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FILOSOFIA-ESPECIALIZACAO-SEM-FILOSOFIALaboratório Filosófico - [Rafael Silva] Desde sua vitória sobre os poetas e os sofistas da Grécia antiga, a filosofia atravessou vinte séculos como herdeira legítima e detentora da verdade.


Como queria Aristóteles: “A Ciência Primeira”. Porém, a revolução científica iniciada no século XVI deu cabo do longevo reinado da filosofia. Com as publicações de Copérnico, Galileu Galilei, Kepler, Newton, só para citar os mais importantes, as verdades universais que estiveram com os filósofos desde a antiguidade e durante todo o medievo passaram a ser objetos exclusivos dos cientistas modernos.

Sem escapatória, a filosofia teve de aceitar o ultrapassamento da ciência no que tange à posse e, mais importante, à produção das verdades objetivas. Quando Immanuel Kant, na sua Crítica da Razão Pura, expôs os limites da razão metafísica e a larga vantagem das ciências matemáticas, a filosofia sofreu o golpe mortal.

Entretanto, até hoje os filósofos querem sustentar uma outra dimensão do pensamento em relação ao real que não apenas a científica-matemática. Henri Bergson, à sua maneira, traduz muito bem essa pretensão da filosofia: “não haveria lugar para os dois modos de conhecer, filosofia e ciência, se a experiência não se apresentasse a nós sob dois aspectos diferentes”.

O filósofo francês Quentin Meillassoux afirma que a filosofia pós-kantiana é dominada pelo o que ele chama de “correlacionismo”, teoria que diz, grosso modo, que os homens não podem existir sem o mundo, o que é bastante óbvio, mas, o que é mais difícil para a ciência aceitar, que o mundo não pode existir sem os homens. Isso porque o correlacionismo limita qualquer hipóstase, isto é, qualquer substancialização dos objetos do conhecimento, como se eles existissem cognoscíveis fora das nossas mentes e independentes delas, pois não há correlação que seja dada em outro lugar do que em nós. Para o correlacionismo, de forma alguma podemos sair de nós mesmos para descobrir o que há do outro lado da correlação, independentemente de nós, pois um mundo somente tem sentido desde que seja conosco, para-nós.

Mesmo assim, a ciência enuncia verdades que hipostasiam um mundo real independente do homem. Por exemplo, as enunciações científicas acerca da formação do universo e do planeta Terra, acontecimentos que não podem ter se dado exatamente como propõe a ciência justamente porque não se deram ao homem. São ancestrais em relação a ele. Tais enunciados da ciência referentes a eventos ancestrais, do ponto de vista de um correlacionismo estrito, são impossíveis. Ora, como o universo e a Terra se manifestariam das formas determinadas enunciadas pela ciência se toda manifestação pressupõe alguém a quem se manifestar? Eis a encruzilhada que o correlacionismo coloca à ciência.

Com efeito, o mais pretensioso enunciado científico, qual seja, “o universo ‘se formou’ há 13,3 bilhões de anos antes do surgimento do homem”, não será refutado pelos filósofos, pois estes não podem aferir data mais precisa para o evento primordial. Porém, o filósofo pode sustentar que, de fato, o universo conforme diz a ciência, mas, “para a ciência”. Essa é a performance máxima da filosofia contra a ciência atualmente: dizer que há, no mínimo, 2 níveis de sentido em um enunciado como este. Segundo Meillassoux: o sentido imediato, realista, científico; e um sentido mais original, correlacional, filosófico.

O cientista, não obstante, recusa veementemente que haja outro regime de sentido para a compreensão de seus enunciados, sustentados por equações matemáticas, e, por isso, a filosofia terá de ficar de fora da apreciação deles. Porém, é exatamente isso que o filósofo não pode aceitar, pois, do contrário, teria de concordar com coisas que são absurdas para qualquer filosofia pós-crítica, por exemplo, que o Ser não é inerente à sua própria manifestação, isto é, que ele pode ser sem se manifestar; ou, o que é pior, que o pensamento pode pensar um tempo anterior ao homem – sendo que, desde Kant, o tempo é mera representação sensível que reside exclusivamente em nós, homens.

Se o filósofo pode sustentar alguma coisa contra a produção do cientista, é porque a formação do universo, por exemplo, não pode ter se dado conforme está sendo ingenuamente enunciado pela ciência, isto é, não correlativamente a uma consciência. O cientista, todavia, pretende-se mais sofisticado do que o filósofo, avançando sem problemas mediante enunciados “objetivos” desprovidos justamente de objetos pensáveis, uma vez que a abstração matemática é a sua concretude suficiente.

Talvez a pertinência da filosofia contemporânea esteja no apontamento da impossível universalidade das enunciações científicas. Segundo o filósofo contemporâneo Slavoj Žižek, “toda ‘verdade’ tem de ser enunciada para se efetivar, e que o momento (e o lugar) dessa enunciação é sempre contingente”. Para ele, a filosofia está aí para dizer que esse momento contingente não é apenas externo, mas imanente. Nas palavras de Žižek: “a expressão contingente de uma verdade necessária sinaliza a contingência dessa própria verdade necessária.”

Para não negar à filosofia a possibilidade de contribuir com a ventura científica, quiçá corrigi-la, basta lembrar do que Bergon disse: que “filosofar consiste em inverter a direção habitual do trabalho do pensamento. Devemos a essa inversão -inventada pela filosofia- o que foi feito de mais importante inclusive nas ciências. Afinal, o mais poderoso dos métodos de investigação que de que o espírito humano dispõe, a análise infinitesimal, nasceu dessa própria inversão”.

O filósofo é aquele que pode -e talvez o que deve- apontar os absurdos de enunciados científicos que, embora metaforicamente, dizem que certos objetos reais descritos por determinadas equações matemáticas são, digamos, “buracos negros” ou “buracos de minhoca”, pois, como a própria já ciência sabe, tais objetos não são, nem têm como ser “buracos”, nem “negros”, nem “de minhocas. Todavia, a ciência não enuncia suas produções sem se valer dessas miseráveis metáforas. Ás misérias da ciência, portanto, filosofia!

Quem senão o filósofo para desvelar a ingenuidade das metáforas científicas? Quem senão a filosofia para prevenir que as verdades de validade universal produzidas pela ciência não soem como poesia ou sofística? A filosofia, nos seus primórdios, salvou o universal das contingências da poesia e da sofística. Atualmente, tem o dever de fazer o mesmo com as universalidades assaz abstratas da ciência.


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