O 24 de Julho era posto em liberdade o ex-preso independentista Heitor Naia. O Tribunal Supremo anulava todos os cargos de “participaçom em organizaçom armada” e “colocaçom de artefactos explosivos” polos que a Audiencia Nacional o condenara a 11 anos de prisom.
Após cumprir três meses de prisom e pagar umha fiança de 6.000 euros, Naia levava em liberdade provisional desde Dezembro de 2012 até que a desproporcionada sentença da AN o empurrara a tentar fugir do Estado Espanhol para evitar mais dumha década de cadeia. Assim em Março de 2015 foi detido no aeroporto luso de Sa Carneiro (Porto) e extraditado de Portugal a Espanha. O 23 de Julho, o Tribunal Supremo absolvia ao independentista e um dia depois Naia atopava-se já na Galiza.
A continuaçom reproduzimos umha conversa mantida com Heitor Naia depois de passar ums dias de descanso e de reubicaçom na sua nova situaçom de liberdade.
Detivérom-te em Portugal e há diferentes opinions de como som os cárceres no país vizinho, qual foi a tua experiência?
Quando me levárom para a prisom em Porto tivem umha cela para mim só, supostamente estava isolado por motivos de segurança segundo me comunicárom. Ai tinha duas horas de pátio e na cela nom podia ter nada mais que a minha roupa, o tempo passava mui devagar porque nom havia leitura, nem rádio mas nalgumha ocasiom vinham os polícias prisionais dar-me conversa e incluso algum interessou-se polo independentismo na Galiza e o conflito que existe no País.
O trato em linhas gerais foi correto e amável se o comparas com o que brinda Espanha às/aos reclusas/os. Igualmente fizérom algumhas exceçons e permitírom-me chamadas de telefone sem estar previamente autorizadas e também umha visita.
E de ai para Lisboa...
Quando me iam extraditar para Espanha, um dia antes deslocárom-me para Lisboa. O traslado foi com os GIPS (Grupos de Intervenção Protecção e Sócorro) que eram quatro homens enormes armados e com chalecos anti-balas. Além dessa imagem que impressionava muito, fôrom mui corretos no trato e levavam-me com coidado, é dizer, nom me golpeavam à hora de meter-me na carrinha e de sentar-me.
Cheguei à prisom EPL (Estabelecimento Prisional de Lisboa) que é umha cadeia mui antiga que está considerada a pior de Europa e tem forma de estrela como os cárceres estadounidenses. Ai meterérom-me num sóto e sentim-me inseguro polas olhadas que recebia por parte doutros presos.
Aginha me atopei com umha porta de madeira e trás ela umha cela totalmente destroçada. Nesse intre o carcereiro dixo-me que ao dia seguinte queria a cela tal e como estava, ao que se referia era à bombilha que colgava do teito porque era o único que nom estava roto. Ademais eles decidiam quando acendiam e quando apagavam a luz polo que impunham quando podias durmir e quando nom.
Ao dia seguinte, após três horas no recibidor na cadeia chegárom novamente os GIPS. Notei que todo o mundo se punha nervoso e respirárom aliviados ao comprovar que me levavam a mim. De contado me fizérom o cacheio integral que realizam em Portugal sempre que saes da prisom e quando chegas. Subirom-me na carrinha até chegar a Badajoz.
Como comentas a extradiçom a Espanha é via Badajoz, como foi essa “entrega” por parte dos polícias portugueses aos espanhóis?
Os GIPS detivérom a carrinha já em Badajoz num posto aduaneiro, ai estavam aguardando dous polícias nacionais uniformados e mais de trinta à paisana mas sem dúvida o que mais me surpreendeu foi que ninguém estivera gravando ou tirando fotografias. Nom é que botara em falta à imprensa se nom quanto menos para dar constância da entrega.
Do trato correto dos GIPS passei ao de sempre da Policía Nacional; golpes no corpo e na cabeça, berros, algemas com as maos cruçadas... A continuaçom lérom-me os “meus direitos” porque deixava de estar preso em Portugal para esta-lo em Espanha e nesse momento aproveitei para solicitar o meu advogado privado mas negárom-mo. Ainda assim percebim que após marchar os polícias portugueses, os espanhóis estavam mais tranquilos, como se pretenderam dar imagem de dureza ante os portugueses.
Estivem nos calabouços até o dia seguinte que me deslocárom aos Julgados da cidade. Chantárom-me frente a umha juíza e ela nom sabia mui bem que fazer nem eu tampouco. A advogada de ofício que me fora asignada solicitava a minha liberdade sem ter dirigido umha palavra conmigo e o fiscal pedia prisom incomunicada. Finalmente a decissom foi a de prisom comunicada.
Ao rematar a vista levárom-me ao cárcere de Badajoz no que tampouco sabiam que fazer conmigo porque nom lhe fora notificado o meu ingresso já que a ordem era que fora para o centro penitenciário de Valdemoro. Novamente tocou aguardar três horas até que me subírom a um carro caminho de Madrid.
Como fôrom esses primeiros momentos de chegar a Valdemoro?
Ao chegar a Valdemoro nom havia celas baleiras em ingressos e ubicárom-me numha de tránsito na que havia um homem tirado no chao. Estivem com queixas permanentes e ao dia seguinte levárom-me já a umha cela de ingressos mas tivem que fazer um plante, é dizer, negar-me a entrar na cela, porque queriam que compartilhara o espaço com outra pessoa. Neguei-me porque é o teu direito à intimidade e, além da minha condiçom de preso político, também assim o dim os protocolos europeios! Finalmente dérom-me umha cela para mim só, classificárom-me em FIES (Ficheiros Internos de Especial Seguimento) e levárom-me a Audiencia Nacional a declarar. Ai já puidem estar com o meu advogado de confiança e depois de volta a Valdemoro.
Ao terceiro dia no modulo de ingresos veu um “educador” que me explicou que ao estar classificado em FIES só podia estar em dous módulos e que me iam levar a um deles. Quando nom es FIES o “educador” estuda o teu comportamento e pessoalidade e envia-te a um módulo no que esta pessoa considere que nom vas ter nem causar problemas mas no meu caso nom havia muita alternativa.
Logo veu um “preso de confiança” com um carrinho para levar as minhas cousas, detrás de ele vinha um funcionário que me condujo até o módulo e dixo-me “búscate celda”. Fiquei abraiado e ainda para mais nom havia nengumha cela vazia. Ao final resolvim partilhar cela com um preso político basco que também estava coma mim sem classificar. Somentes estivemos um dia juntos porque seguim com a reclamaçom e asignárom-me aginha cela própria.
Quanto se demora em colher o ritmo do funcionamento dentro da prisom?
Eu estivem preso em duas ocasions e a primeira vez chegas com muita inseguridade porque nom sabes como funciona nada e vas dando paus de cego com todo, incluso com a gente e nom falas com quase ninguém. Ainda assim aos poucos dias já sabes com quem juntar-te e a dinámica. A segunda vez, pola contra, entras pisando mais forte e sabes quais som os teus direitos e quando plantar-te para protestar ou nom seguir-lhe o jogo aos funcionários.
Em saber como é funcionamento interno demoras um par de semanas. Durante os primeiros dias nom sabes como reagir mas depois vas acadando umha rotina de estudos, desportos e atividades. O demais depende do sóciável que seja cada quem mas também da mao esquerda que se tenha. Sabes que ai estás com gente que nom entendem o que é o independentismo mas ainda assim guardam-che certo “respeito” porque sabem que os presos políticos temos dinheiro e que chegado um momento dado podemos fazer-lhes algum favor, por interesse, vaia! Nom obstante, também há algums presos maiores que compartilhárom muitas experiências com presos políticos e que admiram a nossa luita e vontade. Também há algúm preso social ao que tens que dizer-lhe as cousas claras mas o normal é o que comentava anteriormente.
Como é um dia a dia na prisom?
Em Valdemoro estava num módulo de segundo grau polo que todo era mais flexível. Quando estás em primeiro grau as restriçons som maiores, quase totais, nom tens acesso a nengum tipo de atividade e só che “concedem” um par de livros da biblioteca da cadeia mais os que che envia a família ou amizades. Tam siquer podes dispor de umha pelota, nem umha lata de refresco, nem tesouras nem coitelas de barbear que deves de pedi-las e devolve-las nada mais rematar.
Neste segundo grau tinhamos o primeiro reconto às 07:45 e às 08:30 abriam as portas da cela. Em 20 minutos estávamos no comedor e antes de sair da cela recolhias todo o que precisaras durante o dia, por exemplo a roupa para a ducha já que nom havia nas celas.
Pola manhá fazíamos atividades no pátio e manualidades, também podíamos ir ao ginásio três vezes por semana. Às 13:30 o jantar e meia hora depois já nos íamos para a cela até as 16:30 que nos permitiam voltar para o pátio. Às 19:30 ceávamos e às 20:00 subíamos de novo para a cela.
Esta rotina era interrumpida nas fins de semana...
Sim porque tinhamos as visitas! A primeira vez que estivem preso e vinhérom as primeiras visitas foi mui emocionante porque houvera problemas para que as autorizaram. Durante esses momentos é umha subida importante de moral porque achas que estás só e comprovas que há muita gente pendente de ti. Ainda assim também se faz raro falar com as/os amigas/os mediante um vidro, já desta volta foi algo como mais normal.
Sabes que as conversas estám intervidas, que gravam todo, e a partir de ai os encontros som mui diferentes embora muitos dos temas giram arredor de cousas da prisom. As charlas som sempre informais e procurava enterar-me de todo o que ia acontecendo na rua, do mais cotiá incluso mas 40 minutos nom dam para nada... Ao regresso para a cela vas cheio de força embora depois voltas à realidade, ainda assim paga muito a pena!
Lembro que o passava realmente mal quando nom tinha um bom dia e ia ter visita. Nom sabia como tentar que nom se notara e que as amizades nom se sentiram preocupadas porque somentes se tratava de um mal momento puntual, como che pode acontecer na rua.
Preocupaçom que se levam de volta as famílias e amizades durante a viagem de retorno...
Eram 700 quilómetros para vir e 700 quilómetros para voltar. Antes da visita sempre estava intranquilo aguardando que nom tiveram um acidente ou que lhes acontecera algo de caminho, o mesmo quando se iam... Eu retornava à cela e olhava vários telejornais procurando algo de informaçom e também guardava algumha chamada para confirmar que já estavam na casa.
700 quilómetros que se percorrem incluso em situaçons extremas...
Som consciente porque eu mesmo tenho percorrido muitas prisons para ir acompanhar a alguém às visitas com o que podo dizer que o vivim tanto desde dentro como desde fora. Sei o que som os enormes madrugons, passar sem comer porque nom há tempo, conduzir durante horas e horas, gastar muito dinheiro em comidas, gasolina, multas derivadas das pressas.
É umha angústia constante à que se somam ficar durmido ao volante, estar a piques dum acidente, o cansaço... E depois chegas ao cárcere destroçado, estás 40 minutos de alegria compartilhando conversa com a/o presa/o e de novo de volta outras sete horas.
Às visitas também se lhe engadiam as cartas, recebeste muitas?
O certo é que em Valdemoro nom recebim muita correspondência e nom porque a gente nom me escrevera se nom porque nom me entregavam muitíssimas cartas. Incluso umha carta do meu advogado que nom está intervida e que a tinham que entregar imediatamente dérom-ma um mês depois!
Nas suas ánsias vingativas do Estado já nom só procura minar-te com a dispersom se nom com todo o que tenha ao seu alcanço e isto é umha ferramenta mais. Polo que estava acontecendo com a correspondência denunciei ante o Julgado de Vigiláncia e como castigo mudárom-me de módulo.
As cartas fam muita ilusom, sempre olhas antes de nada quem che escreve e se é alguém desconhecido nom paras de perguntar-te quem será mas é igualmente emocionante. Depois colhes as cartas e lê-las várias vezes lembrando-te da gente... o de menos é o conteúdo se nom saber que estám ai.
Ao ter restriçom de correspondência so podiamos escrever três cartas por semana e demoravam entre 20 e 30 dias em chegar ao seu destinatário, igualmente quando alguém che envia carta. Ainda assim há em prisons que o límite som duas cartas por semana para enviar.
Normalmente os presos políticos recebem muitas cartas como umha forma mais de rachar com a dispersom e o isolamento, que comentavam ao respeito os presos sociais?
Os presos sociais recebem mais ou menos umha carta cada duas semanas e quase na sua totalidade é da família ou companheiro/a. Nunca lhes chegam cartas de desconhecidas/os dando ánimos e som poucas/os as/os amigas/os que também lhes escrevem. Para nós é impressionante a solidariedade mas eles abraiam-se muitíssimo do amplo respaldo com o que contamos nas ruas.
A respeito da solidariedade que comentas, como se vive desde dentro?
O primeiro é que deves de ser consciente de que fisicamente estás só numha contorna totalmente hostil e que tens que estar concentrada/o ante qualquer cousa que poida acontecer. Esta dinámica de estar pendente dos funcionários ou do restos de presos é realmente esgotador e isto só racha com as cartas, as visitas e as chamadas. Som os momentos nos que nos relaxamos e “saes da cadeia” para estar de novo entre as tuas amizades no ambiente de todos os dias. No caso das cartas também temos esta sensaçom quando estamos respondendo.
Entre esta rotina da que nos falas 4 meses depois o Tribunal Supremo declara a tua absoluçom. Como te entera-ches?
Como os advogados nom podiam ligar para mim enterei-me ao dia seguinte, o 24 de Julho, quando eu liguei para um amigo. Ele já me dixo qual era a sentença e a minha posta em liberdade. Imagina-te! Passei todo o dia mui nervoso e contento aguardando a que chegara o agente judicial para entregar-me a notificaçom.
Esse mesmo dia, tinha umha visita pola tarde à que acudim e durante a mesma chegou o agente. Rematei a visita, despedim-me dos meus companheiros e à rua! Fora estava já gente aguardando-me e ao pouco chegárom companheiras/os da Galiza para levar-me de volta para o País.
Em Compostela havia muita gente aguardando-te...
Chegamos quase no remate dos concertos do 24 pola noite. Foi impresionante ver a toda a gente abraçando-me, muita alegria. Ademais era especial polas datas nas que saira porque tinha a oportunidade de compartilhar a boa nova com todas e ao dia seguinte ir às manifestaçons do Dia da Pátria para continuar reivindicando as demandas que me levárom a prisom.
Nom fôrom poucas as pessoas que te reconhecérom polas ruas...
Sim, a solidariedade sempre é bem-vinda mas também aproveito para comentar que algumhas pessoas se achegárom a mim porque o Tribunal Supremo absolveu-me e quiçá nom seria o caso se houvera sido condenado. Nós seguimos sendo as/os mesmas/os diga o TS o que diga.
A minha saida de prisom temos que ve-lo como um triunfo de todas/os, a mim foi o que me tocou desta volta estar na cadeia mas é um logro coletivo porque levam-se muitos anos trabalhando para que o povo nom seja apresado por motivos políticos.
Essa solidariedade foi a que permitiu elevar o teu caso ante o Tribunal Supremo e que nom passaras 11 anos em prisom....
Os presos tenhem ums gastos mínimos para subsistir e comunicar-se, umha grande parte do dinheiro que tens na prisom vai-se em chamadas, envelopes e selos, sem a sólidariedade nom poderíamos ter contacto com ninguém. A isto há que engadir-lhe os custes dos advogados, a roupa, completar a dieta com produtos do economato... e claro! Os presos ai nom trabalhamos para poder fazer fronte a estes custes! Ademais nom se deve esquecer que repercute na dignidade própria e de nom ver-te submetida/o ainda mais ao Estado. Também é bom porque o peso nom recae somentes na tua família se nom que cada quem leva um anaquinho da carga.
Estar preso e dispersado é o mecanismo básico que tem o Estado para manter-te isolado e a solidariedade, cada esforço, racha com isso.
A solidariedade organizada é imprescindível, a individual chega fragmentada namentes a coletiva chega multiplicada em todos os aspeitos. Atualmente todas/os estamos no ponto de mira e nom se sabe quem pode ser a/o seguinte.
Que eu esteja hoje na rua é fruto do esforço militante de muita gente. Eu nom estou livre porque se fizera um bom papel se nom que som o resultado da solidariedade em linhas de sucesso.
Mas ainda restam cinco presas/os independentistas nas prisons...
Isto nom rematou, há que seguir trabalhando até que todas/os estejamos fora como primeiro grande objetivo mas ainda que isto acontecera nom devemos de deixar de trabalhar, a repressom é de de muitas fomas; proibiçons, golpes, humilhaçons... a repressom está também na rua!
Assim como o Tribunal Supremo revisou o teu caso, há em marcha actualmente um projeto para que o Tribunal Europeio de Direitos Humanos (TEDH) revise o caso de Antom Santos, Maria Osório, Eduardo Vigo e Roberto Rodríguez.
Efetivamente, até dentro dums dias está habilitada umha página web para o financiamento coletivo dos custes que deriva este processo. Polo de agora os médios que temos nom som suficientes para chegar até Europa mas estamos seguras/os que seja como seja imos consegui-lo porque já nom só estám em jogo a vulneraçom de Direitos Humanos de quatro independentistas se nom que é algo de todas/os. Os enganos aos que nos submetem por ser galegas/os e independentistas e que nos tratem como criminais... nom o somos e temos que luitar para defender-nos.
Se nom lhe conseguimos plantar cara à repressom a nossa luita pola dignidade do Povo e da nossa gente, vai ser incompleta. Para isto temos que também coletivizar os esforços de cada quem que, embora sejam pequenos, entre todas/os fam muito! Eu mesmo, estando dentro da prisom adicava tempo às manualidades que depois puideram aportar, o mesmo estám fazendo as/os presas/os agora e é bonito porque é outra forma de compartilhar no dentro-fora dos muros.
Finalmente respeito a ti, como focas a tua vida a partir de agora?
O primeiro que pretendo é recuperar a normalidade, voltar a ter um emprego e certa estabilidade. Igualmente o que nom vou deixar é de reclamar todo o tempo que me fizérom perder, já nom se trata dos sete meses que estivem em total em prisom das duas vezes, se nom dos três anos que houvo polo meio e que nos que tinha que lidiar com viver intranquilo por nom saber como seria o dia seguinte. Todo isto assim como as difamaçons que se vertérom contra mim, incluso da pessoa que me inculpou, está nas maos da minha defesa com o fim de depurar responsabilidades.
Por outra banda tampouco podo esquecer que ainda restam cinco companheiras/os mais dentro das prisom e que há que conseguir a sua liberdade. Nom se me esgotárom os folgos nem a moral de continuar reivindicando o que é nosso e nisso também continuarei trabalhando.