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090215 Helena Miguelez CarballeiraGaliza - PGL - «Gostei muito dos debates que tiveram lugar ao redor dos argumentos do livro. Foram debates abertos, entretidos e com espaço para a autocrítica»


Helena Miguélez-Carballeira é a autora de Galiza, um povo sentimental? (Através Editora, 2014), o livro mais vendido em galego no género do ensaio. Do PGL falamos com a professora de EStudos Hispânicos da Bangor University (Gales) para conhecer mais sobre este trabalho e as motivações que a levaram para analisar os estereótipos criados ao redor da sentimentalidade e a feminização do País e a sua cultura.

Como se origina o trabalho recolhido no livro Galiza, um povo sentimental? Género, política e cultura no imaginário nacional galego?

Desde 2008 andava a pesquisar questões sobre a história cultural galega relacionadas com a crítica de género. A minha ideia original quando comecei a avistar um projeto de livro, era a de realizar uma leitura feminista da historiografia literária galega, tomando os trabalhos canónicos neste âmbito como objetos de estudo. É esta a razão pela qual o livro tem uma estrutura em cinco capítulos centrados em diferentes textos da história literária galega, ordenados cronologicamente. Segundo fui aprofundando no trabalho, porém, apercebi-me de que o imaginário de género que topava uma e outra vez nas histórias literárias era muito parecido com os imaginários identitários surgidos em contextos de conflito colonial, e quase totalmente coincidente com aqueles imaginários surgidos em contextos onde se utilizaram teorias historiográficas relacionadas com as origens celtas dos povos para construir um relato da diferença nacional anticolonial (Irlanda, Gales, Bretanha). Foi nesse momento em que decidi somar a ferramenta da crítica feminista à das teorias pós-coloniais (muito avançadas em relação à questão das (auto)representações culturais e identitárias) para observar a problemática do caso galego.

Que importância tem este estudo, de uma perspetiva de género, na construção da narrativa nacional?

Existiam já nos estudos galegos críticas de género ao discurso nacionalista galego. O trabalho da historiadora Noa Rios Bergantinhos – nomeadamente no seu livro A mulher no nacionalismo galego (1900–1936): Ideologia e realidade (Laiovento, 2001) – foi pioneiro neste sentido. Esta crítica, em consonância com a crítica feminista aos nacionalismos, chamou a atenção para os imaginários patriarcais em que a diário se fundamentam os discursos do nacionalismo, seja para perfilar uma imagem da nação como mulher (mãe, esposa, namorada) que precisa ser venerada e protegida, seja para promover uma ordem social que mantenha as mulheres no rol de mães abnegadas e virtuosas dos filhos do país.

Galiza, um povo sentimental? é devedora destes estudos críticos, mas empurra o debate face ao conflito nacional galego-espanhol tentando chamar a atenção sobre a história política e cultural de certos imaginários da diferença nacional, neste caso o do chamado sentimentalismo galego. Venho a expor que este estereótipo aparece repetidamente relacionado com valores da feminidade patriarcal (passividade, irracionalidade, beleza, sim, mas também inaptidão política) com a função de restar potencial e credibilidade políticas ao nacionalismo galego.

Qual é a função da ambivalência e o relacionamento no discurso dos escritores galegos do século XIX e XX, em função do espaço social que ocupam e o projeto “nacional” em que militam?

A função ambivalente dos estereótipos coloniais é um dos aspetos mais teorizados pela crítica pós-colonial. Em síntese, a teoria pós-colonial preocupa-se por entender as dinâmicas de relação cultural que perduram na esteira dos conflitos coloniais, e o modo em que estas estão imbricadas com a produção de conhecimento, representação e representatividade nestes contextos. Fica aqui implícita, certamente, a questão do poder e como este determina, em termos de Pierre Bourdieu, o espaço do possível. Para o caso de uma cultura galega auto-consciente e diferenciada surgida ao abrigo de uma modernidade espanhola caracterizada, entre outros valores, pela progressiva hegemonia do centralismo estatal, o espaço do possível vem determinado pelo que o poder hegemónico permite, e até certo ponto, deixa florescer. Entre nós isso foi o imaginário do sentimentalismo galego (o lirismo, o celtismo romântico, a saudade e a morrinha, o mistério). E aqui é onde entra em ação, o que a teórica pós-colonial Benita Parry chamou o método da sedução (que não, da coerção) do poder colonial, que se erige não só em limite político mas também em possibilidade cultural graças à assunção por parte de atores internos à cultura colonizada deste espaço como próprio. É neste ponto, no da auto-assunção e aproveitamento por parte da cultura subalterna de um imaginário da diferença, surgido da dialética de poder colonial, onde este consegue o seu maior grau de efetividade.

Compartilhas a perspetiva de Isaac Lourido a respeito da necessidade de um ativismo na pesquisa e de um certo “gamberrismo” militante?

Li o livro do Isaac Lourido e gostei muito da perspetiva que oferece, sobretudo em relação ao estudo de formas culturais que, por surgirem conscientemente fora das dinâmicas de poder descritas acima, aparecem amiúde nas margens das margens da produção cultural na Galiza. Também porque no livro é recolhido um artigo dele publicado em 2011 no Novas da Galiza onde já fazia uma crítica aberta ao discurso da normalização cultural. Considero que, antes de por um certo “gamberrismo” ou por uma constante posse heterodoxa (que ao meu ver parece difícil de manter como base para o trabalho intelectual), este tipo de estudos nascem da aplicação rigorosa e sem apriorismos de uma metodologia teórica a um trabalho de campo. O trabalho académico feito neste sentido, longe de funcionar a base de boutades, quer tempo, paciência e uma dedicação amiúde monótona. A tarefa que fica por diante agora, suspeito, é a de os resultados deste tipo de trabalho não se nos revelarem sempre polémicos.

Como achas que está a ser a receção desta obra? Como te vês em português-galego e nesta coleção?

Nos vários actos de apresentação do livro que fiz com a ATRAVÉS em dezembro (nas livrarias Linda Rama e Andel, no Culturgal e nos locais das associações A Gentalha do Pichel em Compostela e o Lar de Cultura do País em Lugo) gostei muito dos debates que tiveram lugar ao redor dos argumentos do livro. Foram debates abertos, entretidos e com espaço para a autocrítica, onde se abordaram questões que acho interessantes para o momento histórico que se está a viver, em que os discursos e práticas culturais nascidos do consenso autonómico estão a apresentar certos tiques de esgotamento. É óbvio que editoras como a ATRAVÉS têm muito a dizer neste encruzilhada, pois é nos projetos culturais não institucionais onde se percebem os outros espaços do possível de uma cultura que tem direito a existir, e não apenas a resistir. Eu tenho um agradecimento muito grande para esta editora, que apostou pela publicação deste livro e fê-lo através de um processo rigoroso e profissional. Em português leio-me muito bem, principalmente graças ao impecável trabalho do tradutor Fernando V. Corredoira e Giada M. Barcellona.


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