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240814 cgoesBrasil - Le Monde Diplomatique - [Ana Carolina Westrup] A grave ameaça à liberdade de expressão sob forma de uma ação criminal vivenciada no caso de Cristian Góes ganha repercussão nacional e internacional, com notas de apoio, articulações de diversas entidades e uma denúncia formalizada na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA.


Quantos de nós ouvimos histórias em que o rei tinha o poder soberano e todos os seus subordinavam o respeitavam e faziam da sua ordem a lei?  Mas do que a busca de personagens, o cenário dos acontecimentos revelam a busca íntima do escritor em levar os leitores à reflexão de um determinado contexto em si.

Uma linguagem literária que usa a ficção como elemento chave e que pode se adequar a qualquer realidade, pessoas, tempos ou lugares. Essa foi a característica central do texto publicado pelo jornalista sergipano, Cristian Góes, intitulado “Eu, o coronel em mim”, em maio de 2012.

Entretanto, pelo julgamento subjetivo do Desembargador e atual Vice Presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe, Edson Ulisses, o papel de escritor do jornalista logo deu espaço à de um personagem que vive um dos momentos mais dramáticos da sua vida e expõe, de forma mais do que concreta, a fragilidade que existe sobre o conceito e equilíbrio do exercício da liberdade de expressão no nosso país.

Vamos ao caso

No segundo semestre de 2012, ao entender que um dos personagens da crônica – o “jagunço das leis” – se tratava da sua figura, o Desembargador Edson Ulisses ingressou com dois processos contra o jornalista Cristian Góes; uma ação criminal em que o desembargador pedia a prisão de quatro anos do jornalista e ação cível com um pedido de indenização por danos morais.

Em janeiro de 2013, na primeira audiência, de caráter conciliatório, o jornalista propõe a publicação de uma nota de esclarecimento de sua autoria, com o objetivo de deixar claro que o texto não se referenciava em ninguém. O Desembargador não aceita a proposta, e, em contrapartida, é oferecida ao jornalista a possibilidade de uma transação penal através do reconhecimento da prática ilícita, ou seja, que o jornalista admitisse a culpa embutida a ele.

Além dessa situação, na mesma audiência, o Ministério Público Estadual (MPE), a partir da provocação do autor do processo, impetra uma ação penal contra o jornalista, partindo do mesmo entendimento do Desembargador.

Neste momento já estava claro que o objetivo do Desembargador não se tratava de esclarecer um possível erro de interpretação, mas sim de punir o jornalista com todo o peso de um processo criminal. Sem conciliação, o processo continuou a transcorrer sendo presidida pela juíza Brígida Declerc, entretanto, em uma substituição da Vara, o juiz Luiz Eduardo Araújo Portela assume a ação e emite a decisão com um intervalo ínfimo de três dias da ocupação do cargo.

Em uma velocidade digna das metas do Conselho Nacional de Justiça, em julho do mesmo ano o juiz profere a decisão condenando o jornalista à sete meses e 16 dias de reclusão.

A grave ameaça à liberdade de expressão sob forma de uma ação criminal vivenciada no caso de Cristian Góes ganha repercussão nacional e internacional, com notas de apoio, articulações de diversas entidades e uma denúncia formalizada na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA).

No entanto, a pressão social não muda as peças do jogo jurídico e o recurso impetrado na turma recursal do Tribunal de Justiça de Sergipe, apesar da consistência dos argumentos - que provocou inclusive um parecer positivo de um dos juízes que formavam a comissão de julgamento  -  foi negado por maioria.

Com a negação do recurso pelo Tribunal de Justiça de Sergipe, a  próxima estratégia jurídica foi entrar  no Supremo Tribunal Federal com um recurso extraordinário pedindo a revisão da condenação. Na última sexta-feira (15), sem sequer julgar o mérito da ação, o Ministro do Supremo, Ricardo Lewandovisk,  negou o pedido, permanecendo, portanto, à prisão do jornalista.

Conceito

Para o advogado do caso, Rodrigo Machado, o texto do jornalista não promove qualquer tipo de dano pessoal, e sim, o direito à crítica através de uma linguagem ficcional.

“O direito da liberdade de expressão não deve ser confundido com o direito de elogiar. É papel de todo e qualquer cidadão fazer crítica a uma situação ou conjuntura política. Cristian fez isso através de um texto ficcional, que se adéqua a qualquer realidade ou personagens, portanto, no nosso entender,  a condenação do jornalista é também a distorção do conceito  da liberdade de expressão” defende o advogado.

Desequilíbrio

Para Bia Barbosa, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação,  entidade em defesa do direito humano à comunicação, a condenação do jornalista  em diversas instancias do Poder Judiciário revela um quadro de desequilíbrio entre os jornalistas de grandes veículos e comunicadores independentes.

“A condenação de Cristian, em todas as instâncias, mostra o quão seletivo o judiciário esta sendo quando elege um texto ficcional, feito por um jornalista independente, sem sequer nominar os envolvidos, como motivação para a privação total da liberdade, enquanto uma série de violações são cometidas por jornalistas da grande imprensa, que atingem a vida de diversas pessoas, com a destruição da reputação, difamação e calúnia são cada vez mais recorrentes na nossa sociedade  e não sofrem o mesmo grau de punição por parte do Poder Judiciário”

Estratégia Jurídica e Pressão Social

Como estratégia jurídica, o advogado do caso entrará com uma ação de reclamação constitucional no STF sobre o próprio posicionamento do órgão no julgamento do ADPF 130, em que o Supremo defendeu o direito à liberdade de expressão

Já no âmbito da pressão social, diversas entidades já assinaram uma nota  de repúdio contra a última decisão do STF e se preparam para levar uma denúncia formal para os organismos internacional dos direitos humanos.


Ana Carolia Westrup é jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Sergipe e militante do Coletivo Intervozes

 


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