O desejo de reduzir de 18 para 16 anos a idade penal é motivado por um sentimento, justo, de indignação e de impotência frente à crescente violência no país. Busca-se justiça. Mas precisamos ir além das paixões que movem esse verdadeiro embate político. É preciso, como sociedade, ser responsável em nossos pedidos.
Antes de exigir que mais do mesmo controverso remédio – o sistema penitenciário nacional está longe de ser modelo de recuperação e reinserção social dos detentos – seja aplicado em brasileiros e brasileiras mirins, precisamos repensar nossas instituições de segurança e avaliar quais têm sido os resultados alcançados. Queremos, como sociedade, segurança e justiça. Mas, a começar pelo sistema de justiça criminal, por onde esses adolescentes passariam caso seja reduzida a idade penal, encontramos muitos gargalos que impedem a realização de qualquer um desses dois objetivos. Tem-se a sensação de que a idade ou tempo de punição são os problemas, contudo a realidade mostra que o efeito seria inócuo.
Em nosso país, apenas uma pequena parte dos crimes cometidos diariamente chegam ao conhecimento da polícia. Em 2013, apenas cerca de 40% dos casos de roubo foram reportados. Nos casos de furto, esse número é ainda menor.
Seguindo o fluxo do sistema de justiça criminal, isto é, o que acontece a partir do momento que um crime é reportado, a próxima etapa é a de investigação, cuja responsabilidade é da Polícia Civil. A investigação deveria ser capaz de esclarecer o que ocorreu, identificando o autor e as provas necessárias para que o Ministério Público possa oferecer a denúncia - a formalização da acusação. Sem isso, o suposto culpado nem chega a ser julgado e muito menos condenado.
Em São Paulo, em média, apenas 5% dos casos de roubo reportados são investigados pela polícia, segundo levantamentos do Instituto Sou da Paz. Isso significa que a maioria dos casos reportados serve apenas para gerar estatísticas. Não se buscam autores ou provas, independente da idade dos suspeitos. Isso não é privilégio apenas de São Paulo. Diversas pesquisas realizadas no país desde a década de 1990, utilizando variadas metodologias, estimam que apenas ⅕ do total de casos de homicídios investigados tem a autoria esclarecida a nível nacional.
A etapa seguinte do fluxo do sistema de justiça criminal fica a cargo do Ministério Público, que deve oferecer a denúncia quando há condições, e do judiciário, a quem cabe realizar o julgamento. Nesta segunda metade do fluxo, o maior problema é a demora em realizar os julgamentos.
A verdade é que, tendo em vista a precariedade do nosso sistema judiciário, é ingênuo pensar que a redução da maioridade vá trazer alguma medida de justiça ou segurança para a população.
Não há, no país, dados que permitam a realização de um real diagnóstico mostrando quem é que comete crimes. Sem efetividade na investigação policial, é impossível traçar este quadro. E, sem evidências, continuamos a fazer políticas públicas com base em “achismos.” Pedimos justiça, mas não sabemos quem julgar. Quando achamos algum culpado, irados, pedimos aumento da pena. iGnora-se que as penas só podem ser aplicadas se todas as etapas anteriores forem concluídas com sucesso – o que ocorre apenas em pouquíssimos casos.
Além disso, colocar adolescentes em nosso sistema penitenciário, que como afirmou o Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo em 2012, é um sistema medieval, só agravará ainda mais a situação. Muitos debates têm sido feito sobre a dominação do sistema penitenciário por facções criminosas desafiando o controle das autoridades governamentais. Como é que colocar adolescente neste barril de pólvora poderá melhorar o cenário de violência?
Falamos muito em redução de maioridade penal, porém pouco sobre o fluxo da justiça criminal e seus entraves. Falamos pouco sobre nossa sede de justiça e se o sistema penitenciário - em sua atual condição ou a despeito dela - é a melhor resposta.
E não falamos nada de prevenção, afinal, mais do que se preocupar com o que acontece depois, é indiscutível a necessidade de se evitar que os crimes aconteçam. No entanto, isso parece não ter sido o foco das discussões no Congresso.
Buscamos justiça e segurança, essa é a real força motriz do debate sobre o qual nos debruçamos. São objetivos legítimos para almejar enquanto sociedade. Entretanto focar, como temos feito até aqui, na redução da maioridade penal é apostar em um ajuste míope do sistema.
Não podemos mais deixar desviar nossa atenção do que realmente importa e pode dar resultados concretos: uma profunda reforma nas instituições de segurança pública. E, pelo visto, teremos que falar mais alto, para que nossas vozes sejam ouvidas em Brasília.
Melina Risso é especialista em segurança pública do Projeto Legado e membro da Rede Pense Livre