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cnt1Galiza - Sermos Galiza - [Carlos C. Varela] Luís Pérez Álvarez, Nacidas, marinheiro de Moanha, vai escrever as suas memórias em 1983, quando parecia que já não ia voltar o fascismo, mas tampouco o reconhecimento aos que o combateram.


Ciente de que pairava a ameaça da amnésia, Nacidas vorca no papel os recordos da sua vida na militancia, repressão e cárcere, em forma de testamento vital que legar aos seus netos. Agora o projeto Nomes e Voces e o grupo de investigação HISTAGRA compartem com o público estas Memorias. Mi testamento humano y social (1), custodiadas até o momento pola família de Luis Pérez. Deu-no ao prelo a editora independente Corsárias e imprimiu-no –o autor havia de gostar de sabe-lo- uma cooperativa, a Sacauntos. O texto anotou-no o historiador Dionísio Pereira, e acompanha-se de dous estudos introdutórios de gente da HISTAGRA, mui úteis para uma boa receção deste tipo de documentos, pois advertem-nos de varios fenómenos habituais: o salto geracional duma memória antifranquista que se transmitiu de avôs a netos; o injusto desprezo que se tem feito do medo dos sobreviventes, oculto tras a idealização dos que mataram; e a abundancia das “histórias de clemência” que figerom desaparecer a figura dos carrascos.

Memória da potencia

Mais factores têm distorcido severamente a recuperação da memória histórica, tais como: a) a centralidade que no novo relato atinge a repressão –ao modo disso que Badiou chama “a ética da vítima (2)”- e o esquecimento da alegria e potencia popular despregadas nos anos anteriores a 1936; b) um monopólio simbólico do republicanismo e galleguismo sobre o resto dos movimentos emancipatórios, nomeadamente os de classe; c) o acordó tácito polo qual a memória histórica se deteria, a mui tardar, em 1978; o qual explica que alguém como Baltasar Garzón pode ser uma referência (3). Estas Memórias de Luis Pérez ajudam a corrigir as duas primeiras distorções, porquanto oferecem uma viva descrição do nível de auto-organização popular e libertária que se estava a atingir em Moanha, e podem ajudar a impugnar a terceira, embora só seja porque um dos investigadores de HISTAGRA –Antom Santos- permanece em prisão.Mais factores têm distorcido severamente a recuperação da memória histórica, tais como: a) a centralidade que no novo relato atinge a repressão –ao modo disso que Badiou chama “a ética da vítima (2)”- e o esquecimento da alegria e potencia popular despregadas nos anos anteriores a 1936; b) um monopólio simbólico do republicanismo e galleguismo sobre o resto dos movimentos emancipatórios, nomeadamente os de classe; c) o acordó tácito polo qual a memória histórica se deteria, a mui tardar, em 1978; o qual explica que alguém como Baltasar Garzón pode ser uma referência (3). Estas Memórias de Luis Pérez ajudam a corrigir as duas primeiras distorções, porquanto oferecem uma viva descrição do nível de auto-organização popular e libertária que se estava a atingir em Moanha, e podem ajudar a impugnar a terceira, embora só seja porque um dos investigadores de HISTAGRA –Antom Santos- permanece em prisão.

“Galiza não é uma fim da terra, é um centro do mar”, escreveu Staffan Mörling, e tal era o caso da Moanha retratada por Luis Pérez, um povo combativo e aberto às novas ideias graças ao mar, que estava imerso num grande esforço auto-emancipatório para orgulho do nosso homem: “Como puede apreciarse en este pueblo marinero y emigrante, siempre hubo personas que consideraron que la cultura es tan necesaria para ser libres como el pan y el agua es indispensable para la subsistencia” (p. 66). Este pulo auto-organizativo também se pode aprezar na proliferação de clubes desportivos, especialmente de futebol masculino, que na altura tinham um caráter eminantemente popular. Contudo, será o Sindicato Fraternidad Marinera, da Federación Regional de Industria Pequera da CNT, o que resulte decisivo na formação vital de Luis Pérez e na vida social de todo o concelho. Junto com o urgente: a defesa dos direitos laborais através da auto-organização, a greve e a cultura da sabotagem; a Fraternidade Marinera atendeu ao importante, ensaiando já ao redor do seu local da Seara o que seria a futura sociedade lbertária, ao funcionar como um espaço de sociabilidade alternativa em chave solidária e anti-capitalista: “Había conferencias en el local de la Sociedad de todos los matices: orientación sobre eugenesia, teatro para los niños y mayores, discursos, conferencias y cursillos de cultura, siempre sobre lo social” (p. 78). O seu orfeão, formado por umas cinquenta pessoas, cantava nas ocasiões sinaladas A Internacional, o Comuneros de Castilla e também, significativamente, o Hino Nacional Galego. A biblioteca do sindicato, a única pública, tinha um grande sucesso. As leitoras:

“(…) se hartaban de leer las revistas y novelas maravillosamente escritas por la familia. Federico Urales y su hija la Montseny, luego la prensa que rezumaba ansias de igualdad y cultura como la inolvidable Solidaridad, la revista científica que los más preparados recibían desde Valencia (refere-se à Estudios Revista Ecléctica) donde Marañón y el prodigio Hildegart, que tan triste fin llevó, nos enseñaban enfermería, con todos los métodos de una vida sexual sana; los libros de Mella y Kropotlain, Bakunin y Reclus corrían de mano en mano, y en un barrio muy pobre pero su corazón y su mente veían cual sol radiante para explicarle a sus gentes, cual era el camino a seguir para alcanzar las metas más alegres y felices soñadas por la comunidad” (p. 84). (4).

A incrustação do sindicato na vida comunitária fica patente na sua participação no Entrudo, com murgas e comparsas das que, médio século depois, Luis Pérez recorda as suas canções de escarnio social. Um detalhe insignificante –ou, aos olhos de hoje, mesmo pintoresco- como é que no local da Seara contaram com um banheiro à disposição das famílias, dá conta do caráter integral da revolução em marcha, que transformava a vida em coletivo.

Não estranha, pois, que um dos golpes repressivos que mais doeu ao Nacidas fosse a expropriação por parte do fascismo desse embrião de comunidade libre que era o local da Seara: “aquel centro de culturas y reuniones de trabajo, quedó incautado y convertido en Cuartel de la Falange moañesa (…). Ya ondea la bandera roja y negra, otra ironía de la sociedad, el mismo dibujo y colores de algunas de las enseñas quemadas” (pp. 130 e 131) (5). Na sua planificada política de exterminio, reapropriação e distorção –que só uma brutal violência fundacional podia garantir- os falangistas torturavam os detidos na biblioteca, previamente queimada, para começar uma nova sociedade de zero sobre as ruínas da mentira e a amnésia, combinando isto com uns “serviços sociais” instrumentais.

“Los salvadores de la patria habían montado un comedor en nuestra Casa, anexo a su cuartel general, que llamaban Auxilio Social, donde en su inauguración, el gran jefe O Chacal, había proclamado con satisfacción: “Hemos eliminado a los rebeldes padres, pero alimentamos con esmero a sus huérfanos hijos (…)” (p. 209).

O arquipélago penitenciário

Da mesma maneira que os colonialistas portugueses

conferirom um lugar único na história à ilha de

Fernando Poo ao encarcerar os seus numerosos patriotas

africanos os británicos retiverom os patriotas indianos

nas ilhas de Andamão e os franceses retiverom Ben

Bella na ilha de Aix, os gobernantes de África do

Sul decidirom que Robben Island perdure no

recordo do nosso povo”.

Nelson Mandela, Conversations with Myself

O jovencíssimo Luis Pérez foi torturado e encarcerado; primeiro em Pereiró, depois na ilha de São Simão e por último na prisão de Astorga. A experiência do encerro ocupa um lugar mui importante na vida do Nacidas, polo que supõe de traumático mas também por ser um tempo de intenso convívio e preparação pessoal. Nos primeiros anos estava a omnipresente intuição de ser fusilado e, nos anos posteriores, a miséria material da após-guerra compensada por essa vida carcerária comunitária entre os presos políticos que o Estado erradicou a partir da década de 1980 com a política de isolamento. Contudo, aprezam-se algumas continuidades na cultura carcerária, como no uso da retranca como arma de resistência quotidiana (“¿Cómo llegó usted hasta este hotel?”, perguntava o Nacidas a um novo preso) (6), o una denuncia da privação de espaço privado como um dos piores castigos (assim o dizia um companheiro lalinense de Luis Pérez: “Eu o que máis recordo é a liberdade que disfrutaba cando no medio do sembrado do millo podía caghar a placer, e limpar o cu cunha barba de espigha pois eiquí hasta para baixar os pantalóns telo que faguer diante dos compañeiros”, p. 235). Destaca outro acontecimento registado por Luis Pérez, a criação de uma horta em São Simão a petição dos presos dos Paises Catalães e a satisfação que produziu em todos eles, evidenciando que o facto de cuidar é uma necessidade (7), e que mesmo no cárcere se pode lutar por essa ideia que tem Howard Zinn do quotidiano como territorio libertado:

“(…) En primer lugar se procede a limpiar y acondicionar una ladera en la que se arrojaba gran parte de las mondas de las patatas y desperdicios de la cocina, en la que se preparaba el condumio para más de dos mil personas.

Al empezar a remover aquellos escombros un enjambre de ratas fueron molestadas en su tranquilo comedero, la campaña anti-ratones fue multitudinaria y a los pocos días, (…) el terreno quedó en óptimas condiciones para fecundar con semillas de patatas, que con el tiempo produjo tal cantidad de tubérculos, que los mismos campesinos de Aragón y Cataluña no se lo creían; luego en cualquier claro, entre los centenarios árboles, se podían ver y respetar mucho (aquel metódico y afanoso trabajo de los campesinos) pimientos, tomates y cebollas en general y fresones de buena calidad en reducidos, pero bien escogidos espacios. Y no me cansaré de repetir cuan saludable y armonioso es el trabajo en comunidad sin la negra envidia y el látigo inquisitivo del explotador.

Allí, cada mañana, visitábamos nuestros sembrados protegiendo a los esquejes más débiles del racheado viento y de la destructora helada. Y qué alegría produce el momento de recoger los frutos y más si estos son abundantes y frescos” (p. 240).

Por último, há que destacar três momentos especialmente intensos na narração do Cernadas. Primeiro a sobrecolhedora irrupção do Upo Mendi, navio de nove mil toneladas carregadas de centos de presos vascos nos seus intestinos, na ria de Vigo como uma stultifera navis. Também a força física do amor no translado dos presos em trem até o cárcere de Astorga, quando dúzias de familiares se pegaram aos vagões, ao sairem da estação de Vigo, “en postura suicida, cual racimos de pájaros libres” (p. 244) negando-se ao adeus. Ainda, embora seja relatada como uma excentricidade burguesa contra o progresso, a paralisação das obras da estrada Moanha-Cangas em 1923 por José María Castroviejo, que se negava a que o trânsito rodado espantase um melro branco cantor.

NOTAS

1.-Luis Pérez Álvarez, Memorias. Mi testamento humano y social, Santiago de Compostela, Corsárias, 2015.

2.-Um outro exemplo recente disto é o acontecido com as mulheres yazidi, que denunciam como os meios ocidentais as requeriam para que relatassem uma e outra vez como foram violadas polos jihadis do ISIS, para agora que se uniram às milicias curdas serem completamente desconsideradas como matéria de informação. Veja-se Dilar Dirik, “Do genocídio à resistência: as mulheres Yazidi rispostam”, Mapa nº 11, outubro-dezembro 2015, p. 27. 

3.-Paradoxalmente o “juiz de memória” é também o pioneiro em acolher-se ao novo “direito ao esquecimento” –que porquanto vai ser gerido pola Audiência Nacional (sucesora do TOP) já podemos imaginar que é o que vai esquecer. Google tivo que apagar do seu buscador, por denúncias anónimas, uma notícia –que ninguém denunciou como falsa- que recolhia o facto de todos os detidos numa redada anti-independentista de 2008, sob tutelagem judiciária de Garzón, terem denunciado torturas. O seu filho, Baltasar Garzón Molina, iniciou processos contra a iniciativa polos direitos humanos e contra a tortura “Garzón en Argentina”, para obrigar a encerrar a sua web, que deixa destapado o ex-juiz. Veja-se Iraia Oiarzabal, “Derecho al olvido, cómo borrar el rastro de la red”, Gara, 24/11/2014.

4.-É importante ter em conta estas experiências de autoformação para valorar a posterior política educativa do franquismo e, antes, de outros governos. Como explicam Julia Varela e Fernando Álvarez-Uria: “La imposición de la escuela pública (…) supone cerrar el paso a modos de educación gestionados por las propias clases trabajadoras. La burguesía impone así la realización de programas de autoinstrucción obrera que atacaban la división y la organización capitalista del trabajo al exigir una formación polivalente y una instrucción unida al trabajo e impartida por los mismos trabajadores con una proyección política destinada a su emancipación”. (Arqueología de la escuela, Madrid, La Piqueta, 1991, p. 50). 

5.-Esta pirataria simbólica que a Falange realizou com o movimiento operário, como o nacional-socialismo figera na Alemanha, chega até o “traje regional”, galego canonizado pola Sección Feminina, cujas cores vermelhas e pretas não são outras que as expropriadas pola Falange à CNT. 

6.-Gracias por venir”, di um dos presos sociais galegos com mais anos de prisão às costas aos novos reclussos.

7.-Isto manifesta-se no grande número de presos que adoptam as mais estranhas mascotas, ou naquele preso de Aranjuez, já idoso, que com grande mimo cuidava as más ervas que nasciam entre os muros cada manhã, regando-as com uma garrafinha e colocando-lhe pauzinhos para não as deitasse o vento. Quanto à satisfação que proporcionam os labres, Lukács tem destacado uma cena do Um dia na vida de Ivan Demisovich em que o preso do gulag se afana a rematar de erguer um muro –que seria derribado no dia seguinte para voltar a erguê-lo- ainda que sabia que podia ser gravamente castigado (G. Lukács, Solzhenitsyn, Cambridge, MA, MIT Press, 1971). 


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