerguer a luta anticapitalista, de base proletária. Ao passo que a esquerda hoje preponderante — passando ao lado de toda aquela observação, vendo apenas por fora a expansão e o reforço do domínio imperialista sem lhe detectar as contradições internas — só pode deduzir a necessidade de unir forças “populares”, “nacionais”, para defesa da “soberania da nação”.


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