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Cesar

Galiza - Praza Pública - "...porque as palavras que a expressam seriam fatais, neste dia,
para quem tiver a temerária afouteza de anunciá-las." Antolim Faraldo


Em 1900, multitudes de rebeldes chineses choutavam contra as balas das potências capitalistas que domearam o seu país. Após anos de treino nas artes marciais e de cultivo do "qi", nom concebiam que aqueles antigos métodos fossem ineficazes frente às armas de repetiçom ocidentais.  Toda umha galáxia de capitais sociais e prestígios fora alicerçada na efectividade dos sistemas de luita tradicionais até institucionalizá-los em rituais alheios ao próprio combate. Pesava mais o valor do símbolo, o fetiche da forma, do que a realidade da sua eficiência.

Esqueceram umha das liçons mais importantes dum dos seus clássicos universais, a adaptabilidade. Sun Tzi deixara escrito: "a vitória na guerra nom é repetitiva, ajeita continuamente a sua forma." O fracasso daquela rebeliom dos boxeadores constitui mais umha das representaçons do relato arquetípico da resistência heroica da sociedade nativa tradicional frente ao inexorável avanço da modernidade imperial. Identificamo-lo em múltiplas imagens que nos arrodeiam. Desde os targaids esnaquizados de Culloden até as catanas tronçadas pola artilharia em Satsuma, inçam as páginas de todas as histórias nacionais. A interpretaçom imposta desses factos redunda sempre na visom romântica, nos valores intangíveis e emotivos da derrota, para justificar subterraneamente os vencedores desde um interessado darwinismo histórico. Assim, esta beleza do fracasso, do resistente que tem todas as de perder mas continua à carga co armamento anacrónico, sem mais reflexom estratégica, devém, paradoxalmente, numha ferramenta ideológica ao serviço do poder estabelecido. Já Maquiavelo assinalara a essência deste mecanismo quando percebeu como alguns príncipes fomentam "certas resistências para que, ao esmagá-las, se acrescente a sua glória."

A guerrilha foi a táctica militar mais característica dos povos que luitárom contra o imperialismo capitalista e a ocupaçom fascista no século passado. Segundo a composiçom de classe e o nível de industrializaçom escorasse do camponês pré-capitalista e periférico ao das sociedades mais centrais, esta técnica bélica também mudava em variedades rurais a urbanas. As possibilidades de sucesso dos movimentos que a empregavam dependia estreitamente da compreensom desta necessidade de adaptar-se. Por isso a aplicaçom mimética do modelo de toma de poder cubano, que o foquismo guevarista propagou a eito, causou tanto desastre numha das geraçons mais combativas da América Latina. A possibilidade dumha vitória  militar reduzia-se segundo o nível de integraçom na sociedade de consumo era maior. Depois de Cuba e Argélia, nos países das periferias próximas, mais ainda nos centrais, a máxima gramsciana imperava implacável e transformava a luita política de guerra de movimentos em guerra de posiçons. A pugna evoluía dos objectivos militares à conquista da hegemonia social, da opiniom pública e do "sentido comum".

Desde a II Guerra Mundial, os movimentos que utilizárom a luita armada na Europa com sucesso sempre perseguírom o alvo da propaganda armada e nom a impensável vitória militar contra o Estado.  Do IRA à ETA, do FLNC  às Brigatte Rosse ou à Rote Armee Fraktion, desde a mais básica sabotagem defensiva na fábrica até o mais simbólico seqüestro internacional, o objectivo principal era o propagandístico. A panóplia militar, a apresentaçom dos raptos como juízos sumaríssimos ou mesmo o emprego da linguagem jurídica procuravam esta meta prioritariamente. Questionava-se o poder do Estado desafiando o seu monopólio da violência e confrontando-lhe o modelo político alternativo a partir da sua aparente institucionalizaçom e igualaçom formal.

A existência e inevitável influência da URSS entre os adversários do imperialismo capitalista, nom só permitiu estas expressons políticas senom que as modelou directa ou indirectamente. A organizaçom piramidal do vanguardismo leninista, ela mesma criada à imagem dum exército, fornecia os vímbios teóricos ou o espelho para o estabelecimento da vanguarda armada. Nos 70  agromaram por toda a parte efémeros grupinhos autoproclamados exércitos do povo sem que o povo tivesse muito a ver coa sua conformaçom. Aos oitenta, porém, deles só chegárom os que melhor identificaram as demandas históricas das suas sociedades e deram aproveitado a repressom do Estado para se fortalecer socialmente. Em realidade, a luita nom tinha a ver coa modalidade de explosivos nem coa justificaçom teórica das acçons. Era a dialéctica por consolidar-se de dous arquétipos do inconsciente colectivo, que diria Jung, ou a implantaçom do novo mito motor de Sorel. O terrorista fanático e sanguinário face ao guerrilheiro heroico e justiceiro a lidar por preponderarem como percepçom social hegemónica. Além de disquisiçons livrescas e definiçons, a visom dum detido como um ou outro marcava realmente vitórias e derrotas. Ao cabo, qualquer deslegitimaçom do monopólio da violência do Estado supom o questionamento do próprio Estado.

Ao remate dos 80, os movimentos armados na Europa acabárom por alimentar-se mais da solidariedade cos represaliados do que da acçom armada em si própria. Após a queda da Uniom Soviética, a vanguarda armada como método propagandístico perdeu efectividade. À desapariçom do apoio material, simbólico ou conjuntural do gigante socialista, cumpre somar-lhe as próprias mudanças que se produzírom nas sociedades ocidentalizadas. O Estado aperfeiçoou o aparato repressivo e de inteligência para combater um modelo de actuaçom que conhecia de vez, que já nom o podia surpreender. E a surpresa constitui o celme da táctica guerrilheira. Nesta linha, a revoluçom tecnológico-comunicativa da chamada Globalizaçom véu contribuir num duplo sentido. Por umha banda, a explosom mediática permitiu umha melhor criminalizaçom destes movimentos mesmo a nível internacional. Pola outra, as tecnologias de segurança virárom impracticáveis umha gram parte dos métodos que lhes eram característicos às organizaçons armadas. O panorama latinoamericano converte-se num magnífico exemplo da tendência que se impujo em resposta ao novo cenário. Antigos guerrilheiros virárom candidatos eleitorais dum movimento antimperialista que se consolidou no cone Sul a começos deste século. Paralelamente, a única nova guerrilha que surgiu, a zapatista, resultou a maior emenda aos métodos clássicos imaginável.

Questionou o vanguardismo e o militarismo convencionais, entendeu a importância da luita mediática no novo contexto e valeu-se das imagens que o sistema consentia para abrir-lhe fenda. A invençom do personagem do Marcos para este fim supom um dos maiores monumentos à propaganda revolucionária de todos os tempos.

Um dos mecanismos mais utilizados polo capitalismo actual para desinformar e manipular é a estereotipaçom. Quer dizer, adscrever qualquer informaçom a umha caricatura doadamente identificável por umha audiência infantilizada, como assinala Chomsky. Os pícaros reconhecem automaticamente o boneco malvado numha obra de monicreques. O espectador meio condena visceralmente aqueles que recebem como estigma umha ou outra nomenclatura satanizada, o sinal acústico para o cam de Pavlov. Desprender-se dos significantes já invalidados para os seus fins comunicativos originários por este dispositivo, mas fazer bandeira dos significados, caracteriza as estratégias de sucesso no campo de batalha político actual. O abraiante progresso de Podemos, impulsado por umha parte da "extrema esquerda" espanhola, resulta paradigmático independentemente da nossa valoraçom política do seu projecto. Em realidade, nom fam mais que seguir o ronsel já traçado pola nova esquerda latinoamericana nas duas décadas anteriores neste senso.  A substituiçom da  demonizadíssima "autodeterminaçom" polo transparente "direito a decidirmos" ou do infamado "nacionalismo" polo democrático "soberanismo" achegam mais dous bons exemplos desta adaptaçom de significantes.  Compreendermos a importância de sortear essa manobra de controlo social que se apoia no fetichismo da esquerda polas formas converte-se em imprescindível para qualquer estratégia transformadora real neste momento histórico.

Após o 11-S, o significante terrorismo passou a ocupar o posto do mal absoluto a nível mundial. No Estado espanhol choveu sobre molhado e adquiriu um poder de mobilizaçom e desmobilizaçom insólito no resto da Europa. Destarte, fora do marco basco, onde a esquerda abertzale contrapesava a hegemonia do discurso oficial com um activismo senlheiro, retroalimentado polo próprio conflito, o peso do cliché condicionou a política em todo o Estado. Nesta tessitura, qualquer associaçom à imago do "terrorista" arquetípico resulta comparável coa identificaçom aberta com Satanás na sociedade medieval e invalida todo argumento de cara à populaçom. E é que a mais simples reivindicaçom dumha sabotagem em chave de cabeça política organizada permite-lhe ao Estado pôr em funcionamento toda a engrenagem repressiva e desinformativa, aperfeiçoada durante décadas na guerra contra ETA. É mais, facilita a sua extensom aos movimentos sociais nesta fase de conflitividade latente sem comparança em todo o regime do 78. Assim, a estratégia do "todo es ETA" encontra um terreio idóneo nas sociedades do Estado que carecem dos mecanismos defensivos e de coesom política forjados pola basca em épocas mais favoráveis.

Implica esta situaçom que o Estado capitalista logrou anular qualquer possibilidade de erodi-lo mediante a violência política? Nom, mádia leva. O sujeito que  inaugurou a idade contemporânea irrompendo na história coa revoluçom francesa, o povo em armas, continua a intimidá-lo. A força dessa ideia motriz durante os últimos dous séculos foi mudando de representaçons e amostra nas vanguardas armadas a mais recente e avougada. Porém, nesta época de necessária resignificaçom e horizontalizaçom das expressons políticas, nom ia ficar intacta umha parte tam importante do imaginário colectivo. O povo em armas já nom aparece reflectido em encapuzados a lerem manifestos militaristas, nem sequer para os segmentos mais ideologizados da populaçom occidentalizada. Pola contra, qualquer vinculaçom desse arquétipo cos represaliados e presos políticos beneficia a legitimaçom do Estado. Endebém, sim que axeja timidamente nas acçons que agredidos anónimos realizam para vingar-se dos que já som percebidos pola sociedade como culpáveis impunes diante da lei do Estado. Velaí o questionamento mais básico do monópolio da violência estatal e da sua legitimidade, a justiça pola mao. Cotejar a recepçom social da violência defensiva de preferentistas, vizinhança, despejados e trabalhadores, mesmo da morte da presidenta de León ou do atentado com bombonas contra a sede do PP, coas acçons atribuídas a qualquer seródia vanguarda armada, dá-nos a chave. O contágio destas respostas entre os agraviados estarrece muito mais o Estado que qualquer acçom simbólica desde linguagens e pressupostos ideológicos que a populaçom nom partilha ou nom entende. Por isso a maquinária estatal bole a incorporá-las quanto antes à etiqueta de terrorismo organizado, porque sabe que nom as poderia controlar. E é que, ao cabo, um xeixo desde a ponte dumha autovia mata igual que umha Beretta, umha lata de gasolina arrasa igual que a pólvora prensada e qualquer um pode portar umha navalha de Taramúndi numha aglomeraçom. O poder teme mais que nada o ponto em que nom dá xebrado o todos do ninguém.

Adquirir a capacidade de entender a quem serve umha táctica resulta imprescindível para determinar se se perseguem realmente os objectivos estratégicos que se enunciam. Igual que as balas perfuravam os egos e o imaginário dos bóxers numha demonstraçom de realismo militar, a actualidade bate-nos teimosa. Na Galiza de hoje, tam inevitável vai ser a violência política como contraproducente a sua reivindicaçom organizada. Curiosamente, quem pom em dúvida umha ou outra afirmaçom complementa e sustém o guiom policial do regime sem saltar umha vírgula.


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