1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (0 Votos)

150316 violenciaEsquerda Diário - [Gilson Dantas] Dühring, com quem Engels, como se sabe, vai abrir polêmica, imaginava que a violência era a fonte ou a matriz original da política.


E que estava na origem da sociedade moderna e da riqueza, em escala histórica. A violência seria a “maldade absoluta”, a ser demonizada em toda e qualquer situação. Seu foco, portanto, de um lado tomava a violência como um elemento moral basicamente a-histórico e, por outro, como se a violência social surgisse do nada.

Dühring chega a usar uma imagem pueril, de que tudo começa – a política, o Estado – quando Robinson Crusoe submete, pela espada, ao seu futuro servo, Sexta-feira. Por que isso teria acontecido? Por diversão, pelo prazer de Robinson? Não se sabe, Dühring não esclarece. O que se sabe, pelo argumento de Dühring, é que não acontece ali um ato de exploração, não é alguém que passa a trabalhar em benefício de outrem, a partir de meios econômicos [a espada etc] superiores; Dühring não entra nessa esfera. Os dez escravos por cada cidadão livre que havia em certo momento da Grécia clássica, eram, no seu imaginário, fruto da violência, explicáveis apenas pela violência bruta, seminal. É como se ele praticasse uma robinsonada em escala de massa e que jamais é vinculada, historicamente, à produtividade do trabalho em determinadas condições de desintegração das comunidades agrárias primitivas.

Para esse autor tudo se dá na esfera idealista de uma violência cujas origens estariam para além dos homens, da economia e da civilização. Alguma tara a ser corrigida, não se sabe como. Algum traço essencial que é marca dos humanos em todas as épocas e ponto. Quem sabe uma teoria do “gene egoísta” avant la lettre. Para ele, é só procurar em todas as épocas e você vai encontrar lá a violência. E que teria sido um ato político o criador da escravidão e assim por diante.

Portanto a violência continuaria na ordem do dia como uma necessidade ou algo assim tipo uma imanência histórica. Uma vez que, historicamente, encontramos, em sucessivas épocas, violência a perder de vista, fica parecendo que Dühring tem razão ao defender a violência social como um fenômeno sem determinações históricas.

Através de muita argumentação histórico-antropológica, Engels vai demonstrar que não foi um ato político que engendrou a violência, e que é preciso que haja, antes, a apropriação privada, alguma diferenciação social, para que a violência seja instrumentalizada, por determinada elite a seu favor. A violência não vem antes. O que haverá será uma violência que a cada passo vai se estruturando como elemento mais definidamente relacionado à desigualdade, às classes sociais.

E que, uma vez historicamente estruturada, só poderá ser abolida ... pela violência da classe oprimida. E pela instauração – contra a resistência da classe dominante e privilegiada - de uma sociedade fundada na cooperação e na abundância (que a indústria, sob controle e planejamento dos trabalhadores permite). Não é mais necessário que as classes exploradas projetem um futuro onde vai seguir acontecendo a reprodução social da violência ou da guerra. Até o fim dos tempos. A classe exploradora será levada à extinção, pela revolução proletária, e pela via da democracia socialista em processo. Classes sociais, diferenciação social e violência social desaparecem juntas.

Como explica Engels,
“Queremos acrescentar que, até hoje. todas as diferenças históricas entre classes exploradoras e exploradas, dominantes e dominadas, tiveram a sua raiz nessa tão imperfeita produtividade relativa do trabalho humano. Enquanto a população realmente trabalhadora, absorvida por seu trabalho necessário, não teve nenhum momento livre para se dedicar à direção dos interesses comuns da sociedade - direção dos trabalhos, dos negócios públicos, de resolução dos litígios, arte, ciência, etc.-, tinha que haver necessariamente uma classe especial que, livre do trabalho efetivo, tratasse desses assuntos. Esta classe acabava sempre, infalivelmente por impor novas e novas sobrecargas de trabalho sobre os ombros das massas produtoras, além de explorá-las em seu proveito próprio. A gigantesca intensificação das forças produtivas, conseguida graças ao advento da grande indústria, é que tornou possível que o trabalho possa ser distribuído, sem exceção, entre todos os membros da sociedade, reduzindo dessa forma a jornada de trabalho do indivíduo a tais limites, que deixem à disposição de todos um tempo livre suficiente para que cada um intervenha - teórica e praticamente - nos negócios coletivos da sociedade. Somente hoje é que se pode afirmar que toda classe dominante e exploradora é inútil e, mais ainda, prejudicial e entravadora do processo social. Até hoje, no entanto, não tinha chegado o momento em que essas classes deveriam ser suprimidas, como o serão, inelutavelmente, por mais que se defendam por detrás das trincheiras da ´força imediata".

Ou seja, eis que a violência agora pode assumir, finalmente, seu papel historicamente revolucionário e nos conduzir da barbárie para nossa história realmente humana. No argumento de Engels,
“Para o Sr. Dühring, a violência é a maldade absoluta. O primeiro ato de força é, em sua Bíblia, o pecado original, reduzindo-se todo o seu arrazoado a um sermão jeremíaco sobre o contágio do pecado original em todos os fatos históricos, e sobre a infame deturpação de todas as leis naturais e sociais por esse poder satânico, que é a força. Sabemos nós que a violência desempenha também, na história, um papel muito diferente, um papel revolucionário; sabemos que ela é, também, para usar uma expressão de Marx, a parteira de toda a sociedade antiga, que traz em suas entranhas outra nova: que é ela um instrumento por meio do qual se faz efetiva a dinâmica social, fazendo saltar aos pedaços as formas políticas fossilizadas e mortas. Mas, a respeito de tal aspecto. o Sr. Dühring nada nos tem a dizer”.

A teoria da violência, da força política, em Engels, parte de pressupostos essencialmente históricos, que se desenvolvem a partir de determinadas condições histórico-antropológicas do desenvolvimento dos seres humanos. pressupostos essenciais, todos eles desenvolvidos ao longo do seu clássico texto, como podemos ver na longa citação a seguir.

“Compreende-se com toda a clareza, do que ficou dito acima, qual o papel desempenhado pela violência, na história, com relação ao desenvolvimento econômico. Em primeiro lugar, a força política se baseia, sempre, desde as suas origens, numa função econômica, social, e ela se intensifica na medida em que, com a dissolução da primitiva comunidade, os indivíduos se convertem em produtores privados, aprofundando-se mais ainda a sua separação dos que dirigem as funções sociais coletivas.

Em segundo lugar, assim que a força política adquire existência própria em relação à sociedade, convertendo-se os seus detentores de servidores em seus donos, pôde essa força passar a atuar em, dois sentidos diferentes. Às vezes atua no sentido e com a orientação das leis que regem o desenvolvimento econômico. Neste caso, não há nenhuma discrepância entre os dois fatores, e a violência não faz mais que acelerar o processo econômico. Outras vezes, entretanto, a força política atua em sentido contrário e, nestes casos, acaba sempre por sucumbir, com raras exceções, frente ao vigor da evolução econômica. Essas raras exceções se referem a casos isolados de conquista. em que o invasor, menos civilizado, extermina ou persegue a população de um país, devastando ou deixando inutilizarem-se as forças produtivas do país invadido, com as quais nada sabe realizar. Foi o que os cristãos, na conquista da Espanha mourisca, fizeram com a maior parte das obras de irrigação, nas quais se baseava o progressista sistema de agricultura e de horticultura dos árabes. Toda a conquista de um país por parte de um povo inferior lhe entorpece, indubitavelmente, o desenvolvimento econômico e anula numerosas forças produtivas. Na imensa maioria dos casos, porém, casos em que a conquista é duradoura, o conquistador, se for um povo inferior ao conquistado, não tem outro remédio senão submeter-se à 'situação econômica' deste, que é superior, terminando a conquista com a assimilação do conquistador pelo conquistado, que lhe impõe, inclusive, na maior parte das vezes, o seu próprio idioma”.

Engels toma a violência, portanto, como um processo histórico, nos marcos da sua dialética histórica, fundado em suas determinações histórico-genéticas e em perspectiva. E não como uma categoria dada, a-histórica, por fora das relações de classe.

O monopólio da violência pela classe dominante moderna, que tem assumido formas de barbárie e carnificina – como se vê cotidianamente na Síria, no Oriente Médio em geral, mas também em distintos graus nos vários cantos do mundo – tornou-se uma pesada realidade diante da qual a esquerda e o proletariado avançado necessitam promover o necessário debate. Não apenas sobre que papel tem a violência na história (nas palavras de Marx, de “parteira da nova sociedade”), mas sobretudo sobre a questão da estratégia para que o proletariado possa se postular como sujeito político que supere esse estado de coisas. Estratégia revolucionaria e militar [propomos a esse respeito a leitura dos textos Trotski e Gramsci: debates de estratégia sobre a revolução no “Ocidente”, na revista Estratégia Internacional-Brasil n.6, outubro 2012 de autoria de Emilio Albamonte e Matias Maiello].

Estratégia revolucionária é um tema atualíssimo e a ser revisitado, de tal forma que na moderna revolução social não sejamos tomados pela ingenuidade de acreditar que a classe dominante vai deixar de lançar mão de seu maquinário repressivo, da sua violência de Estado para tratar de impedir todo avanço para uma sociedade não mais moldada pela opressão, corrupção endêmica e pela autocracia “democrática” e antioperária.

De toda forma, o debate-Engels sobre a concepção materialista histórica a respeito das determinações históricas e sociais da violência, nos marcos das relações de classe, não deixou de ser atual. Lado a lado com o debate sobre a necessidade da reinvenção da esquerda, retomando os debates da III Internacional de Lenin e Trotski, sobre o marxismo de centralidade estratégica.

[Está no prelo pelas Edições Iskra/Centelha, o livro O papel da violência na história , de Engels, onde este tema é amplamente desenvolvido; as citações acima integram o texto principal do livro que estará disponível no site www.centelhaculturallivros.com.br]


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.