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170416 factJacobin - [Erik Olin Wright, tradução de Alejandro Garcia para o Diário Liberdade] Liberdade relevante e democracia não é compatível com capitalismo.


Nos Estados Unidos, muitos tomam por certo que a liberdade e a democracia está inextricavelmente relacionada com o capitalismo. Milton Friedman, no seu livro Capitalismo e Liberdade, chegou ao ponto de defender que o capitalismo era a condição necessária para ambas. É certamente verdade que o aparecimento e difusão do capitalismo trouxe consigo uma enorme expansão de liberdades individuais e, por fim, lutas populares por formas mais democráticas de organização política. A afirmação de que o capitalismo, na maior parte das vezes, obstrui tanto a liberdade como a democracia vai, para muitos, soar estranho.

Dizer que o capitalismo restringe o florescimento desses valores não é argumentar que o capitalismo correu, em todas as ocasiões, contra a liberdade e a democracia. Mas sim que, através do funcionamento dos seus processos mais básicos, o capitalismo, gera défices tanto de liberdade como de democracia que nunca consegue solucionar. O capitalismo promoveu o aparecimento de certas formas limitadas de liberdade e democracia, mas impõe um tecto baixo a uma execução mais ampla.

No centro destes valores está a auto-determinação: a crença de que as pessoas devem ser capazes de decidir as condições das suas próprias vidas na sua maior plenitude possível. Quando uma acção de uma pessoa afecta apenas essa pessoa, então ele, ou ela, deve ter condições para dedicar-se a essa actividade sem ter que pedir permissão a ninguém. Este é o contexto da liberdade. Mas quando uma acção afecta a vida de outros, então estas pessoas deveriam ter uma palavra a dizer sobre essa actividade. Este é o contexto da democracia. Em ambos, a preocupação primordial é que as pessoas retenham o máximo de poder possível sobre o rumo que as suas vidas tomarão.

Na prática, potencialmente, cada decisão que uma pessoa faz irá ter alguns efeitos sobre outros. É impossível que todos contribuam em cada decisão que lhes concerne e qualquer sistema social que insistisse em tais participações democráticas exaustivas iria impor um peso insuportável sobre as pessoas. O que precisamos, então, é uma lista de regras para distinguir entre as questões de liberdade e as de democracia. Na nossa sociedade, tal distinção é geralmente feita com referência à fronteira entre a esfera privada e pública.

Não há nada de natural ou espontâneo acerca desta linha entre o privado e o público; esta é forjada e mantida por processos sociais. As tarefas veiculadas por estes processos são complexos e frequentemente contestados. O estado impõe de forma vigorosa algumas fronteiras públicas/privadas e deixa que outras sejam defendidas ou dissolvidas como normas sociais. Frequentemente a fronteira entre o público e o privado mantém-se difusa. Em uma verdadeira sociedade democrática, a própria fronteira é sujeita a uma deliberação democrática. O capitalismo constrói a fronteira entre a esfera pública e privada de uma maneira que constrange a realização de uma verdadeira liberdade individual e reduz a margem de uma democracia com significado. Existem cinco casos em que isto é facilmente evidente.

1. “Trabalhar ou passar fome” não é liberdade.

O capitalismo está ancorado na acumulação de riqueza privada e na busca de rendimentos através do mercado. As desigualdades económicas que resultam destas actividades “privadas” são intrínsecas ao capitalismo e criam desigualdades ao que o filósofo Philippe van Parijs denomina de “verdadeira liberdade.”
Qualquer outro significado que possamos atribuir à liberdade, tem que incluir a possibilidade de dizer “não”. Uma pessoa rica pode livremente decidir não trabalhar por um salário; um pobre sem meios independentes de subsistência não pode tão facilmente. Mas o valor da liberdade vai muito mais longe que isto. É também a possibilidade de agir positivamente nos seus próprios planos de vida — não escolher apenas uma resposta, mas a própria pergunta. Os filhos de país abastados podem fazer estágios não remunerados para avançar as suas carreiras; os filhos de pais pobres não podem.
Neste sentido, o capitalismo, priva muitas pessoas de verdadeira liberdade. No seio de muitos a pobreza existe devido a uma equação directa entre os recursos materiais e os recursos necessários para a auto-determinação.

2. Os capitalistas decidem.

A maneira como a fronteira entre a esfera pública e privada é traçada no capitalismo exclui as decisões cruciais, que afectam um grande número de pessoas, do controlo democrático. Quiçá o direito mais fundamental que acompanha a propriedade privada de capital é o direito a decidir investir e desinvestir estritamente na base do interesse próprio. A decisão de uma empresa mover a produção de um lugar para outro é um assunto privado, mesmo que provoque um impacto radical na vida de todos em ambos os lugares. Mesmo que alguém argumente que esta concentração de poder em mãos privadas é necessária para a alocação de recursos, a exclusão deste tipo de decisões do controlo democrático arrasa, inequivocamente, a capacidade de auto-determinação de todos excepto dos donos do capital.

3. Das nove às cinco é tirania.

É permitido às empresas capitalistas organizarem-se como locais de trabalho ditatoriais. Um componente essencial do poder do dono de uma empresa é o direito de dizer aos seus empregados o que fazer. Essa é a base de um contrato de trabalho: o que busca um emprego aceita seguir as ordens da entidade patronal em troca de um salário. Claro que um empregador é também livre de garantir aos trabalhadores uma considerável autonomia, e em algumas situações esta é a maneira de organizar o trabalho que melhor maximiza os lucros. Mas tal autonomia é dada e subtraída ao sabor da vontade do dono. Nenhuma concepção robusta de auto-determinação permitiria que a autonomia dependesse das preferências privadas das elites. Um defensor do capitalismo pode replicar dizendo que um trabalhador que não goste do poder do seu patrão pode sempre demitir-se. Mas uma vez que os trabalhadores, por definição, não têm meios independentes de subsistência, se se demitem terão que procurar um novo trabalho, e na medida em que os empregos disponíveis são em empresas capitalistas, estarão igualmente sujeitos aos ditames de um patrão.

4. Os governos têm que servir os interesses dos capitalistas privados.

O controlo privado sobre as decisões dos grandes investimentos criam uma pressão constante nas autoridades públicas para promulgar leis favoráveis aos interesses dos capitalistas. A ameaça de desinvestimento e movimento de capitais está sempre em pano de fundo nas discussões de políticas públicas e, deste modo, os políticos, quaisquer que sejas as suas orientações políticas, são forçados a se preocuparem em suster um “clima empresarial favorável.” Os valores democráticos são ocos enquanto uma classe de cidadãos tenha prioridade sobre todos os outros.

5. As elites controlam o sistema político.

Finalmente, as pessoas abastadas têm maior acesso ao poder político que outras. Este é o caso em todas as democracias capitalistas, ainda que a desigualdade do poder político baseado na riqueza seja muito maior em alguns países que em outros. Os mecanismos específicos para este maior acesso são bastante variados: contribuições para campanhas políticas; financiamento de esforços lobistas; redes sociais elitistas de vários tipos; e subornos imediatos e outras formas de corrupção. Nos Estados Unidos não são apenas indivíduos abastados, mas também empresas capitalistas, que se deparam com a ausência de restrições significativas na capacidade de usar recursos privados para finalidades políticas. Este diferencial de acesso ao poder político esvazia o princípio mais básico da democracia.

Estas consequências são endémicas ao capitalismo como sistema económico. Isto não quer dizer que, nas sociedades capitalistas, não possam, por vezes, ser mitigadas. Em diferentes tempos e lugares, muitas políticas foram erigidas para compensar a deformação da liberdade e da democracia no capitalismo.

Constrangimentos públicos podem ser impostos sobre os investimentos privados de maneira a que provoquem erosão entre a rígida fronteira entre o público e o privado; um sector público forte e formas activas de investimento de estado podem debilitar a ameaça dos movimentos de capitais; restrições ao uso da riqueza privada nas eleições e no financiamento de campanhas políticas podem reduzir o acesso privilegiado dos ricos ao poder político; leis de trabalho podem fortalecer o poder colectivo dos trabalhadores tanto na arena política como no local de trabalho; e uma alargada variedade de políticas de segurança social podem aumentar a verdadeira liberdade de aqueles que não têm acesso à riqueza privada.

Quando se alcança as condições políticas certas, as características antidemocráticas e impeditivas de liberdade podem ser mitigadas, mas não podem ser eliminadas. Domesticar, desta maneira, o capitalismo tem sido o objectivo central das políticas advogadas por socialistas dentro das economias capitalistas por todo o mundo. Mas se se pretende alcançar verdadeiramente a liberdade e a democracia, o capitalismo não pode ser meramente domesticado. Tem que ser superado.

Gravura: Gerd Arntz, "Factory Inspection," 1935.


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