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vemprarua rudaBrasil - De Esquerda em Esquerda - [Rudá Ricci] O realismo político típico da cultura anglo-saxã sugere que a política é confronto, força. Lênin absorveu esta concepção quando construiu seu conceito de hegemonia. Na verdade, a cultura russa tem lastro na ocupação mongol, que nunca reconheceu a sociedade civil, sendo articulada a partir do mando do chefe militar.


Os latinos, contudo, preferiram a lógica da sedução e do convencimento. Ao menos na teoria. Maquiavel sustentou que a virtú seria mais demonstração de força que seu uso efetivo. Gramsci sustentou que hegemonia seria inteligência retórica e capacidade de convencimento, enfeixando interesses e valores dispersos na sociedade.

Por algum motivo estranho à nossa identidade cultural, nos últimos tempos, parte dos brasileiros decidiu fazer política com as próprias mãos (fechadas e, se possível, adornadas com soco inglês).

As eleições do ano passado demonstraram como perdemos o limite da disputa democrática. Abandonamos a fronteira do conflito e partimos para o confronto.

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A insanidade e adrenalina tomaram o lugar do pensamento estratégico e chegamos nesta fase em que a manifestação pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (agendada para o dia 15 de março em 20 Estados, tendo São Paulo e Santa Catarina como mais motivados para o embate) é combatida com outra manifestação nacional, no dia 13 (número do partido da presidente, embora o PT negue que apoia esta mobilização), também nas ruas do país.

O que teria ocorrido?

O mais provável é que os dois partidos dominantes do sistema partidário – PT e PSDB – percebem risco de morte. Os dois parecem esgotar seus trunfos e começam a fazer o abraço dos afogados. No início do ano, pesquisa Datafolha indicava que a popularidade do PT teria caído de dezembro para fevereiro de 24% do eleitorado para 12%. PSDB amargava um insignificante 5%.

Nesta vala aberta, surge o PMDB, fazendo ameaças e bravatas para tentar um lugar ao sol. O mais experiente partido tupiniquim sente o cheiro de sangue no ar. Mas seu jogo não passa do campo institucional e as denúncias feitas pela Procuradoria Geral da República (relativas às investigações da Polícia Federal denominadas de Operação Lava Jato), a já famosa "Lista de Janot" (seria nosso Janus, afinal?) parecem afetar duramente a alma do comando peemedebista (assim como de todos os partidos com maiores bancadas no Congresso Nacional).

Numa situação de crise de representação formal ou de crise de todo sistema partidário brasileiro, as eleições do ano passado se revestiram de combate pela vida.

A derrota dos tucanos indicaria seu lento e gradual isolamento paulista. A derrota dos petistas poderia indicar sua desidratação acelerada, já que parte significativa de seu poder de atração e organização está diretamente vinculada à concentração orçamentária na União e ao manejo de verbas públicas federais, alimentando territórios e municípios.

A campanha se radicalizou e deixou de discutir programa. Partidos tão próximos em termos programáticos, de inspiração social-liberal, PT e PSDB divergem apenas nas ênfases: um subordina a política social às orientações do mercado; outro, pensa as políticas sociais como fomento ao mercado interno. Nenhum, enfim, aposta no alargamento real da democracia, no controle social, na maior taxação de fortunas e sistema financeiro ou mesmo na áspera agenda de defesa dos direitos civis. A conciliação de interesses é o limite do social-liberalismo.

Sem diferenças, os dois partidos se vendem ao público a partir de detalhes e nuanças personalistas. O uso de barba, a cor do vestido, o gago contra o playboy, os amigos que os cercam, a boca crispada ou o cenho fechado, são os detalhes da vida particular que passaram a contar. Do ponto de vista da empatia política, formaram-se legiões de idólatras. Algo que deve ter motivado o novo governador da Bahia lascar um "Dilma, eu te amo" no seu discurso oficial durante as comemorações de 35 anos do Partido dos Trabalhadores, realizado em Belo Horizonte, em fevereiro deste ano.

A despolitização acelerada leva à incapacidade crítica e tudo se transforma em luta da UFC. Perde a democracia porque os oponentes não conseguem mais conceber a derrota como parte integrante da disputa eleitoral. Tudo que é democrático se desmancha no ar.

E, assim, chegamos à brincadeira de rua dos dias 13 e 15 de março.

Convocar uma manifestação tão próxima da outra é chamar para a briga. Os números de manifestantes contarão como demonstração de força. Se houver empate, alimentarão novas manifestações. Se uma for maior que a outra, a vencedora se sentirá poderosa o suficiente para esmagar o oponente nos próximos dias.

Contudo, para nós, cidadãos, a história continuará a mesma. O arrocho econômico continuará, as denúncias de desvios de recursos públicos, a diminuição das esperanças do cidadão comum. Porque, em termos de orientação da política econômica, os dois polos do social-liberalismo tupiniquim convergiram: a solução é a cartilha monetarista.

Dias 13 e 15, afinal, não inundarão as ruas de brasileiros que querem participar da política nacional. Serão manifestações de gente que quer derrotar o adversário, cada vez mais desenhado como inimigo. São dois polos cegos, que não percebem a gravidade da situação em que o Brasil se meteu. Acreditam que da briga de rua nascerá o sol que nos iluminará de vez. No entanto, será uma armadilha. Uma armadilha em que a força substituirá, de vez, a inteligência política.

Rudá Ricci é sociólogo.


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