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Mural alusivo à unidade lingüística, em Compostela (Galiza)

DL - Falamos com pessoas representativas do movimento reintegracionista sobre o Acordo Ortográfico para conhecer o estado de opiniom na Galiza. 


Sobre o já velho debate entre partidários e opositores à confluência do galego com o resto de variantes do mesmo idioma faladas nos países de língua oficial portuguesa, nos últimos tempos está a sobrepor-se um outro sobre a posiçom que a Galiza deve tomar face à aprovaçom do Acordo Ortográfico de 1990, que unifica a forma escrita da língua comum. 

Vinte anos depois da aprovaçom formal do Acordo, nengum país está a aplicá-lo completamente, apostando alguns como o Brasil mais firmemente na sua implementaçom e ficando outros como Portugal numha posiçom mais renuente por medo a ceder traços próprios em favor dos que favorecêrom o gigante brasileiro aquando da negociaçom dos termos da unificaçom.

Maria Vila Verde, docente de Português na Escola Oficial de Idiomas de FerrolReforçar a identidade comum... ou o mercado comum?

Para alguns, o Acordo Ortográfico é fundamental para evitar a fragmentaçom de um grande espaço lingüístico, de carácter intercontinental, como é o galego-luso-brasileiro. Para outros, é só um meio para favorecer a extensom do mercado e, como tal, um serviço ao grande capital emergente brasileiro, perante o qual reage o nacionalismo de alguns sectores sociais portugueses, opostos a assumir a nova prática escrita apelando à “legitimidade histórica” lusa. De facto, as mudanças exigidas pola reforma ortográfica afectam só 5 em cada 1.000 palavras brasileiras, face a 1,5 por cada 100 palavras portuguesas modificadas pola aplicaçom da reforma em Portugal.

Assim, o Brasil já está em fase de implementaçom das novas regras, com a sua introduçom no ensino, nos materiais didácticos, nos meios de comunicaçom... até a obrigatoriedade total da sua aplicaçom daqui a 2013. No caso de Portugal, a aplicaçom da escrita unificada ao ensino acabou de ser adiada polo Ministério da Educaçom, apesar de o Acordo ter sido promulgado já em 2008 pola Assembleia da República. Nom há, de facto, data para a introduçom no ensino nem para umha eventual obrigatoriedade do mesmo, embora alguns meios de comunicaçom e editoras tenham começado já a aplicá-lo.

Nos países africanos, mas também em Macau e Timor, há diferentes ritmos e contradiçons, em funçom das problemáticas específicas de cada um e da maior ou menor influência de Portugal e do Brasil sobre cada realidade. Angola e Moçambique ainda nem ratificárom o Acordo, ao contrário de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné Bissau, mas em nengum caso foi posto em prática. Em Macau e Timor tampouco houvo adesom oficial. Seja como for, e ainda estando numha posiçom mais avançada do que nunca no caminho da unificaçom ortográfica, há muitas circunstáncias que ponhem em causa umha rápida assunçom da ortografia única num breve prazo por todo o mundo lusófono... incluída a Galiza.

Jose Martinho Montero Santalha (presidente da AGLP)A Galiza, a unidade da língua e o Acordo

Após a independência de Timor em 2002, a Galiza é a única naçom de fala galego-portuguesa sem Estado próprio e com o idioma comum numha posiçom de extrema fraqueza, que a ONU já classificou como “em risco de desapariçom”. Sem instrumentos políticos soberanos que lhe permitam tomar as decisons que mais bem pudessem ajudar a recuperar a língua histórica, na Galiza o poder oficial espanhol continua a alimentar, como nas últimas três décadas, umha ruptura efectiva do galego com o mundo lusófono.

A visom isolacionista do idioma, junto à imposiçom abafante do espanhol, incrementada com a chegada da direita espanhola ao poder da Autonomia galega no passado ano, deixam a nossa naçom quase à margem das políticas lingüísticas tomadas no ámbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Porém, existe um crescente sector social que na Galiza aposta, em chave soberanista, na integraçom do nosso povo no ámbito internacional que por história e necessidade futura lhe corresponde.

Alberte de Esteban, da Confederaçom Nacional do Trabalho (CNT)Falamos com alguns e algumhas representantes desse plural movimento que se conhece polo nome de reintegracionista, para conhecer as posiçons de uns e outras sobre a questom do Acordo Ortográfico com perspectiva galega. Um movimento transversal, onde os mais activos defensores práticos da confluência som independentistas de esquerda anticapitalista, mas que também inclui anarquistas, social-democratas e alguns, ainda que muito poucos, empresários; mas cujo impulso histórico tem correspondido a sectores intelectuais que compreendêrom a necessidade de reintegrar o galego no seu campo cultural.

Para conhecermos o estado da questom na Galiza, falamos com o presidente da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), o professor Martinho Monteiro Santalha; o presidente da Associaçom Galega da Língua (AGAL), Valentim Rodrigues Fagim; o histórico militante da CNT compostelana Alberte de Esteban; a docente de Português Maria Vila Verde Lamas; o premiado escritor dissidente Carlos Quiroga; e o presidente da Associação Internacional de Lusitanistas, o também galego Elias Torres. Por último, incorporamos as opinions de José Ramom Pichel da firma informática Imaxin, um dos poucos empresários que já acreditam na unidade lingüística a partir de parámetros económicos.

Todos eles coincidem na avaliaçom do papel positivo jogado polo padrom em que som redigidas estas linhas: o proposto há quase três décadas pola AGAL, presidida na altura pola professora ourensana Maria do Carmo Henriques Salido, e que tem servido para orientar o galego na direcçom da confluência com os “outros galegos”, nomeadamente o lusitano e o brasileiro.

Elias Torres, um galego na presidência da Associação de LusitanistasFalando dessa utilidade de umha norma substancialmente unitária mas com particularidades galegas em todos estes anos, Elias Torres frisa a virtude de “ter sido capaz de jogar no terreno da Galiza, sem ter, portanto, a vulnerabilidade de quem podia ser acusado de propor umha pura estrangeirice, ou de ser umha fuga excessiva para a frente.” Na mesma linha, o actual presidente da AGAL, Valentim Rodrigues Fagim, acha que o padrom proposto pola entidade que preside “foi umha ponte espectacular para facilitar o tránsito do galego-castelhano para o galego-português”.

Consultada sobre a mesma questom, a professora Maria Vila Verde considera que “a opçom da norma AGAL propom a superaçom dialéctica da contradiçom entre a funçom identitária da língua e a sua integraçom num sistema internacional”. A docente de Português, que na actualidade lecciona na Escola Oficial de Idiomas de Ferrol, acha que é essa umha contradiçom que “tanto a norma oficial como o padrom português e brasileiro fam insuperável”, por dous motivos: “a primeira como confirmaçom do actual estado de cousas que condena o galego a umha progressiva assimilaçom do espanhol e a segunda porque ignora a especifidade do caso galego.”

Alberte de Esteban, veterano militante anarquista, também docente e convicto defensor da plena unidade ortográfica, acha que a existência de um padrom diferenciado galego tem respodindo à afirmaçom nacionalista, considerando que teria sido mais útil termos optado desde o início por umha norma que desse “dimensom internacional” à língua da Galiza.

Provocamo-lo, perguntando pola acusaçom de “elitismo” que às vezes é dirigida ao reintegracionismo. Reproduzimos a sua resposta, que nos parece suficientemente esclarecedora, pola perspectiva histórica que nos traz: “isto mesmo aconteceu com o próprio galego. Eu, que tenho umha perspectiva maior, porque tenho anos, lembro como a princípios dos 70 lançar um panfleto, umha publicaçom em galego era elitista e, em troca, quem pensa agora que isto nom estivesse bem feito? E pode acontecer o mesmo com o reintegracionismo. Nesta altura pode semelhar que é algo elitista mas no fundo é algo natural. É o que deveríamos ter feito já, nesse sentido, pode parecer elitista mas é um labor que temos de fazer. Evidentemente temos umha situaçom anormal, teremos de normalizar essa situaçom anormal, e isso às vezes implica certos traumas. Há que fazer um labor social grande, há que multiplicar associaçons, organizaçons... que utilizem o idioma de umha maneira clara a respeito do reintegracionismo. Mas depois vai tornar-se muito prático, por exemplo, a nível de ensino, o ensino é o grande instrumento normalizador, se hoje estivéssemos a dar as aulas em português todas as pessoas educadas evitariam todo o tipo de preconceitos”.

Valentim Rodrigues Fagim, presidente da AGALQue fazer? dous padrons reintegrados na Galiza de hoje

Para além da norma isolacionista imposta desde inícios da Comunidade Autónoma da Galiza, que acabou por assimilar os que há anos praticavam o chamado “reintegracionismo de mínimos”, hoje praticam-se na Galiza dous padrons reintegracionistas: o galego proposto pola AGAL e o do Acordo de 90, que por sua vez assimilou os galegos e galegas até há pouco partidários da norma portuguesa. Os passos à frente verificados na aplicaçom desse Acordo provocam na actualidade um debate sobre umha eventual adaptaçom da norma galega e, em ocasions, sobre a sua própria vigência, dadas as novas circunstáncias no contexto internacional lusófono.

As personalidades do mundo reintegracionista com quem conversamos para testar o estado da questom representam as duas visons: a de quem acha que se encerrou um ciclo que deve dar passagem à assunçom do Acordo também na Galiza e a de quem julga totalmente vigentes as razons que dérom lugar ao nascimento da AGAL e do seu padrom escrito.

Assim, Elias Torres, que no passado defendeu um padrom nacional galego, opta já por “assumir o padrom comum e galeguizar no possível esse padrom nas formas genuínas que nós temos e que podemos levar à língua comum, para fazer um exercício de genuinidade que nom deve ser esquecido.”

Na mesma linha se manifesta o presidente da Academia Galega da Língua Portuguesa, o filólogo e estudioso da língua e da literatura medieval Martinho Monteiro Santalha. A instituiçom que preside encaminhou no passado ano um compêndio de 600 vocábulos para serem incluídos no Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa, que publicou a Academia das Ciências de Lisboa. Martinho Monteiro é um dos históricos do reintegracionismo lingüístico galego, já desde a década de 70. Considera imprescindível que a Galiza se some à Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa, umha vez que a política institucional de orientaçom isolacionista no nosso país demonstrou a sua incapacidade e deixou o galego numha situaçom “gravíssima”.

Carlos Quiroga, escritorNo outro extremo, o escritor Carlos Quiroga lembra-nos que “em Portugal há umha iniciativa popular que nom é desprezível contra esse Acordo, enquanto na Galiza a norma da AGAL continua a servir”. Reconhece que na sociedade quase ninguém diferencia os pormenores que separam ambos os padrons, mas tem claro que “o sistema sim continua a diferenciar”, tendo sido sempre mais beligerante com o da AGAL, ao considerar o português como um simples idioma estrangeiro. Quiroga também atribui umha outra virtude à norma galega: a de favorecer o debate sobre que tipo de galego utilizar no ensino, o galego como língua estrangeira ou como língua nacional e identitária galega.

Maria Vila Verde acrescenta um argumento em defesa do uso do modelo de língua proposto pola AGAL, convicta de que “o futuro do idioma, ainda no século XXI, dependerá em grande medida da capacidade de criar movimento social arredor da sua defesa, e é neste ámbito que a norma AGAL se tem imposto sobre outras opçons”. Fai referência implícita, a professora, ao uso generalizado dessa norma nos centros sociais abertos na última década um pouco por todo o País, assim como em meios de comunicaçom, tanto impressos e digitais, e noutros ámbitos do activismo social e político alternativo, desligados da oficialidade e detentores de um importante dinamismo no ámbito do soberanismo de esquerda.

No seio desses movimentos sociais que de umha forma ou outra participam da aposta reintegracionista, Alberte de Esteban insiste em que no mundo libertário há visons diversas sobre a questom, mas ele acha que a adopçom do Acordo Ortográfico de 90 teria grandes vantagens e nengum inconveniente. Porém, reconhece que existem “preconceitos sobre Portugal e o português”, junto ao que considera um problema equiparável: o peso dos nacionalismos tanto galego como espanhol e mesmo a incompreensom existente do lado português. Refere também experiências positivas comuns no ámbito anarco-sindicalista, como a recente publicaçom conjunta de umha revista entre a secçom galega da Confederaçom Nacional del Trabajo e a AIT-Secçom Portuguesa.

José Ramom Pichel é empresário no mundo do software galegoCom umha perspectiva oposta, o empresário informático José Ramom Pichel chega à mesma conclusom quando apoia a assunçom galega do Acordo: “É umha questom de praticidade, de produtividade, mesmo económica. Há um standard ortográfico, vai haver um padrom ortográfico e devemos ir para ele.”

Parece evidente que há argumentos a favor e contra a adopçom do Acordo Ortográfico na Galiza, tendo em conta também que estamos a falar de umha situaçom em que o poder político-institucional mantém as costas viradas para a realidade internacional lusófona. O presidente da AGAL, Valentim Rodrigues Fagim, considera que, ainda hoje, a norma proposta pola Comissom Lingüística da associaçom que preside continua a ser “umha ponte muito útil que facilita o tránsito a muitas pessoas”, ao ser sentida como “mais nacional, mais galega”. No entanto, refere, em favor da norma unificada, que “é como escrevem, ou vam escrever, a maioria dos utentes da nossa língua no Brasil, Portugal, Angola... países importantes em termos económicos para o nosso país.”

Imobilismo institucional e alternativa reintegracionista

Em relaçom à aproximaçom do ámbito lusófono, os sucessivos governos autonómicos da Galiza tenhem mostrado um eloqüente continuísmo no desprezo por umha via que abre portas ao futuro do galego como língua oficial em organismos internacionais, em pé de igualdade com o espanhol. Talvez por isso, os mesmos que vem umha ameaça em qualquer sinal de identidade recuperado polo povo galego, considerando-o indício de “separatismo”, querem evitar que o galego deixe de ficar reduzido à condiçom de língua “autonómica”. Enquanto a perda de falantes e a falta de políticas adequadas para a sua recuperaçom causa alarme inclusive em organismos europeus nada suspeitos de apoiarem causas “separatistas”, como o Conselho da Europa, o galego continua a ver impedido um debate necessário sobre o nosso posicionamento lingüístico e cultural no seio da lusofonia.

Perguntadas sobre o principal argumento em favor da reorientaçom da política lingüística em chave reintegracionista, as personalidades do nosso mundo lingüístico consultadas polo nosso site apresentárom razons diversas e complementares, acordes todas elas com as necessidades de umha sociedade em vias de normalizaçom, como é a galega.

Desde “a utilidade de ultrapassar fronteiras e colocar o galego no mundo”, argumento colocado polo militante libertário e também docente Alberte de Esteban, até a eficácia que para Maria Vila Verde representa e, em simultáneo, ajudar a “conceder a oportunidade ao galego para se independizar do castelhano”. Desde a consideraçom do galego reintegrado como “factor de felicidade”, apontado por Carlos Quiroga, que lhe atribui a possibilidade de tornar o “sacrifício” de normalizar o galego em vantagem motivadora, até a conveniência empresarial exprimida por José Ramom Pichel, de olho no mercado brasileiro: “O empresariado galego começa a ver claramente que o Brasil é umha estratégia e o resto virá rodado.”

Em definitivo, o debate sobre a Galiza e o Acordo Ortográfico está aberto, enquanto os dados demolingüísticos indicam que a maioria social galega caminha para a culminaçom do processo de substituiçom lingüística historicamente imposto polo Estado espanhol ao nosso povo. As instituiçons mantenhem o galego na marginalidade e no isolacionismo, a ponto de se converter pola primeira vez na história em língua minoritária no país de origem, enquanto minorias sociais crescentes reclamam mais galego e defendem a unidade lingüística galego-luso-brasileira.

O professor Elias Torres descreveu-nos o panorama do povo galego, na sua relaçom com a língua própria, com umha imagem muito significativa: “eu às vezes penso que Cunqueiro poderia fazer um conto sobre isto: como se comportariam os galegos sentados num imenso tesouro, a dialogarem sobre o seu futuro, sem repararem que estám sentados sobre esse tesouro.”


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