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Wallpaper-da-Bendeira-do-BrasilBrasil - Laboratório Filosófico - [Rafael Silva] Da minha janela carioca para a avenida Nossa Senhora de Copacabana, assisti a mais um estridente “panelaço” contra o atual governo, contra o Partido dos Trabalhadores e, como não podia deixar de ser, contra o ex-presidente Lula.


Na noite de 23 de fevereiro de 2016, novamente, os elementos predominantes do maravilhoso cenário da Princesinha do Mar eram os patéticos e histéricos cidadãos que faziam do ruido de suas panelas os seus melhores discursos políticos. Diante de tamanha miséria retórica, pensei sentir vergonha alheia de todos eles.

No entanto, não podia ser vergonha o que me passava, afinal, este é um sentimento que nos afeta por reprovarmos algo que nós mesmos fazemos. Ou ainda, segundo o filósofo Baruch Spinoza, “a vergonha é uma tristeza acompanhada da ideia de alguma ação nossa que imaginamos ser desaprovada pelos outros”. Sendo assim, se a ação da qual eu parecia estar me envergonhando, embora alheiamente, não era produzida por mim, nem a minha reflexão silenciosa parecia ser desaprovada pelos outros, vergonha é o que eu não deveria sentir.

Na verdade, o que eu sentia era uma espécie de orgulho -orgulho próprio!- por descrer piamente que bater em uma panela pudesse resolver, em qualquer instância, seja a atual crise brasileira, seja ainda patologias históricas, tais como a mui antiga e democratizada corrupção política tupiniquin e os vis movimentos de uma economia completamente refém do capitalismo global.

Por que então essa vergonha alheia pareceu me afetar? Como foi a partir da minha janela física que cheguei a essa questão, para esclarecê-la é conveniente debruçar-me sobre uma janela metafísica. E se a vergonha é um afeto, a metafísica de Spinoza, o filósofo dos afetos, é a melhor janela para eu ver à distância a minha vergonha alheia, que, no entanto, tilintava silenciosamente um forte orgulho próprio por eu não ser um reles paneleiro político. Para raciocinar melhor, eu deveria me afastar dessa vergonha intrusa, pois, como diz o filósofo, “a vergonha é uma espécie de tristeza, não diz respeito ao uso da razão”.

Spinoza afirma que a vergonha, embora não seja uma virtude, é boa à medida que indica um desejo de viver lealmente. A minha pretensa vergonha alheia, portanto, era apenas o sinal de que eu desejava ser mais leal ao meu país do que aqueles desavergonhados que batiam panelas. Da minha perspectiva, lealdade seria protestar, argumentativa e racionalmente, em um diálogo político civilizado e maduro, sem o qual não um Brasil melhor não será construído.

A minha maior lealdade cidadã em relação aos histéricos paneleiros pode se justificar no que diz Spinoza: “quem sente vergonha é mais perfeito do que o desavergonhado, pois este não tem qualquer desejo de viver lealmente”. Entretanto, se, como coloca o filósofo, “o pudor é o medo da vergonha”, a vergonha alheia que eu inicialmente senti pelos tilintadores de plantão, na verdade, era meu pudor de não ser desleal ao meu país. Não era orgulho, portanto, o sentimento que barrou a minha vergonha alheia, mas pudor! Era esse o afeto que eu tilintava reflexivamente da minha janela silenciosa .

Sem dizer que aderir à vergonha alheia seria um tremendo desserviço político. Em primeiro lugar, porque é aquele age vergonhosamente que deve se envergonhar dos seus atos. E em segundo lugar, porque sentir vergonha pelos atos de outrem dispensá-lo de ser afetado por aquilo de que ele mais precisa para ser um pouco mais virtuoso. Com efeito, quem sente vergonha no lugar de alguém age, gratuita e espontaneamente, como um “personal-vergonha” dele, enquanto ele, tendo esse afeto, digamos, terceirizado, pode até sentir-se orgulhoso de si, o que é um absurdo -muito embora aqueles que deixavam a avenida Nossa Senhora de Copacabana mais ruidosa do que já é evidenciassem um inacreditável orgulho próprio.

Sinceramente, o que eu mais desejei durante o panelaço foi que os paneleiros histéricos pudessem se confrontar com suas vergonhosas manifestações políticas. Agora, mesmo que eles não se envergonhem disso, sequer se entristeçam com a pobreza de suas estratégias políticas pessoais, pois caso o fizessem certamente se tornariam cidadãos mais leais ao seu país, a melhor coisa que eu tenho a fazer é pensar como Spinoza, ou seja, nunca esquecer de que “a vergonha é uma tristeza acompanhada da ideia de uma causa interior”, nunca causada por outra pessoa. Eles não podem e não devem me causar vergonha, mesmo que alheia.

Não foi nem felicidade nem orgulho o sentimento que os tilintadores de Copacabana me causaram sob a máscara da vergonha alheia, mas, em troca, pudor. Pudor de não agir como eles! E se tal pudor, causado por mim mesmo, causava-me espécie de orgulho e felicidade próprios, esses sentimentos eram a minha própria glória, pois, conforme Spinoza, “a glória é a alegria acompanhada da ideia de uma causa interior”, ou seja, causada por quem a sente.

Se, como diz o filósofo dos afetos, “a vergonha é uma tristeza acompanhada da ideia de uma causa interior”, e provém do fato de alguém se julgar reprovado pelos outros, a minha glória, melhor dizendo, o meu silencioso pudor em não ser desleal ao meu país, diante do monótono e ineficiente ruído de centenas de panelas, era o mais virtuoso protesto que eu poderia fazer.

Entretanto, ainda que a minha silenciosa virtude não conduza os paneleiros histéricos à vergonha nem à tristeza, que, do meu ponto de vista, é o que eles deveriam sentir por suas barulhentas deslealdades cidadãs -e que, se sentissem, mostrariam a intenção de serem um tanto mais leais ao Brasil-, pelo menos de me sentir envergonhado por eles eu me sinto dispensado! Sou alheio a histeria deles. Essa é a minha glória. Glória cidadã.


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