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politica aconomicaBrasil - Le Monde Diplomatique - [Valter Pomar] É possível, além de derrotar a contraofensiva conservadora, criar as condições para uma ofensiva da esquerda? Sim, se no mais curto prazo de tempo o PT mudar de estratégia e o governo alterar sua política econômica.


Precisamos de unidade para derrotar a direita. Mas na esquerda brasileira continuarão existindo diferentes análises, programas, estratégias e táticas – o que não constitui um obstáculo intransponível, ou seja, não impede nosso êxito em defender e ampliar os direitos sociais, as liberdades democráticas, a soberania nacional e a integração regional. Nem impede a luta pelo socialismo.

Precisamos de unidade em torno de uma política acertada. Nos momentos em que o vento está a favor, erros de análise são atropelados pelas mobilizações. Mas nos momentos em que o vento sopra contra, uma análise correta pode fazer muita diferença.

Neste terreno das interpretações, há duas que fracassaram: a da “ultraesquerda” e a dos “ultramoderados”. Embora pareçam antagônicas, na verdade são simétricas, pois ambas acreditavam que o capital, o oligopólio da mídia e a direita seriam tolerantes com a presença do PT no governo federal.

Para a ultraesquerda, o PT seria um instrumento da classe dominante. Para os ultramoderados, o PT estaria demonstrando como salvar o capitalismo brasileiro de si mesmo. A vida derrotou ambas as posições: apesar de ter se conciliado com o grande capital, com a direita e com o oligopólio da mídia, o PT continuou sendo um estranho no ninho. As elites nunca apreciaram sua presença no governo, nem as importantes, porém estruturalmente tímidas, políticas que colocamos em prática desde 2003. As elites suportaram o que somos e fizemos, enquanto a relação custo-benefício justificava. Ou seja, até 2010.

A partir de 2011, a confluência entre a crise internacional, a dinâmica da economia nacional e as contradições político-sociais acumuladas em duas gestões presidenciais conduziram a um acirramento da luta de classes no país. Esse acirramento assumiu diferentes formas, algumas aparentemente confusas (como as oscilações da política econômica do primeiro mandato de Dilma ou as jornadas de junho de 2013), outras cada vez mais nítidas (como o segundo turno de 2014 e as manifestações pró/contra impeachment).

O acirramento da luta de classes não diz respeito apenas ao governo federal, a Lula, ao PT, nem mesmo aos direitos sociais e às liberdades democráticas tomadas isoladamente. De fato, há vários indícios de que estamos num momento de impasse estratégico, no qual o que está em questão é o conjunto da obra, ou seja, o padrão de desenvolvimento que o Brasil vai seguir nos próximos anos e décadas.

Apesar de suas diferenças táticas, as elites consolidaram seus propósitos estratégicos, que são basicamente: a) realinhamento com os Estados Unidos, afastando-nos dos Brics e da integração regional; b) redução do salário e da renda dos setores populares, diminuindo as verbas das políticas sociais, alterando a legislação trabalhista, reduzindo direitos, não reajustando salários e pensões, provocando desemprego e arrocho; c) diminuição das liberdades democráticas, criminalizando a política, os movimentos sociais e os partidos de esquerda, partidarizando a justiça, ampliando o terrorismo policial-militar especialmente contra os pobres, moradores de periferia e negros, subordinando o Estado laico ao fundamentalismo religioso, agredindo os direitos das mulheres, dos setores populares, dos indígenas.

Materializar esses propósitos estratégicos, como parece óbvio, pressupõe golpear profundamente as forças de esquerda, os setores populares, democráticos e progressistas em geral. Como naquele famoso poema, o PT e Lula são apenas parte do enredo.

Diante disso, como reagem as esquerdas? Até agora, os de ultraesquerda e os ultramoderados insistem no que vêm fazendo desde 2003, respectivamente: atacar o PT conciliar-se com o inimigo.

Os de ultraesquerda têm como objetivo derrotar o governo Dilma, especialmente em razão da política econômica. Consideram que o golpismo, embora real, constituiria essencialmente uma chantagem que a direita usa contra o governo e que o governo usa contra a esquerda, tendo como objetivo preservar a política econômica dentro de parâmetros conservadores. Na prática, esses setores – tanto quanto os ultramoderados – tendem a converter-se em linha auxiliar da direita.

Os ultramoderados, por sua vez, insistem em aplicar a política econômica derrotada nas eleições presidenciais de 2014. A situação beira o surreal: diante do ataque da direita, a presidenta é defendida pela esquerda, mas adota uma política econômica que prejudica a classe trabalhadora, com o argumento de que só haverá retomada do crescimento se houver investimento privado e de que só haverá investimento privado se fizermos concessões como a reforma da Previdência, a prevalência do negociado sobre o legislado, o ajuste fiscal, a retomada das privatizações etc.

Para citar um texto do professor Alexandre Fortes a respeito de outro assunto, o que a presidenta Dilma está fazendo “talvez possa ser resumido pela clássica frase do jogador João Pinto, do Benfica: ‘O time estava à beira do abismo, mas tomou a decisão correta e deu um passo à frente...’”. Para além de uma capitulação diante do pensamento neoliberal, trata-se de uma política suicida, que se não for derrotada e revertida causará a desmoralização e destruição da esquerda.

O restante da esquerda – que não é de ultraesquerda nem ultramoderada – tampouco compartilha o mesmo programa, estratégia e tática.

Há um setor para quem o centro da tática é derrotar o golpismo. Os defensores dessa linha (ao menos em sua grande maioria) não apoiam a política econômica do governo Dilma, mas consideram que a derrota do golpismo é essencial para que o governo tenha margem de manobra também na esfera econômica. Consideram ainda que centrar fogo na política econômica enfraqueceria o governo e, portanto, fortaleceria o golpismo. Portanto, na opinião dos que sustentam essa linha, a luta contra o golpismo (ou, em outras palavras, a defesa da democracia) constitui o centro da tática e deve subordinar qualquer movimento de crítica à política econômica.

Outro setor defende que nosso objetivo é derrotar o golpismo e mudar a política econômica. A mudança na política econômica é considerada essencial para garantir apoio de massa contra o golpismo. Por outro lado, manter a política econômica enfraquece o governo e ajuda o golpismo, ou pelo menos ajuda as elites a recuperar plenamente o governo em 2018. Além disso, sem mudança na política econômica, não haveria como viabilizar as reformas estruturais.

Qual seria, porém, a política econômica alternativa? Aqui, novamente, há duas posições fundamentais. De um lado estão aqueles que, com maior ou menor sofisticação, acreditam ser possível repetir agora o que foi feito por Lula diante da crise de 2007-2008. Esses setores, no mais das vezes, não percebem como aquilo deu nisso, ou seja, não atentam para a continuidade estratégica que existe entre as posições de Lula 2003-2010 e as de Dilma 2011-2016, continuidade de que é exemplo o fato de ambos não teremtentadorealizar reformas estruturais.

De outro lado estão aqueles para quem as mudanças na conjuntura internacional, na conjuntura nacional e principalmente na postura dos capitalistas não permitirão repetir, atualmente, o que foi feito no segundo mandato de Lula. Concordando ou não com o que foi feito naquele momento, agora é preciso mais radicalismo. Ou seja, desvencilhar-se da conciliação com o grande capital.

O conjunto do grande capital está sob direção de uma fração de classe que pretende aprofundar a política neoliberal e por conta disso não “reage positivamente” aos estímulos pró-crescimento e distribuição de renda. Assim, mesmo que algumas medidas de um programa econômico alternativo possam em tese ser do interesse econômico objetivo de determinados segmentos do grande capital, não se deve esperar que esses setores nos apoiem politicamente, pelo menos até que tenhamos superado a crise (Vargas viveu um dilema similar).

Um programa voltado para a retomada do crescimento, numa lógica oposta à do receituário neoliberal, deve incorporar uma diretriz inserida por Celso Daniel na resolução do Encontro do PT realizado em 2001, em Recife: não sairemos do modelo neoliberal sem ruptura. Em 2002, esse conceito foi explicitamente retirado das diretrizes partidárias e agora deve ser reintegrado com honras.

Um programa alternativo envolve três tipos de medida: a) medidas que não dependam do Congresso, tenham efeito imediato ou quase e contribuam para alterar rapidamente o estado de ânimo das bases sociais e eleitorais do governo; b) medidas que dependam em maior ou menor medida do atual Congresso, que deve ser pressionado pelas bases sociais e eleitorais reanimadas pelos efeitos daquelas medidas que não dependam do Congresso; c) medidas que dependam de uma nova correlação de forças, que deve ser constituída na eleição de 2018, tomando como base as mudanças iniciadas e propostas agora.

Uma descrição popular de um programa alternativo pode ser dobrar a aposta na opção que fizemos diante da crise de 2007-2008: mais investimento público, mais desenvolvimento industrial, mais mercado interno, mais integração regional, mais políticas públicas, mais salário e emprego, mais Estado. Não basta repetir o que fizemos naquela época, porque a situação mudou.

Não se trata, portanto, de defender nenhum retrocesso institucional em relação aos patamares mínimos estabelecidos pela Constituição de 1988. Pelo contrário, visamos criar as condições não apenas para impedir o retrocesso em relação aos avanços sociais obtidos desde 2003, mas também para prosseguir no caminho das mudanças.

Só haverá retomada sustentável do crescimento, acompanhada de uma ampliação continuada dos direitos da classe trabalhadora, se forem atendidos três pressupostos:

a) quebrar os oligopólios que controlam a economia brasileira, com destaque para o financeiro privado;

b) reconstruir a indústria de bens de capital, com destaque para a Petrobras (a esse respeito, é preciso derrotar a ação combinada entre setores do governo e da oposição de direita, que está promovendo a retomada da privatização e o fim das políticas de conteúdo nacional e de partilha), a Vale (que deve ser retomada pelo poder público) e para um plano de obras públicas que, por meio da construção civil, gere um efeito positivo em todo o setor industrial (destaque-se o impacto que obras de habitação e saneamento terão sobre epidemias como as causadas pelo Aedes).

c) ampliar e baratear a oferta dos bens que compõem a cesta básica (alimentos, transporte, moradia, saúde, educação etc.), sem o que teremos um desenvolvimentismo conservador. Como demonstração de que nossa política de enfrentamento da crise é oposta à dos neoliberais, o governo deve adotar imediatamente medidas de grande impacto que elevem o emprego e a renda dos setores mais vulneráveis da classe trabalhadora.

Os três pressupostos só se materializarão se houver ampliação da intervenção estatal, inclusive em termos de reforma agrária, reforma urbana e políticas universais. E, como é óbvio, se houver uma correlação de forças que sustente as medidas apontadas.

Cabe ao Estado transformar em investimento industrial e social os recursos que hoje estão “socialmente esterilizados” pelos oligopólios, em especial pelo capital financeiro. Em outras palavras, trata-se de lançar mão dos recursos orçamentários que hoje financiam a especulação, em benefício de um ciclo de investimentos, dirigidos no fundamental ao mercado interno e ao mercado regional. Isso exigirá, entre outras medidas, um alongamento compulsório do serviço da dívida pública e sua conversão em bônus compulsórios no plano de crescimento.

A adoção de um plano de investimentos públicos e expansão dos gastos sociais pode ser baseada na drástica redução das transferências financeiras do Estado para grupos privados, combinada com o uso das reservas internacionais, redução que pode ser em grande medida colocada em prática pelo governo, enquanto mudanças tributárias progressivas dependem em sua maioria do Congresso.

A diminuição da taxa básica de juros é fundamental, mas não suficiente. Da mesma forma que a existência de um oligopólio da comunicação obstrui a democracia, a existência de um oligopólio financeiro obstrui o crescimento com ampliação dos direitos. É preciso tomar as medidas políticas, administrativas e legislativas necessárias para que o setor financeiro público tenha predominância e para que o setor financeiro privado tenha papel secundário, de caráter regional e subordinado.

É possível, além de derrotar a contraofensiva conservadora, criar as condições para uma ofensiva da esquerda? Sim, se no mais curto prazo de tempo o PT mudar de estratégia e o governo alterar sua política econômica.

Os principais obstáculos a transpor são: a) o estado adiantado, a violência, eficiência, velocidade e multiplicidade dos ataques da direita, que vêm sendo maiores do que a capacidade de compreensão e reação de amplos setores da esquerda; b) as resistências ativas ou passivas que setores do governo e do PT oferecem à necessidade de mudar de política econômica e de estratégia; c) o nível de fadiga de material, desalento, desmoralização, curto-prazismo, derrotismo e a confusão político-ideológica, programática e estratégica reinantes em amplos setores da esquerda.

Os obstáculos são muitos e o tempo é curto. Mesmo assim, ao menos para nós que ajudamos a construir a experiência encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores, não existe alternativa justa e boa a não ser lutar. Até porque, em caso de nossa derrota, um preço muito alto será pago pela classe trabalhadora, no Brasil e região. De outro lado, a radicalização necessária para derrotar a contraofensiva da direita pode e deve servir de base para a aplicação do programa democrático-popular e socialista.

Valter Pomar é professor universitário e militante do Partido dos Trabalhadores. Entre 1997 e 2013, integrou o Diretório Nacional do PT, primeiro como terceiro vice-presidente nacional e depois como secretário de relações internacionais. Foi também secretário-executivo do Foro de São Paulo.


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