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Foto do Diário Liberdade Luciana Genro PSOLBrasil - Laboratório Filosófico - [Rafael Silva] A proposta de Luciana Genro, fundadora do PSOL, de, em 2016, serem feitas eleições gerais que substituam toda a corrompida classe política brasileira que aí está, é virtuosa apenas por atinar à lógica de que não é o caso que há algo de errado na estrutura política brasileira que a comprometa e que por isso deva ser reformado, mas, antes, e essencialmente, que a estrutura em si mesma seja errada. A estrutura é próprio erro aliás, em relação ao qual nenhuma reforma significaria realmente evolução.


Agora, a substituição total da atual estrutura essencialmente corrompida-corruptora que aí está não significa que a próxima, a ser construída democraticamente pelos próprios brasileiros no promissor vazio deixado pela atual, será mais virtuosa. Como falou Aristóteles lá atrás, a qualidade de um estado “é” a qualidade dos seus cidadãos (não há universal, somente particulares!).

Se Luciana Genro fosse mais ousada, e dissesse que além da atual classe política corrompida precisamos também esvaziar o Brasil de brasileiros coruptos, melhor dizendo, da corrupção que jaz em cada um de nós, para então um povo não corrupto-corruptível ter oportunidade de propor-construir uma nova estrutura livre de corrupção desde sua base, seria possível levá-la a sério. Entretanto, o aparente radicalismo da proposta de Genro vai só até metade do caminho. É reformista ainda assim. Portanto frágil e vulnerável aos mesmos males dos quais quer se ver livre.

A máscara transcendente do imanente Leviatã hobbesiano faz-nos crer que podemos ser, e que de fato somos melhores que nosso Estado; que temos escondido em nós, como se se tratasse de um plano B, a fórmula de um Estado melhor do que o que nos desagrada. Porém, isso outra coisa não é senão a abstração da nossa corrupção intrínseca concreta, em relação à qual, infelizmente, não nos revoltamos. Porventura tudo o que queremos ver deposto na política brasileira já não esteve desde sempre naquilo que chamamos de “jeitinho brasileiro” democraticamente espalhado pelo nosso país?

Ora, depondo uma presidenta, um único partido, ou todos eles juntos até, nos alienamos covardemente do fato de que o mal que nos aflige não nasceu neles nem a partir deles. Em ordem crescente, os políticos, os partidos, as figuras soberanas e, por fim, o próprio Leviatã são apenas expressões mais universais, e portanto mais abstratas do que, na verdade, existe particular e concretamente nos próprios cidadãos.

Sendo assim, se tivéssemos a bravura de vestir, cada um de nós, brasileiros, a veste rota da corrupção que mentimos a nós mesmos só os políticos vestem, ou seja, se imanentizássemos absolutamente a vil realidade éticopolítica brasileira, talvez aí a estrutura pudesse sofrer ou expressar alguma espécie de revolução virtuosa. Agora, enquanto formos vulgares e não resistirmos ao maniqueísmo que nos protege indevidamente no “lado bom” do problema que é de todos, seguiremos sendo esse problema que covardemente se auto ignora e que por isso mesmo permanece intocado.

E se é assim, ou seja, se permanecemos acreditando que a corrupção vem de cima para baixo, e nos recusarmos em ver justamente o contrário, é melhor partir para uma “política de redução de danos”, como acontece com usuários de drogas. Nesse sentido, é preferível a estrutura corrupta colocando cisternas nas casas áridas dos nordestinos, exigindo a construção de milhares de casa populares em troca de “favores mensaleiros”, e filhos de empregadas domésticas e de pedreiros na universidade pública, só para citar alguns, a estrutura corrupta que só proporciona a manutenção dos privilégios da velha e arraigada oligarquia.

A corrupção que nasce nos cidadãos, mas que é tão difícil de encarar, insuportável até, é essa que queremos ver somente em abstrações “transcentalizadas” tais como determinados partidos, representantes políticos, no Leviatã mesmo, porém, para que estes “outros transcendentes” carreguem uma culpa que na verdade é imanentemente de todos, e para que, obviamente, eles sejam punidos espetacularmente no nosso lugar. Essa corrupção que alienamos no outro realmente é mais fácil de ser deposta por nós. Entretanto, depor a corrupção que jaz no núcleo dos átomos brasileiros, ou seja, nos cidadãos, essa é bem mais difícil de ser tirada do poder.

A própria Luciana Genro, que defende veementemente o fim do financiamento empresarial a campanha de partidos políticos, não se privou de receber dinheiro de corporações oligárquicas tais como a Gerdau e a Zaffari. Contudo, antes de afirmar que ela prega moral “de cuecas”, cabe perguntar seriamente se há possibilidade de haver alguma pregação de moral sem ser “de cuecas”. Talvez o único moralismo que não seja contraditório nem vergonhoso seja aquele que não é pregado, mas atuado mudamente, sem propagandeamento prévio e estratégico.

Tire a Dilma do seu cargo, o PT do governo, os demais partidos, todos até, ainda assim restará um povo com as mesmas contradições no papel de operário de um outro Estado que, feito pelas mesmas mãos, em coisa não muito diferente resultará. Com efeito, o Brasil corrupto será concretamente deposto quando “impitimarmos” sistematicamente a nós mesmos sempre que baixamos filmes piratas da internet, aceitamos que os estabelecimentos comerciais nos quais consumimos não nos forneçam a devida e necessária nota fiscal, ou, como disse o historiador Fernando Karnal, quando colamos de um colega, ou damos cola a ele em uma prova sobre a Ética de Spinosa.

Retirando a soberana e transcendente máscara do Leviatã, tudo que veremos será uma relação absolutamente imanente entre aquilo que concretamente fazemos e aquilo que não queremos que seja feito. Entretanto, aqui, colocamos essa máscara abstrata como nossa representante soberana justamente para, ali, não mais nos reconheçamos como responsáveis naquilo que nos aflige. Porém, o problema estrutural aí permanecerá enquanto as peças essenciais dessa estrutura, os átomos brasileiros, quais sejam, nós, os cidadãos em geral, permanecermos nos iludindo de que o nosso problema é um outro que não nós mesmos.


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