Nestas linhas referirei-me a uma categoria transversal, como gostam de dizer amantes de neologismos desnecessários: as pessoas com discapacidade.
Mais do que uma categoria, estamos face um estigma.
O conceito abrange todo tipo de circunstâncias díspares: desde doenças mentais, até deficiências psíquicas, sensoriais ou enfermidades congênitas; passando por toda a gama de amputações ou transtornos de disco fruto da alta consideração que o empresariado concede à prevenção de riscos laborais. Uma das coisas que compartilham as pessoas afetadas, que unifica as suas diferentes experiências vitais, é a comum discriminação que padecem. De maneira muito sinalada no mercado de trabalho.
Pergunta estúpida: mas é que podem trabalhar as pessoas com discapacidade? Em estimações de 2008 do INE, apenas um 5,37% dos galegos e as galegas com discapacidade em idade laboral estavam totalmente incapacitadas para trabalhar. Não obstante, faziam-no só um 23,74%. Acho que é um problema, não é?
Pergunta pertinente: a que se deve esse 70,89% das pessoas com discapacidade na Galiza que podem trabalhar e não o fazem? Pois ao cinismo com o que a administração e a burguesia tratam os setores desfavorecidos da classe trabalhadora. Sobre a primeira, dizer que há uma lei espanhola do ano 1982 (a LISMI) que obriga as empresas com um quadro de pessoal superior às 50 pessoas a contratarem um 2% de trabalhadores ou trabalhadoras deste coletivo. Dezoito anos mais tarde de fazerem a lei, fazem a malícia: o Real Decreto 27/2000 estabelece diversas formas compensatórias para saltar-se a normativa.
A LISMI foi insuficiente? Saberá-se quando se aplicar: a administração mostrou pouquíssima vontade em penalizar as empresas que violam a lei, assim que boa parte destas não se tomou nem a moléstia de acolher-se a medidas compensatórias como realizar donações, criar um enclave laboral ou assinar um contrato com algum Centro Especial de Trabalho (CET). Por quê? Porque a burguesia acredita em que é um transtorno a contratação, porque ignora deliberadamente que a discapacidade para um determinado tipo de funções não exclui a capacidade para exercer o resto. Em definitiva, porque confunde discapacidade com inutilidade, achando que este coletivo está incapacitado para o trabalho.
E falando em medidas compensatórias: que é exatamente um CET? É um gueto laboral que se beneficia do trato com a administração por um inexistente labor de integração laboral das pessoas com discapacidade, pelo reconhecimento social desta presumível integração e pelo lucro que geralmente obtém pagando uns salários extraordinariamente miseráveis. Em ocasiões, é mais rentável para o trabalhador ou trabalhadora com discapacidade cobrar a prestação não contributiva (que deve estar pelos 460€) do que aceitar um emprego numa empresa destas características.
Imaginem o que é viver com esta percepção. Imaginem agora se concorrerem outras circunstâncias como a existência de cargas familiares ou idade avançada, o que na nossa sociedade significa “problemas para encontrar um emprego”... Uma vergonha.
O que acrescenta uma discapacidade aos transtornos que ocasiona a vivência da situação pessoal de desocupação, principalmente quando a discapacidade é sobrevinda, resulta imaginável: a pessoa deprecia-se a si própria e entra numa profecia auto-realizável na que acaba anímica e psicologicamente incapacitada para o trabalho. A recuperação da auto-confiança é um labor duro e complexo; mais difícil ainda quando o contexto geral não acompanha.
Como afetará a crise a este coletivo? Não acredito na futurologia, mas é dedutível que ora por via direta (despido pela escassa valorização como trabalhador ou trabalhadora) ora por via indireta (redução da quota do 2% pelas reduções nos quadros de pessoal) passarão as de Caim.
Talvez o governo de Zapatero, para fazer-se de avançado, aprove alguma medida afirmativa. Mas não parece provável. Já diz o refrão popular: Deus está com os pobres quando não está com os ricos.