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JHipPortugal - Diário Liberdade - [João Aveledo] O socioeconomista José Hipólito Santos (Porto, 1932) publicou em 2011 «Felizmente Houve a LUAR. Para a história da luta armada contra a ditadura» e em 2012 «A Revolta de Beja», dous livros que se debruçam sobre factos decisivos na insurgência contra o salazarismo. 


As suas obras não são um mero exercício de memória histórica, sempre subjetiva, mas também o resultado de uma rigorosa pesquisa documental que tenta fugir de revisionismos moralizantes. Homem de biografia apaixonante (ativista contra a ditadura, ex-preso político, antigo exilado em Argel e professor universitário em Paris e Lisboa) foi dirigente de diversas organizações políticas, como o Movimento de Acção Revolucionário (MAR), a Liga de União e Acção Revolucionária (LUAR) e o Partido Revolucionário do Proletariado (PRP), e participou no Golpe da Sé e na Revolta de Beja. Foi redator da Seara Nova, revista divulgadora dos ideais democráticos e cooperativistas, e dos Cadernos de Circunstância. Também pertenceu ao Comité de Ação da Sorbonne, em maio de 68. Atualmente, faz parte das redes Alliance Pour Un Monde Responsable, Pluriel et Solidaire e DRD-Démocratiser Radicalement la Démocratie

1. A sua militância contra a ditadura não começou num partido, mas no cooperativismo, porquê?

Naquela época eu frequentava as tertúlias para jovens em casa de António Sérgio, um pedagogo e um filósofo, proibido de ensinar. Ele incitava-nos a estudar a realidade portuguesa e a não sermos meros repetidores de frases bonitas do marxismo, o qual se debruçara sobre a realidade alemã e inglesa, um século antes. Como éramos “burgueses”, sem fácil acesso ao contacto com os problemas do povo, insistia para que fossemos trabalhar (ajudar em tarefas materiais ou em estudos) nas cooperativas, aprendendo com os seus sócios. Isso aparecia como uma incitação ao “reformismo” e, portanto, rejeitado pelos companheiros de tertúlia. Só eu me deixei convencer e enviado por António Sérgio para uma cooperativa – a Fraternidade Operária de Lisboa/Ateneu Cooperativo com gente extraordinária, de cultura anarquista ou marxista não dogmática e que muito me ensinaram…

2. Em que consistiu o Movimento da Sé de 59, considerada a primeira tentativa séria para derrubar o salazarismo?

Foi um Movimento em que estiveram envolvidos cerca de 150 oficiais do exército, de baixa patente, mas também uma nova geração de oponentes ao regime - civis, vindos de fileiras monárquicas, católicas e de outros meios estudantis e jovens operários - que só aceitavam implicar-se politicamente através de ações armadas.

Várias unidades militares deveriam ser controladas pelos oficiais implicados, com o apoio dos civis; seriam presos os governantes e instaurada a democracia, sob a presidência de Humberto Delgado, refugiado na Embaixada do Brasil.

Pela minha parte, era adjunto dum velho chefe militar republicano, Capitão Vilhena, e devíamos assaltar e controlar um quartel de Lisboa, apoiando alguns oficiais dessa unidade.

3. Que tipo de regime político procurava o general Humberto Delgado, protagonista desse 25 de abril frustrado que foi a Revolta de Beja de 62? Qual foi a sua participação nela?

Humberto Delgado defendia a instauração duma democracia, estando ainda hesitante quanto à questão colonial que tinha tomado uma grande importância histórica.

160713 luarEstabeleci o contacto entre militares do Regimento de Beja, de que um dos oficiais era meu irmão, e outros oficiais que de há muito conspiravam – essencialmente com o capitão Varela Gomes -, mas se mantinham continuamente indecisos.

Estabeleci depois a ligação com o grupo dos anarquistas e com o grupo da Seara Nova.

4. A LUAR, a organização armada que durante mais tempo lutou contra a ditadura, é hoje quase desconhecida em Portugal, como explicar este véu de silêncio, extensível também ao Movimento da Sé e à Revolta de Beja?

A historiografia é, em geral, dominada por grupos que investigam o que é habitualmente referido pelas elites como “importante” historicamente. A LUAR, como o Movimento da Sé e a Revolta de Beja foram da iniciativa de gente “não politizada”, de grupos indiscriminados – não proletários organizados, não marxistas – e, “portanto” susceptíveis de “atrasar a revolução” para erradicar as classes dos poderosos. Apareciam como tentativas para evitar que essas classes fossem derrotadas, infiltrados por elementos policiais nacionais ou estrangeiros (CIA ou outras).

A LUAR e aqueles dois movimentos foram sempre denegridos politicamente e historicamente desprezados. Alguns dos seus participantes também estavam convencidos que era verdade terem tido um papel negativo na luta contra a ditadura … Chegaram a pedir-me para não escrever sobre o assunto…

5. O Partido Comunista Português mostrou sempre uma clara hostilidade frente a todos estes movimentos, porquê?

Tudo o que não controlavam fazia o jogo do inimigo…

6. A LUAR é criada no exílio parisino, pouco antes de maio de 68. Pode-se considerar como parte da movimentação política que, para além da disciplina dos Partidos Comunistas de obediência soviética, abalou a Europa naqueles anos?

Só marginalmente. A LUAR foi mais um resultado das novas lógicas revolucionárias que trouxe a revolução cubana.

7. Qual foi a ação da LUAR com uma maior repercussão entre o povo português?

Sem dúvida, o assalto ao Banco de Portugal da Figueira da Foz, pela audácia revelada, pelo enorme montante que conseguiram levar, pela fuga num avião tomado num aeródromo desportivo terminada com a fuga para Marrocos ou outro destino. Inicialmente o regime, desconhecendo que era político, não conseguiu esconder tudo isso. 

Mas já antes, em 1961, o assalto ao paquete Santa Maria, feito por gente que veio a criar a LUAR, em conjunção com revolucionários, a maior parte galegos, que tinham lutado na guerra de Espanha, teve uma projeção mundial durante mais de duas semanas.

8. A LUAR contou desde o início com militantes muito experientes (alguns já tinham participado em ações tão relevantes como o sequestro do navio Santa Maria ou o desvio do avião da TAP Casablanca-Lisboa...), mas contudo, não conseguiram evitar as traições internas, a bufaria e a infiltração da PIDE até no mesmo Conselho Superior da LUAR. Foi mérito dos serviços secretos salazaristas?

A LUAR não conseguiu efectivamente evitar traições, como todas as outras organizações revolucionárias… Fala-se menos, mas o PCP foi a organização portuguesa mais afetada por traições e infiltrações policiais…

160713 JHipólito9. Como entender que nesta profunda crise económica e política em que se encontra Portugal, uma parte significativa da população olhe com nostalgia para o salazarismo?

O povo português, como o espanhol, o russo, o alemão, o italiano, etc. nunca se levantou contra os regimes fascistas/comunistas que os subjugaram. É mais fácil “indignar-se” e sair à rua, quando há liberdade. E os idosos e seus filhos, “amantes da ordem e do respeito” do antigamente, esquecem-se que isso só era um facto para eles porque a censura aos meios de comunicação escondia a miserável realidade do país, com uma repressão policial presente nas ruas, nos empregos e até nas casas. E a Igreja dava consistência a esse respeitinho e ordem em nome do Deus, Pátria e Família.

10. Valeram para algo os enormes sacrifícios daqueles que, como você, lutaram militantemente contra a ditadura?

Lutar pela liberdade não é um sacrifício. É uma pulsão de vida, como lutar contra a fome.

11. É pensamento muito geral que a esquerda enfrenta uma profunda crise ideológica, tem futuro o pensamento de esquerda? 

Todas as religiões estão em crise, como tudo o que não evolui. Mas há valores – liberdade, solidariedade, fraternidade, equidade, justiça, envolvimento cidadão – que são de todos os tempos. A “esquerda” frequentemente não é mais do que uma religião com dogmas do passado com um discurso bem rodado prometendo um mundo melhor, mas práticas de subalternização das pessoas. Além disso, as “esquerdas” são defensoras dum “crescimento” consumista “para criar emprego”. E assim não se vai longe…

Um pensamento de esquerda tem futuro, e é indispensável, mas tem de ser refundado.

João Aveledo (Um resumo desta entrevista foi publicadaem junho de 2013, no nº127 do periódico Novas da Galiza).


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