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foradoeixoBrasil - ADITAL - [Marcela Belchior] A casa existe desde 2011 e já fazia parte da convivência com as militâncias de várias partes do Brasil, mas foi durante as Jornadas de Junho de 2013, conjunto de manifestações espalhadas por cidades de todo o Brasil, que o projeto ficou mais conhecido pela sociedade brasileira como um todo. Vivendo há três anos na Casa Fora do Eixo, o midiativista Rafael Vilela (foto) conversou com exclusividade com a Adital discutindo como é o processo de formação dos jovens que passam pelo projeto e que atuam na linha de frente de muitas das ações dos movimentos sociais do Brasil e outras partes da América Latina.


O projeto faz parte do circuito Fora do Eixo, rede de coletivos culturais surgida no fim de 2005 e que, em 2012, chegou a contabilizar mais de 200 espaços culturais no Brasil, 2 mil agentes culturais, 2,8 mil parceiros e 20 mil pessoas que participavam, indiretamente, de suas ações. Hoje, a rede está presente nos 27 estados brasileiros e em mais 15 países latino-americanos.

A primeira Casa Fora do Eixo surgiu em São Paulo. Ali, um grupo de moradores, em permanente fluxo e renovação, trabalha em outros projetos da rede, formam comunidades para vivenciarem diversos aspectos da organização social de maneira alternativa a alguns padrões estabelecidos. Para isso, se inserem no debate público através de produção de cultura, da proposição de novas políticas públicas, em ações de acesso à educação e de democratização da comunicação.

Segundo Vilela, mais do que ideologia política, os membros da Casa se apoiam em uma nova pragmática. Colaboração e solidariedade fazem parte da lógica de construção comum de políticas que partem e se destinam ao coletivo. A orientação é a repercussão, sempre, para aumentar cada vez mais a potência das iniciativas populares.

ADITAL - Há quanto tempo você está na Casa Fora do Eixo? Como foi feito o primeiro contato e o processo de integração?

entrevista rafael vilelaRafael Vilela - Eu moro na Casa Fora do Eixo São Paulo desde o final de 2011 e meu primeiro contato foi a partir do coletivo Cardume, que foi um coletivo que a gente estabeleceu em Florianópolis [capital do Estado de Santa Catarina], no sul do país, e que era um coletivo de cultura independente ligado à universidade, que fazia show, organizava processo de produção cultural na cidade relacionada a várias linguagens e que, a partir dali, a gente começou a conectar com o Fora do Eixo, que é uma rede que já existe desde 2003 e já está pelo Brasil todo, organizando e pensando essa proposta de um circuito alternativo de cultura.

ADITAL - Por que você resolveu ter essa experiência?

RV - Todo mundo que faz parte do Fora do Eixo é um processo muito orgânico. Era uma escolha — estar dentro ou não estar — acontecendo pelo momento que a gente está vivendo, de buscar uma estrutura que consiga delimitar para a gente um tempo disponível para o ativismo, para as questões que a gente acredita, enfim. Eu sempre tive uma busca muito grande no campo da comunicação independente, da cultura, da militância e acho que o Fora do Eixo é uma estrutura, hoje, talvez das mais interessantes no Brasil e no mundo para se viver esse tipo de processo.

ADITAL - Como uma pessoa interessada pode ingressar na Casa?

RV – A gente tem um processo nas casas Fora do Eixo, na rede como um todo, que é a Universidade Livre e, a partir delas, a gente chama imersões, a gente abre editais de vivências, onde a pessoa pode se inscrever. Por exemplo, para fazer design gráfico dentro das casas, fica um mês aqui, morando aqui e trabalhando em uma área específica. As pessoas podem ingressar a partir da criação de coletivos nos territórios, pequenas cidades e, a partir disso, vai se envolvendo na rede, faz uma imersão, acaba conhecendo mais. Tem muitas formas. Assim como também pode ser uma pessoa que trabalha com outra coisa, tem um contato, mas participa, de forma direta ou indireta, e se sente parte e faz parte da rede. Não existe um formulário ou forma burocrática de fazer parte, é sempre um processo muito orgânico também.

ADITAL - Podemos traçar um perfil das pessoas que vivem ali?

RV - O perfil das pessoas que moram aqui? Acho que, em todas as casas Fora do Eixo, existe um campo muito grande de formação das pessoas. Com relação à comunicação, grande parte das pessoas que mora aqui teve, de alguma maneira, alguma formação no campo da comunicação e da cultura: foram de bandas, grupos musicais ou estavam ligados a alguma universidade em curso ou formação em publicidade, design, fotografia, jornalismo ou outras áreas como estas. Todos somos muito novos. Eu tenho 25 anos e a maior parte das pessoas que vive hoje na casa tem 25 ou menos. Então, é uma galera muito nova, que se envolve. Tem gente que chega com 16, 17 anos; depende muito do perfil de cada um.

ADITAL - Quantas pessoas há na Casa hoje? Quantas já passaram pela Casa Fora do Eixo?

RV – Hoje, a gente mora em 30 pessoas aqui na Casa Fora do Eixo São Paulo, e já passaram... Acho difícil dizer. Não sei se a gente tem uma contabilidade de quantas pessoas já passaram por aqui, mas já tivemos imersões que já ficaram mais de 100 pessoas aqui durante o dia, fazendo atividades; isso acontece muito. São quase quatro anos de Casa e muita gente já passou por aqui. A gente sempre morou em 30; então, é um processo de muita diversidade, muitas leituras de mundo diferentes reunidas.

ADITAL - Qual a rotina do local? Que tipos de atividades são agregados à convivência cotidiana?

RV – A gente tem um processo de gestão específica de cada uma das áreas de atuação dentro da casa. Então, tem uma galera que faz a gestão do processo de comunicação da Mídia Ninja; tem outra que fica na gestão da residência cultural, por exemplo, que é a organização da casa, hospedagem, dos traslados; tem uma galera que está mais no campo da música, dos festivais. A rotina depende um pouco disso. É difícil ter uma rotina fixa em que a gente faça as mesmas coisas todos os dias, isso muda muito; mesmo porque as pessoas viajam muito para lugares diferentes. Enfim, as vivências também são muito fortes, saídas para outros lugares, visitas a circuitos culturais, shows, festivais. Isso acontece muito.

ADITAL - Que tipo de diálogo a Casa estabelece com o entorno (bairro/cidade)?

RV - A casa estabelece um diálogo muito forte com o bairro, que é aqui no Cambuci, por exemplo, mas com a cidade como um todo, como o "Existe amor em SP", que é um exemplo legal disso, mas tem também o "Domingo na casa", que é um evento que rola todos os domingos em que a comunidade vem muito forte e é aberto ao público, gratuito, com várias bandas e programação cultural bem diversificada e, ao mesmo tempo, a gente se envolve.

Acho que essa lógica das casas Fora do Eixo tem uma inspiração um pouco hippie, no sentido dessa lógica de construir uma alternativa, mas que busca e faz incidências dentro da sociedade o tempo todo. A relação com o Estado, empresas privadas e com a sociedade como um todo está num campo de disputa permanente; a gente não está também numa lógica de se isolar.

O "Existe amor em SP", como falei, foi um festival a gente fez a algumas semanas antes da eleição municipal em São Paulo, em 2012, que a gente botou quase 40 mil pessoas na praça, que foi muito importante pra mudar o curso da eleição naquele momento. Esse tipo de exemplo é muito relevante nessa questão.

ADITAL - Como os moradores se organizam para a gestão da Casa?

RV - Os moradores se organizam de acordo com as gestões específicas que falei. A gente tem um cronograma de atividades de limpeza. Todo mundo se reveza nisso: de alimentação, de traslado, tem a gestão específica da comunicação, dos festivais, do banco que faz as manejo dos recursos, da economia solidária, da universidade que pensa o processo de formação. Cada um tem um gestor e objetivos específicos onde a gente se organiza dentro de um campo de gestão bem amplo.

ADITAL - Quais as fontes de financiamento da Casa Fora do Eixo?

RV - As fontes de financiamento da Casa Fora do Eixo, hoje, e da rede Fora do Eixo como um todo (não dá para falar isoladamente da Casa), está ligado a um processo de economia solidária, em que a gente consegue, a partir da troca de serviços, realizar coisas muito grandes com poucos recursos financeiros e entendendo isso também como uma lógica de abundância de recursos humanos. Muita gente disposta e a fim e com dedicação exclusiva para fazer esse tipo de coisa que a gente faz, seja no campo da comunicação, da cultura, do ativismo, da incidência política.

Hoje, a Mídia Ninja, por exemplo, recebe financiamentos de organizações internacionais como a Olk, a Ford Foundathion, o Instituto Ivus, que têm o interesse de fomentar o processo de formação no campo da comunicação e de produção de cultura independente, especificamente relacionados às questões socioambientais. Existe um interesse muito grande fora do Brasil com relação a esses temas e uma clareza também dessas organizações internacionais do bloqueio que a imprensa corporativa faz para que esses temas não tenham a relevância que devem ter.

ADITAL - Podemos apontar alguns princípios político-ideológicos que norteiam esse modelo de convivência e produção coletiva?

RV - Os princípios, mais que políticos e ideológicos, eles são muito pragmáticos: é a colaboração, a solidariedade, é a lógica de construção do comum de políticas partindo para o comum cada vez mais e de entender que o que a gente faz no Fora do Eixo não está restrito à nossa experiência somente; tudo o que a gente faz, tentamos sistematizar e tentar transferir essas tecnologias para o maior número de coletivos e redes possíveis, entendendo que temos que operar isso enquanto uma política pública, praticamente, e a gente cria isso muito mais, para que seja espalhado para outras pessoas e que possa repercutir e ter uma potência em cada um dos locais dos territórios em que atue; do que necessariamente ser um negócio que a gente segure e guarde só para a gente esse acúmulo.

ADITAL - Qual a relação da Casa com instituições públicas? Existe algum tipo de apoio ou, mesmo, de contraponto aos subsídios do Estado?

RV - Instituições públicas, com relação a apoio financeiro, não. Mas existe uma relação de pressão com relação ao Estado. Por exemplo, a gente cria campos de pressão para poder pautar temas e pautas que a gente acredita que são importantes a partir das ruas, a partir da incidência direta, a partir do diálogo com o Estado. Acreditamos que seja fundamental para, a partir disso, conquistar vitórias públicas, sejam as greves dos garis, os marcos [legais] da Internet... Acho que têm vários exemplos interessantes do que foi conquistado nos últimos anos a partir dessas estruturas. Não existe apoio ou subsídio do Estado para o que a gente faz.

ADITAL - Que relações podemos destacar entre a Casa Fora do Eixo e a mídia comercial? É claramente uma alternativa aos moldes hegemônicos?

RV - Eu acho que é uma alternativa no sentido de que é uma alternativa real e concreta, que não é feita para um público específico, mas para que seja o mais massificado possível, no sentido de entender que a gente está migrando do modelo de "mídia de massa" para "massa de mídia". Quanto mais pessoas se sentirem empoderadas do processo da comunicação, enquanto cidadãos de multimídia, produzindo e distribuindo seus conteúdos, mais essa grande rede de que a gente tem falado tem uma capacidade para, de fato, disputar as narrativas e os imaginários pelo Brasil com relação a múltiplos temas.

Então, em relação à mídia comercial nossa postura é de disputa. Quando fazemos uma pauta sobre um tema que é muito importante, que bomba nas redes sociais e que pauta os veículos, a gente entende como um processo de "raqueamento" puro, da gente conseguir, a partir da nossa perspectiva, do que a gente acredita, fazer com que o grandes veículos sejam obrigados a falar daquilo, porque eles, do jeito que estaria, normalmente, não teriam nenhuma necessidade de fazer isso.

ADITAL - Ao sair da Casa, quais caminhos geralmente são escolhidos pelos ex-moradores? Pode nos dar exemplos de atuação?

RV - Acho que tem de tudo. Em geral, as pessoas que passam pelo processo de formação numa casa como essa saem muito bem relacionadas, tanto com os movimentos sociais quanto com o próprio Estado; no campo da comunicação, com empresas de comunicação independente. Abre-se uma gama infinita de possibilidades para quem passou por um processo como esse, o viveu intensamente, e as pessoas escolhem, em geral, estarem próximas, com relação ao processo do Fora do Eixo, na Mídia Ninja, trabalhando em parceria ou com pessoas que já tenham uma relação muito próxima. Acho que essa é a melhor parte, na verdade: é bem sacar um processo de formação de quadros que estão se capacitando tanto para o Poder Público quanto para iniciativas da sociedade civil de transformação. Acho que isso é fundamental.

ADITAL - Como ex-moradores se relacionam com o mercado de trabalho? Há espaço de atuação profissional para quem adere às propostas desenvolvidas dentro da Casa Fora do Eixo?

RV – Sim. Acho que, como já falei na última [resposta], a qualificação profissional de quem passa por um processo de formação do Fora do Eixo é muito mais interessante do que de quem saiu da universidade, por exemplo. Não que seja esse o objetivo, mas é o que acaba acontecendo. As pessoas que trabalham numa casa coletiva, por exemplo, sem ter um salário, sem ter hora de trabalho, sem, necessariamente, ter que trabalhar porque está ganhando dinheiro, mas porque acredita e gosta do que faz; isso tem um valor muito grande para o mercado, porque o mercado tem uma dificuldade muito grande de pagar as pessoas e deixá-las serem felizes.

Então, acho que aqui a gente tem uma fórmula onde a felicidade é o ponto central. Quando a gente se dedica e se entrega a um processo como esse é porque a gente acredita e porque a gente entende a potência que ele tem — e o mercado está carente de potência e desejo; então, ele olha com bons olhos. Eu não acho que o objetivo de ninguém aqui é sair para o mercado, mas essa é uma relação que acontece e a maior parte das pessoas saem e acabam indo para entidades filantrópicas, movimentos sociais ou para a disputas dentro dos partidos. Isso pode acontecer em todos os âmbitos.

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Conheça mais da rede de coletivos Fora do Eixo.


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