No dia seguinte, em convenção do PMDB, pulularam brados de “Fora Dilma” e “Fora PT”, defendendo independência do governo federal, sem largar os cargos ministeriais.
Ontem, o espetáculo dantesco de fascistas, ultraliberais econômicos e uma massa de teleguiados nas ruas, desfilaram o costumeiro ódio ao Estado Democrático de Direito, às classes populares, às esquerdas e, sobretudo, ao PT, à presidente Dilma Rousseff e a Lula.
A Globo usou muito a expressão “povo” para designar os manifestantes. Só valeria tal enquadramento se o Brasil tivesse se europeizado, do ponto de vista étnico, e se tivesse elevado tanto os rendimentos gerais que as massas chegassem a andar de iate. Uma piada de mau gosto. Frações das classes médias e burguesas é que lá foram protestar.
Nesse sentido, até quando o PT e, particularmente, a presidente Dilma, vão aceitar essa ordem de coisas, timidamente, sem dar respostas contundentes? Convenhamos, falta grandeza. A ousadia tornou-se mercadoria fora do estoque para grandes atos.
Isso talvez se deva a uma questão geracional. Brizola todo mundo se recorda. Além de garantir a posse do presidente Jango, na Campanha da Legalidade, de 1961, armado e armando o povo gaúcho, encampou empresas estadunidenses e nunca se acovardou frente às Organizações Globo.
Perdeu, caiu no ostracismo político ainda em vida? Dane-se! Não sou eu quem digo, foi seu padrão de comportamento que assim se manifestou. Sua referencialidade política, contudo, encontra-se intacta, inabalável até hoje.
Mesmo um político de perfil tradicional, mas da velha guarda, como Itamar Franco – criado nas hostes trabalhistas juiz foranas de antes do golpe de 1964 –, era dado a umas “maluquices”. Como governador de Minas Gerais (1999-2002), deu enorme contribuição para a manutenção de Furnas sob a condição de empresa estatal.
Entrou em queda de braço com o presidente Fernando Henrique Cardoso que, com um privatismo e entreguismo contumazes, pretendia privatizar a empresa. Itamar chegou a mobilizar tropas da Polícia Militar, ameaçou explodir curso de rio, pintou e bordou. A empresa até hoje é estatal.
Então, é o seguinte: como é que uma presidente, na bica de ser destituída do cargo, pelo que tem de pior no país, não usa sequer a cadeia nacional de rádio e TV para fazer denúncias? Como é que pode ser submetida a vexações até pelo PMDB? Não é possível uma coisa dessas. Impressionante!
O PT e o governo federal, seguramente, têm às suas disposições documentos relativos às polêmicas privatizações tucanas, informações acerca de ações e compromissos controversos do PMDB. Como não os usa?
Como não submeter ao crivo da opinião pública e a uma potencial ação judicial, práticas nada republicanas e dos próprios adversários?
Bastante plausível que também possuam informações desabonadoras sobre a Globo e demais corporações de mídia nocivas aos interesses nacionais. Como não intervém publicamente? Nada falam?
Vão deixar mesmo que personagens e organizações danosas ao país e ao povo falem o que bem entendem, sem ao menos uma resposta acachapante em cadeia nacional de rádio e TV?
O uso dessa cadeia nacional é prerrogativa da Presidência, já que rádio e TV são concessões públicas. Como serem desmoralizados – e em silêncio! – pelo que tem de mais reacionário e entreguista no país?!
Com efeito, a anódina nota publicada pela Presidência da República, após transcorridas as manifestações fascistóides, foi lamentável.
Isso após a Globo, durante todo o domingo, sem qualquer pudor em seu golpismo e reacionarismo, defender abertamente projeto semiparlamentarista para "retirar poderes" da presidente (opinião pública manifestada pelo voto virou “detalhe”).
Após fazer apelos para a presidente "renunciar"; depois de as empresas dos Marinhos alegarem insatisfação dos "empresários", que estão "sofrendo", focando imagens na Fiesp (um dos comandos do entreguismo e do golpismo em curso, mero organismo gerencial dos interesses das multinacionais).
Após a Globo pregar, desinibidamente, uma pretensa "pacificação", que só pode ser entendida como a extensão do silêncio e da opressão das UPPs nas favelas cariocas para todo o território nacional e as classes populares e médias.
O horizonte para o PT está longe de ser alvissareiro: o governo do jeito que está, só Deus sabe quanto tempo ainda dura; o vice peemedebista descaradamente faz coro e quer se beneficiar com o golpismo; Lula sob pedido de prisão e um monte de urubu sobrevoando, doido por isso; o partido acusado de atuar como "organização criminosa", visando "perpetuar-se no governo". O desdobramento lógico é um horizonte de perda do registro eleitoral e eventual cassação de mandatos.
Qual o compromisso espera o PT alcançar em meio a tudo isso, em face de setores do bloco de poder nacional e internacional que não querem conversa alguma? Cumpre lembrar que o partido está sendo o alvo concentrado de todas as críticas ao torpe sistema político do país. Pode perfeitamente estar prestes a ser expulso desse mesmo sistema.
Um pouquinho de ousadia antissistêmica não seria nada mal. O que não foi feito nesses quase 14 anos de governo poderia ao menos nesses dias se tentar fazer.
Note que nem menciono apresentação de reformas sociais e econômicas de tonalidade popular. Isso foi abdicado, não vai ser da noite para o dia que se irá tirar da cartola. Friso apenas defesa do próprio governo e do partido e um direcionamento de acusações aos hipócritas, oportunistas e reacionários. Eles têm que ser desmascarados! O imperativo presidencial possibilita usar a TV e o rádio!
À essa altura do campeonato, senão é a solução para evitar a formalidade do golpe, cada dia mais difícil de ser bloqueado, ao menos pode mobilizar o povo e, especialmente, deixar flagrantemente nus aos seus inimigos.
Não custa recordar que o PT deve isso ao povo brasileiro, que o consagrou quatro vezes seguidas nas urnas, goste-se ou não.
Seria um serviço ao povo brasileiro, que não precisa ver um sistema político, apodrecido e enclausurado pelo poder econômico, sair legitimado dessa crise, com o mero e golpista expurgo petista. Um novo 7x1, agora no terreno político, o povo não merece.