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macri abutresArgentina - Resistência - [Marcelo Fernandes] O senado argentino aprovou um projeto de lei na madrugada desta quinta-feira (31), enviado pelo governo Mauricio Macri, que prevê o pagamento aos fundos Elliot, Dart, Aurelios, AC Paster, Blue Angel, NML Capital e Aurelius, os fundos abutres que processavam a Argentina na justiça norte-americana. Ao se sujeitar à imposição desses credores a ponto de modificar sua própria constituição, do ponto de vista da soberania não é apenas humilhante, mas também abre um precedente que trará graves consequências em futuras negociações com credores.


Charge: Latuff/Opera Mundi.

A origem do imbróglio sobre a dívida externa está na pior crise econômica da história da Argentina, decorrência das reformas neoliberais aplicadas no país durante os anos 1990. No dia 23 de dezembro de 2001, num país em estado de sítio, o presidente interino Rodríguez Saa, decretou a moratória sobre a dívida externa, à exceção das dívidas com instituições multilaterais, renunciando seis dias depois à presidência.

Sem poder obter financiamento externo no mercado financeiro a Argentina contava com a ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI). Entretanto, em janeiro de 2002, o FMI se baseou na incapacidade política do governo em implantar um programa de austeridade fiscal para negar um empréstimo ao país. Mais do que isso, a instituição que atuou diretamente na Argentina principalmente durante o governo de Fernando de la Rúa (1999-2001) passou a se opor a quase todas as medidas de política econômica que as autoridades argentinas tentavam colocar em prática. Em junho de 2002, por exemplo, o FMI exigiu que o governo argentino parasse de intervir no mercado de câmbio, inclusive ameaçando não retomar as negociações caso os controles cambiais fossem mantidos. O Fundo entendia que a Argentina não podia dispor livremente das reservas internacionais do Banco Central, argumentando que elas não pertenciam ao país já que teriam que servir para o pagamento da dívida que a Argentina tinha com a própria instituição.

Desde o começo do seu mandato em 2003 o presidente Néstor Kirchner passou a defender o ponto de vista de que a moratória era de responsabilidade de todos os que participaram da formação da dívida, e não apenas do governo argentino. O país vinha mantendo somente os pagamentos com as instituições multilaterais. Até que em janeiro de 2005, as autoridades argentinas apresentaram uma proposta unilateral de troca de títulos da dívida no valor de US$ 81,8 bilhões por três novos títulos com valor máximo de US$ 41,8 bilhões[1]. O processo de reestruturação envolveu 152 títulos da dívida denominados em seis moedas distintas e atreladas a jurisdição de oito países. O prazo de troca dos títulos se estendia entre os dias 14 de janeiro e 25 de fevereiro. No dia 9 de fevereiro a Câmara dos Deputados aprovou a lei “ferrolho” (ley cerrojo), que proibia a reabertura do prazo de conversão ou a modificação da proposta[2].

A proposta foi exitosa. Sem a ingerência do FMI, a reestruturação alcançou 76,15% do débito em default, o que no fim significou uma diminuição da dívida pública de US$ 191 bilhões para US$ 125 bilhões[3]. Ainda assim o então diretor gerente do FMI, Rodrigo Rato exigia que a Argentina reabrisse as negociações para a parcela dos credores que não aceitaram a proposta inicial de reestruturação (os holdouts) como uma prova de “boa vontade” ao mercado financeiro internacional[4]. É aqui que entra os chamados “fundos abutres”. Esse singelo nome cabe perfeitamente: os fundos abutres compram títulos de dívidas extremamente desvalorizados, isto é, muito abaixo do seu valor de face, como os títulos da dívida argentina que estavam em moratória. Depois entram na justiça para tentar receber o preço do título pelo seu valor de face, garantindo um lucro exorbitante. Em 2012, a Corte de Nova York decidiu favoravelmente a esses fundos abutres, obrigando o governo argentino a pagar US$ 1,3 bilhão no prazo de um mês, o que por si só é um absurdo, pois um Estado soberano não é uma pessoa passível de intimações ou embargos. Além disso, como vimos, a lei ferrolho impedia que o governo abrisse negociação com os credores que não aderiram à proposta de renegociação da dívida.

Mas qual o sentido do governo argentino em ceder à pressão dos fundos abutres? Segundo o presidente Macri, com a medida a Argentina recuperará sua credibilidade junto ao mercado financeiro internacional, voltando a ter acesso ao crédito externo. Portanto, estamos diante de um argumento nada criativo. Na realidade, esta é a mesma alegação utilizada pelo FMI durante a crise da dívida na década de 1980, com resultados nefastos sobre a América Latina, como é de amplo conhecimento.

É importante lembrar novamente que a decretação da moratória da dívida externa se deu simplesmente porque não havia alternativa. Tendo o FMI como porta voz, os credores pressionavam para que o país retomasse seus pagamentos, caindo toda a carga sobre o povo argentino. A proposta do governo Kirchner em distribuir a responsabilidade com os credores foi correta. O sistema financeiro não é um agente passivo a espera de clientes. A sua atuação gera enormes lucros, mas também envolve riscos, um deles é o de justamente não receber o pagamento devido. A decisão do presidente Macri é um atestado de tibieza do seu governo, o que é perigoso. Aqui vale frase do ex-presidente do Federal Reserve Bank de Dallas, Richard Fisher, “Eu acredito que os mercados financeiros se organizam como porcos selvagens. Se eles detectam uma fraqueza ou um cheiro ruim, eles atacam”.

Notas:

[1] MENDONÇA, Ana Rosa Ribeiro (2005). “Reestruturação da dívida argentina: proposta e resultados”. Boletim Economia Política Internacional: Análise Estratégica. nº 4, jan/mar. IE, Unicamp.

[2] COSTA, Antonio Luiz (2005). “Há vida após a moratória”. Carta Capital, 9 de mar.

[3] DAMILL, Mario, FRENKEL, Roberto e RAPETTI, Martín (2005). “The argentinean debt: history, default and restructuring”. CEDES, Buenos Aires, Abril.

[4] IMF (2005). “Press Conference on the 2005 Annual Meeting of the International Monetary”.

Marcelo Fernandes é economista.


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